Valério 18/04/2017
Valor histórico e científico
Daniel Schreber foi um homem considerado muito inteligente e lúcido. Tanto é que virou presidente de um tribunal de recursos. Mas a inteligência não impediu (e muitos acreditam que uma alta inteligência possa até ajudar) que se visse com graves perturbações mentais.
Na primeira obra que se tem notícia do gênero, Schereber, ao ser internado, resolveu escrever estas "memórias".
E então temos acesso à descrição pormenorizada de doenças mentais por um paciente com grande capacidade de expressão e escrita. Que detalhe em minúcias as suas ilusões.
Como curioso que sou a respeito de religiões e da doutrina espírita, não pude deixar de ver similaridades de suas visões com muitos pontos conhecidos no espiritismo.
Inclusive, diz-se que pessoas com alto poder mediúnico, se não instruídas, sem um correto direcionamento dessa alta sensibilidade, acabam, como Schreber, parando no hospício. Não são compreendidas e não se compreendem a si mesmas.
Mas Schreber faz diversas afirmações reveladas pelas "Vozes" que guardam consonância com conhecidos conceitos espíritas.
Daí a dizer, terminantemente, que Schreber era um medium, ou que efetivamente tinha alguma sensibilidade que, mal desenvolvida, gerou confusão mental e o levou a estágios avançadas de doença mental, me parece precipitado.
Por sua vez, tirando o aspecto de um possível sensitivo que não estava adequadamente preparado, o livro é uma grande oportunidade de observar o que se passa na mente de um paciente psiquiátrico em níveis avançados de doença mental.
O autor detalha como tem contato com as vozes, no que consiste toda a comunicação, suas visões, todo o emaranhado de relações criadas em sua cabeça, com dois deuses que se revezam em tornar sua vida mais difícil.
Como acredita que algumas vezes retiram partes do seu corpo e como vão o transformando lentamente em mulher, ativando seus "nervos de volúpia", como ele mesmo diz.
Tudo que foge da anormalidade ele chama de "milagres", mesmo pequenos atos do dia a dia que, segundo ele, são feitos de forma milagrosa apenas para aporrinhá-lo.
Exemplo, uma corda de piano que se arrebenta.
Como pano de fundo, podemos imaginar o sofrimento de sua esposa e de todos os seus amigos.
Ao final, Schreber tenta judicialmente ser declarado capaz, para abandonar o sanatório e poder retomar sua vida. E o livro traz várias peças judiciais, como o parecer médico, os recursos do paciente e decisões judiciais.
Livro muito interessante, que nos dá uma visão abrangente dos meandros de uma mente doentia. Um pouco repetitivo em algumas partes e com baixo valor como obra literária, mas de alto valor científico.
Obs.: Este livro foi a base de estudos de Freud para sua tese sobre paranoia.
Se Freud achou o material bom, quem sou eu para discordar?