Arsenio Meira 24/06/2014
"De porrada em porrada, acabamos virando colecionadores. "
"Ô, Copacabana!" é uma típica produção de João Antônio. Mescla de trechos narrativos, crônica e reportagem, a obra parece não se fechar rigidamente dentro de um gênero definido. Afora qualquer classificação que o texto receba, não é possível separar os gêneros presentes na obra, pois, a cada trecho, ou a cada focalização dos diversos aspectos de Copacabana, evocando uma caminhada pelo bairro e sua história, os gêneros se misturam. Sobre alguns personagens reais ( Mariazinha Tiro-a-Esmo ou Elzinha Prejudicada,) personagens "pingentes" do bairro, o tom narrativo tipicamente joãoantoniano toma a frente; sobre os eventos, tais como o Festival do Osso – um evento sobre cães promovido pela elite carioca – ou o réveillon "chué" do bairro, a crônica aparece com maior vigor; na caracterização da praça Serzedelo Correia, ou "praça dos Paraíbas", na descrição da vida noturna e diurna na Galeria Alaska, por sua vez, a reportagem parece ditar o tom.
O que parece conferir unidade a tal mescla, sem que se perca a unidade da obra, é o foco enviesado dirigido a Copacabana, uma caracterização que ressalta as questões geralmente não consideradas para a formação da imagem do bairro carioca. Desse modo, João Antônio dá seguimento a sua marca enquanto narrador-repórter: a preferência pela margem excluída do espaço citadino. Nesse sentido, pode-se dizer que a representação do bairro se dá de uma maneira dúplice: o foco está todo nos seus aspectos decadentes, porém, estes não são descritos senão com referência constante à imagem de Copacabana cara aos entusiastas do turismo e da identidade nacional ufanista.
Ainda quando esta Copacabana do glamour não é relatada, o que ocorre mais frequentemente, sua imagem aparece sempre como oposição necessária à descrita, isto é, ainda que o narrador-repórter prefira os bas-fonds do bairro, é impossível não relacionar essa imagem decadente e contraditória com a outra, sobejamente conhecida pelos panfletos, músicas, poemas, milhares de imagens etc... A imagem trabalhada de Copacabana, aqui, portanto, vira do avesso a imagem solidificada de um bairro turístico, ilustrado e reverenciado por motivos que, como se vê, só os possui se imersos em uma contradição gritante, escancaradora dos desníveis do desenvolvimento brasileiro. Assim, no bairro, a imagem valorizada serve, sobretudo, a efeitos de propaganda e, ainda, claramente, à especulação imobiliária e a um tipo de atração de grupos sociais diversos, seduzidos por sua paisagem, descoberta agora falsa e caricatural. Esta representação, em marca negativa, parece querer desvelar duas Copacabanas: a decadente caracterizando de maneira reflexa a "glamourizada" princesinha do mar.
As personagens de João Antônio só teriam a compartilhar essas experiências “radicalmente desmoralizadas”. Resta-lhes, assim, a solidão, o silêncio, o estar-separado, ausente de vida comum. Sem propriedade, família, nada que as “fixe ao chão”, elas apenas compõem um cenário. Por não trocarem experiências, não deixam rastros que possam ser seguidos por outras pessoas. Tudo isso expressa o “desenraizamento total”. Elas não projetam também nenhum tipo de sonho; aliás, não há futuro neste cenário, apenas o dia-a-dia. E o olhar visceral de um escritor apontado como maldito, marginal, que viveu e escreveu, à maneira de seu mestre, o grande LIMA BARRETO, para contar o outro lado da moeda. E contou.