Sérgio 28/05/2023
A realidade de desumanização da população carcerária
Acho que basicamente esse é um livro sobre a tirania. Mas a tirania no seu mais puro estado coercitivo. Essas memórias são um choque de realidade no seu mais puro primor. É interessante notar como aqueles relatos parecem ser tão reais que doem ao ser destrinchados. Acho que você nem precisa saber que foi baseado em fatos reais para saber que aquilo foi baseado em fatos reais. É aquele filme de terror que não precisamos de um disclaimer, porque é o terror que muitas pessoas vivem, o da injustiça. É interessante ler esse livro e ter uma visão do amadurecimento de Dostoievski como autor, ou seja, em como aquela experiência afetou ele. O autor serve para nós um toque doído sobre como somos capazes de nos tornar mais humanos mediante o viver de nossa vida. O amadurecimento é doído, e ver esse amadurecimento na prisão é de um incômodo inimaginável. Palmas ao russo, que conseguiu retratar de maneira realista Aa crueza da injustiça, da desumanização que torna bárbara; da tentativa do presídio em homogeneizar, em bestializar e ferir o caráter humano da sociedade. Ler esse livro é ter em conta o perfil sociológico do autor em descrever a ineficácia desse tipo de sistema em detrimento da força motriz de ser humano mesmo em situações deploráveis. Aqueles presidiários, mesmo em situações bárbaras, que machucam não só o corpo, mas a alma ainda insistem em serem humanos. Isso é inerente a nossa espécie e Dostoievski relata isso com maestria. Aquele ambiente decrépito parece se afogar em sua decrepitude com o passar das páginas, de modo que afrontar a pena daqueles que ali estão não se coaduna com sua personalidade como um todo. Explico-me, é extremamente humano Dostoievski relatar sobre como há humanidade mesmo onde você menos espera, que existem pessoas ali que são boas. Aliás, acho que esse é o ponto do autor, em insistir que, em regra, não somos inteiramente bons ou ruins, e que quando a prisão, em sua ineficácia, ressalta somente aquilo que é atroz ao indivíduo, descarta-se todas as qualidades que ali eles podem possuir, de modo que aquele sistema, coberto de injustiças burocráticas, somente tende a piorar o indivíduo. Dostoievski nos mostra a ineficácia do sistema carcerário quando nos mostra que ali são postos os homens como bestas e deles são retirados suas almas, a sua humanidade, de modo que só sobra a casca do indivíduo. O sistema é ocioso e o autor nem precisa de muito para levar o autor a entender que retirar a humanidade, não conceder direitos aos que ali estão, de nada adianta para a reinserção dos indivíduos. Ler esse livro é sentir o frio da Sibéria e o choque das injustiças, e notar que aqueles que sobrevivem àquela realidade, mesmo que a seu modo, são verdadeiros guerreiros.
Nota para a menção, no meio do livro sobre a inocência de um indivíduo que o próprio escritor do relato insiste em reconhecer sua inocência. Quando o livro nos afirma que de fato ele é inocente é uma prova cabal da realidade injusta desse sistema ineficiente. Além desse, o relato dos grilhões nos doentes, como mero reforço a sua situação é de tocar a alma, nos faz refletir sobre a necessidade de pormenorizar e contextualizar determinadas penas, que o próprio autor ressalta que é indiretamente são diferentes, visto que uns sofrem mais que os outros devido ao contexto social. Entretanto, não há pormenor que justifica um tuberculoso a estar engrilhoado mesmo prestes a morrer. Afinal de contas, ele também teve mãe.
Eu só retirei uma estrela porque o livro possui muitos saltos e retornos, contextualizações no meio de divagações que nos fazem sambar um pouco, principalmente com tantos nomes. Entretanto, nada que torne negativo a história em si, que é um tapa na cara dado de maneira excelente. Eu é que sou chato mesmo, provavelmente vou mudar as estrelas depois, enfim, deem uma chance!