Marcus Vinícius Sales 26/02/2016
Uma grande biografia para o controverso "Rei"
Comecei a ouvir Roberto Carlos ainda criança, por intermédio de minha mãe, fã declarada, desde sua juventude. Nascida em 1955, ainda era uma menina quando Roberto Carlos começou a dar seus primeiros passos na música. Para mim, o cantor foi sempre uma figura controversa. Não se pode falar na história da música brasileira (talvez a mais inventiva e brilhante do mundo) e seus deuses, sem falar de quatro grandes movimentos que viriam nos fazer evoluir musicalmente: a bossa nova, a jovem guarda, a tropicalista e a MPB (sigla rejeitada pelos seus expoentes) de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Elis e cia.
De todos esses movimentos que viriam renovar a cena musical brasileira, tenho especial desapreço pela Jovem Guarda. Alienante, comercial e farta de músicas absolutamente desinteressantes. Por Roberto Carlos, astro maior da JG, passei a ter algum respeito pela sua obra musical muito pautada na música romantica, não tendo ficado preso ao esgotado ir ir ir como 90% de seus companheiros. Apesar de excelentes canções românticas, tenho sérias restrições às suas rimas fáceis, aos arranjos que às vezes soam cafonas, e sobretudo à sua fase religiosa que é difícil de engolir.
O meu gosto musical sempre foi muito mais pautado por obras que procuram alguma profundidade não só no conteúdo mas também na estética. Gosto da revolução que a Tropicália trouxe. Caetano e Tom Zé são meus grandes ídolos na música popular brasileira. Mas RC não teria feito nada de bom? O próprio Caê compôs pra ele algumas canções, magníficas, diga-se de passagem. " Como dois e dois", "Força Estranha" e "Muito Romântico". Afinal, Roberto Carlos tem algum valor artístico?
Essa é uma pergunta que a biografia ajudou a esclarecer pra mim. Conhecer a vida de Roberto Carlos, conhecer sua trajetória profissional e pessoal dá um peso enorme na compreensão de suas canções. Conhecer a biografia de um artista, sobretudo de um cantor popular, é extremamente interssante para compreender os processos de construção da identidade musical, as inspirações para as letras e as melodias..
"Roberto Carlos em detalhes" é mais que uma simples biografia. É evidente em toda a obra a quase reverência do seu autor não apenas pela obra musical, mas pela pessoa que corporifica o mito. Ora ou outra, o autor "força a barra" tentando dar um peso ao biografado, talvez, maior do que o real, mas sempre recorrendo a argumentos muito bem fundamentados. Quando a loucura que Roberto Carlos causava entre os fãs sobretuo na década de 70 é comparada, guardadas as devidas proporções em escala universal, ao frisson causado pelos beatles o autor utiliza um ingênuo mas contundente argumento: não foram gravadas as chegadas nos estádios, estúdios e casas de shows. Falta realmente à videografia de Roberto Carlos, material de bastidores da sua vida, sempre muito ensaiada, planejada pelo batalhão que o cercava.
Talve seja esse o maior problema da biografia. A insistência de Paulo César em engrandecer o biografado. Não era realmente necessário, por que os dados e argumentos que ele traz são suficientemente fortes para que o leitor se dê conta de que o Brasil realmente não teve sucesso na música comparado ao que RC obteve.
Se antes de começar a ler o livro, eu colocava em xeque o título de Rei que RC possui passados seus cinquenta anos de carreira, hoje, terminada a leitura de sua biografia, entendo o por que dessa honra concedida. Roberto Carlos pode não ser nosso melhor cantor ou compositor. É sim, um excelente cantor e no que se dispôs a compor, alcançou algumas vezes belíssimos vôos. Pode não ter a qualidade técnica de um Chico Buarque, um Caetano Veloso ou GIlberto GIl, mas naquilo que se propôs, cantar o amor, conseguiu se tornar o mais consagrado artista da nossa música, alcançando todas as classes sociais e penetrando nos mais diferentes estratos musicais, dos mais simplórios aos mais sofisticados.
Ler sobre a vida de Roberto Carlos dá outra dimensão sobre o artista. Mas o autor não apenas consegue alcançar a fundo o seu biografado como faz uma exepcional leitura do seu entorno, do período em que viveu, contextualizando aos pormenores tudo que é relevante.
Paulo César Araújo demorou dezesseis anos para concuir a sua obra. E com a decisão do STF que finalmente pôs fim à discussao quanto a necessidade de autorização para as biografias, novos capítulos serão escritos. No entanto, podemos esperar um autor menos apaixonado pelo Rei e com sangue no olho para adentrar com ainda mais profundidade e com menos cuidado na vida de seu (ex?) ídolo.