Isis Costa 05/02/2024Ganhou meu coração"A Cor Púrpura" é um clássico vencedor do Prêmio Pulitzer em 1983, onde traz narrativa profundamente tocante e transformadora. Contada através de cartas, a história nos apresenta a trajetória de Celie, uma jovem negra no início do século XX, que começa a compartilhar seu doloroso cotidiano e seus pensamentos mais íntimos a partir dos 14 anos, através de cartas a Deus. Vivendo no sul dos Estados Unidos, uma região marcada por um racismo e machismo ainda mais acentuados, Celie se encontra em uma situação de extrema vulnerabilidade, sofrendo abusos inimagináveis nas mãos de seu pai.
Ao longo das décadas seguintes, somos conduzidos pela vida de Celie por meio das cartas, testemunhando suas lutas e triunfos em um cenário de adversidades. O relato doloroso e corajoso de Celie revela a persistência do abuso perpetrado por seu pai e a dolorosa separação dos filhos. A narrativa se aprofunda ainda mais ao abordar o casamento forçado e violento com o Sinhô, evidenciando as crueldades sofridas por uma mulher negra em uma sociedade profundamente machista e racista.
Contudo, é na solidão que Celie encontra um fio de esperança. Suas cartas, endereçadas a Deus e à irmã Nettie, tornam-se um meio de expressão e resistência, uma válvula de escape para as angústias e uma ponte para sua própria identidade. Através dessas correspondências, a protagonista traça um caminho de auto-descobrimento e empoderamento.
À medida que a narrativa se desenrola, Celie começa a experimentar um profundo processo de transformação pessoal. Através de interações significativas e momentos de introspecção, ela descobre o valor da amizade, a profundidade do amor e a própria força interior. Mais do que isso, Celie se depara com o poder da educação e a importância de ser reconhecida e valorizada como ser humano, independentemente de sua cor, gênero ou origem.
Alice Walker, aborda temas de extrema relevância que ressoam fortemente até hoje. Vai além de ser um mero relato de violência contra a mulher e racismo; ela escancara as consequências do machismo, do patriarcado, da segregação racial e da marginalização da mulher negra na sociedade. A obra também se aprofunda na discussão sobre espiritualidade versus religião institucionalizada, assim como na jornada de descoberta e aceitação da sexualidade da protagonista, temas que são abordados com sensibilidade e perspicácia.
A leitura é fluida e envolvente. As cartas, muitas vezes curtas, são capazes de imergir o leitor na realidade complexa de Celie de maneira direta e profundamente emocional. Esse formato facilita e amplifica o impacto das reflexões propostas, tornando-as acessíveis e instigantes.
Ao concluir a obra, me senti profundamente tocada, quase incapaz de acreditar na inexistência física de personagens tão ricas e complexas.