Nova antologia pessoal

Nova antologia pessoal Jorge Luis Borges




Resenhas - Nova Antologia Pessoal


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Fabio Shiva 07/01/2022

Cada livro de Jorge Luis Borges é uma espécie de paraíso portátil
No Mercado Municipal de Itapuã existe um espaço muito especial, idealizado e conduzido com muito carinho por seu Luís e dona Nélia, dois queridos “professores artesãos”: é o Cantinho dos Livros, um lugar para onde você pode levar aquele bom livro que já leu, para que seja lido por outra pessoa, e sair de lá levando algum outro livro de sua escolha. Visito sempre que posso esse abençoado espaço de incentivo à leitura, e já perdi a conta de quantos livros maravilhosos eu lá deixei ou trouxe de lá. Inclusive e principalmente essa antologia da maturidade de Jorge Luis Borges, com textos selecionados pelo próprio autor.

Borges é um de meus autores mais amados, tendo influenciado direta ou indiretamente muito do que faço, e até o título de um de meus livros, “Labirinto Circular” (https://www.amazon.com.br/Labirinto-Circular-Fabio-Shiva-ebook/dp/B09MSVN9GZ), que bebeu do magistral conto “O jardim dos caminhos que se bifurcam”, presente nessa antologia. Por aí já se imagine a minha alegria ao me deparar com esse volume no Cantinho dos Livros. Mas a pessoa que doou o livro foi além, grampeando na primeira página um recorte do obituário de Borges publicado na revista Veja de 25 de junho de 1986. A mesma mão que grampeou a matéria, ou outra igualmente desconhecida, ainda achou de rabiscar a palavra “adivinho” em um pedaço de papel e largar entre as páginas do livro. Quem já leu Borges, sabe com esse tipo de situação é a cara dele…

Meu maravilhamento com esse livro, portanto, começou antes da primeira página. E ao chegar nela, na dedicatória, encontro essa frase memorável:

“Só podemos dar o amor, do qual todas as outras coisas são símbolos.”

Esse é Jorge Luís Borges, que nos encanta já na dedicatória. E o encantamento continua no prólogo, na página seguinte:

“Conjecturo que um autor deve intervir o menos possível na elaboração de sua obra. Deve cuidar de ser um amanuense do Espírito ou da Musa (ambas as palavras são sinônimas), não de suas opiniões, que são o mais superficial nele existente. Assim o entendeu Rudyard Kipling, o mais ilustre dos escritores comprometidos. A um escritor – disse-nos ele – lhe é dado inventariar uma fábula, mas não a moralidade dessa fábula.”

Ler algo dessa natureza me faz ter cada vez mais fé na religião que adotei para a minha vida: a Literatura. E é essa mesma e fervorosa devoção que me despertam os versos de “A um poeta saxônico”, logo em seguida:

“Peço aos meus deuses ou à soma do tempo
que meus dias mereçam o olvido,
que meu nome seja Ninguém como o de Ulisses,
mas que algum verso perdure
na noite propícia à memória
ou nas manhãs dos homens.”

Um desejo tão nobre, expressado de forma tão bela, não poderia deixar de comover a divindade. Acho que Borges já começa a ser atendido em seu pedido, através dessa que é uma de suas frases mais famosas:

“Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca.”

Penso que deve ser inevitável que surja um sorriso de [*****]mplice entendimento nos lábios de qualquer um que ame os livros ao ler essa frase pela primeira vez. Borges tem uma outra frase igualmente célebre, que aparece em seu intrigante conto “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”:

“(…) os espelhos e a cópula são abomináveis, porque multiplicam o número dos homens.”

