Erika Xavier 18/08/2022A morte só muda seus trajesO economista e jurista italiano, marquês de Beccaria, escreveu esta obra no século 18 e ela apresenta grande influência dos pensadores iluministas como Kant e Voltaire.
O autor aborda o seu descontentamento com a forma de aplicação das leis e das penas pelos juristas da época. Seu escrito vai passando por pontos chaves de discussão, ele cita “As leis foram as condições que reuniram os homens, a princípio independentes e isolados, sobre a superfície da terra” que nos remete a hipótese de um “estado de Natureza”. Com essa explanação o autor introduz o leitor ao tema das penas e suas relações com as leis, pois é afirmado que para dominar a selvageria e irracionalidade humana, as penas precisavam existir.
Beccaria critica a liberdade que os juristas possuíam de interpretar as leis e, muitas vezes cria-las, a sua vontade, mas que isso é função de dever do legislativo. Com isso ele questiona “qual será o verdadeiro intérprete das leis?” que, para ele, seria o soberano, pois o juiz apenas tem a função de julgar o individuo de acordo com a lei e definir se ele a infringiu ou não. A lei deve ser um livro familiar a sociedade para que ela conhece as consequências de seus atos e que não fique à mercê de juízes parciais que a negligencie, pois evita que o cidadão seja preso ou sofra penalidades por motivos frívolos.
Quanto ao julgamento, o marquês recomenda que seja público, assim como as provas do crime e a opinião, para que o povo compreenda o que está sendo julgado e possa coibir injustiças.
Agora, em se tratando do delito “eis uma preposição bem simples: ou do delito é certo ou é incerto. Só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado”, com esse trecho já percebi o quanto a tortura era utilizada para fins de confissão e são apresentados dois problemas quanto a ela: o fraco assume um crime que não cometeu e o criminoso resistente a ela sai impune. A pena mais comum era a pena de morte que na visão do autor ”é uma guerra declarada a um cidadão pela nação, que julga a destruição desse cidadão necessária ou útil”, sendo que ele a encara como necessária em duas hipóteses: quando a nação corre o risco de perder sua liberdade ou em que as eis são substituídas pela desordem e quando um cidadão atentar contra a segurança pública.
Como alterativa para a pena de morte, em caso de crimes graves, Beccaria sugere a escravidão, pois a vantagem é que “...ela amedronta mais aquele que a testemunha do que a quem sofre, porque o primeiro considera a soma de todos os momentos infelizes, ao passo que o segundo se alheia de suas penas futuras, pelo sentimento de infelicidade presente”. O que favorece a visão geral de que um delito não fica impune e seria uma forma de se evitar que um cidadão cometa um crime, além disso, afastar das leis a “sombra” da corrupção é outro ponto abordado que auxilia na inibição de delitos.
Para o autor a igualdade civil e a resolução do julgamento o mais próximo possível da ocorrência do crime são de grande importância para que a sociedade reconheça o rigor das leis e sintam-se seguras quanto aos poderes legislativos e judiciário. Um outro ponto que me chamou atenção nessa obra foi a ideia de que a luta precede o direito, o que relembra o foco do livro A luta pelo Direito, pois o autor traz ideia semelhante na passagem “...e veremos quantas vezes uma geração inteira é sacrificada à felicidade da que deve suceder-lhe.”
O autor foi brilhante em toda sua escrita, até citou a inquisição, o que demonstra que ele, independente da religião que praticava, sabia reconhecer injustiças. Porém, as críticas que recebeu dos juristas o fez se afastar dos debates públicos e a obra que li tem como apêndice a resposta do marquês a um frade dominicano que a todo momento o categorizava de herege, calunioso, infame e afins. Mas a obra mostra-se atual em pontos chaves, como a interferência do judiciário na elaboração das leis e em como a sociedade vêm sendo punida com a pena de morte, não mais física, mas sim social.