Cunhar uma frase tão poderosa como essa é o sonho de todo escritor. Mas Borges esbanja talento ao inserí-la em sua história como sendo a citação que seu amigo escritor Bioy Casares faz de um artigo que ele leu sobre Uqbar em The Anglo-American Cyclopedia. Mas e o que é Uqbar? Trata-se de um país imaginário na região da Ásia Menor, que serve de pretexto para que Borges comece a falar sobre Tlön, um planeta imaginário onde as pessoas são tão idealistas quanto as pessoas de nosso planeta são materialistas. Acontece que Tlön, na narrativa de Borges, é uma invenção coletiva de centenas de cientistas, filósofos e artistas que se empenham ao longo de décadas na redação dos verbetes da Enciclopédia de Tlön, que circula secretamente em nosso mundo. O desfecho desse conto de originalíssimo enredo é simplesmente sensacional.

Essa “Nova Antologia Pessoal” de Borges é dividida em quatro seções: Poesia, Prosas, Relatos e Ensaios. Fui lendo os textos alternadamente, pulando de uma seção para outra, a fim de melhor saborear as múltiplas nuances Borgeanas. Cheguei até a ter um atrito com o autor, no ensaio “Das alegorias nos romances”, onde ele já começa disparando:

“Para todos nós, a alegoria é um erro estético.”

No ensaio Borges apresenta alguns argumentos de Benedetto Croce, que tal como ele abomina as alegorias nos romances. Felizmente ele cita também os argumentos de G. K. Chesterton, outro escritor que admiro e que defende o uso da alegoria. Na companhia do genial criador do Padre Brown, fiquei mais confiante para contestar a opinião de Borges. Meu segundo romance, “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), certamente pode ser considerado do início ao fim uma grande alegoria. Mas não é a defesa da cria que me impulsiona a discordar de Borges. Penso que toda forma de literatura é alegórica, e mais ainda: toda palavra, por ser uma representação simbólica que nos permite lidar com os mundos externo e interno, é em si e por si profundamente alegórica. Assim, a alegoria não só é desejável como inevitável. O próprio Borges, matreiramente, talvez admita essa possibilidade na própria frase de abertura de seu ensaio, ao dizer que pretendia escrever inicialmente de outra forma, mas se deu conta de que estava recorrendo a uma alegoria.

Esse mesmo ensaio, aliás, traz um outro pensamento muito interessante (e atual), ao polarizar toda e qualquer visão possível sobre o mundo:

“Através das latitudes e das épocas, os dois antagonistas imortais mudam de dialeto e de nome: um é Parmênides, Platão, Spinoza, Kant, Francis Bradley; o outro, Heráclito, Aristóteles, Locke, Hume, William James.”

Muito mais eu gostaria de falar sobre esse livro, mas não posso deixar de mencionar esse trecho, que me emocionou deveras:

“No decurso de uma vida consagrada menos a viver do que a ler, verifiquei muitas vezes que os propósitos e teorias literárias não são senão estímulos e que a obra final costuma ignorá-los e até contradizê-los.”

Não imagino o que deve ter sido para um leitor tão voraz e escritor tão genial perder a visão aos 55 anos. O próprio Borges dá o seu testemunho:

“Quando penso no que eu perdi, eu pergunto: Quem se conhece melhor do que o cego?”

O mais incrível é que a cegueira não atrapalhou a sua produção: Borges costumava ficar ruminando o texto de memória, até sentir que ele estava pronto a ser ditado. E nesse caminho do autoconhecimento, a meta maior da Literatura e de toda Arte verdadeira, ele pôde formular essa outra frase sublime:

“Oh ventura de entender, maior que a de imaginar ou que a de sentir!”

Encerro com essas duas outras belíssimas citações de Jorges Luis Borges, avatar da Literatura:

“A literatura começa pela poesia, e a poesia pela épica; é como se antes de falar o homem cantasse.”

“Graças quero dar ao divino (…)
pelo amor que nos deixa ver os outros
como os vê a divindade.”

https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2022/01/cada-livro-de-jorge-luis-borges-e-uma.html




site: https://www.facebook.com/sincronicidio
Stella F.. 08/01/2022minha estante
???


Fabio Shiva 10/01/2022minha estante
Oi, Stella!


Stella F.. 11/01/2022minha estante
ok




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