Middlesex

Middlesex Jeffrey Eugenides




Resenhas - Middlesex


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01/02/2016

Entrou para a minha lista de favoritos de todos os tempos, e sofre do mal dos livros que compõem essa lista: a gente nunca consegue falar deles de uma forma satisfatória e justa. Que livro incrível!

É difícil descrever esse livro, porque acho que o que chama atenção é o fato de ser narrado por um intersexual. Era inclusive a única coisa que eu sabia a respeito, mas vai muito além. MUITO! É uma saga familiar intrincada com acontecimentos reais contada de uma forma tão gostosa de ler e com personagens tão fantásticos que no fim você sente até saudade deles.

Ganhou o Pulitzer em 2003 e foi mais do que merecido. Fico imaginando a dificuldade do autor em entrelaçar todos esses pontos complexos da narrativa sem parecer bagunçado aos olhos do leitor. E que pecado ele ser conhecido mais pelo Virgens Suicidas. Essa é uma obra muito superior, e olha que eu amo o Virgens Suicidas também.

Começa com o Cal, personagem principal, falando que nasceu duas vezes. Uma como menina e outra como menino aos 14 anos. Aí você já fica intrigado, “como assim?”, e ele explica que ele é intersexual e para que possamos entender o presente, ele precisa explicar o passado, mais precisamente as ações de sua família. E assim ele começa, a partir de seus avós gregos lá no começo do século XX, passando por seus pais e por fim, chegando nele. São três gerações de muitos acontecimentos, para dizer o mínimo.

É fenomenal como o autor vai costurando essa história da família do Cal - que por si só já é interessante - com a Guerra Greco-Turca, o Grande Incêndio de Smyrna, a ascenção e queda da indústria em Detroit, o surgimento da Nação do Islã nos Estados Unidos, os motins de Detroit em 1967 e outros marcos históricos. Tudo isso sem ser forçado e encaixando perfeitamente no contexto.

Mas o mais legal é a autodescoberta da Calliope – o Cal do começo da história - em si. De ter uma ânsia enorme em ser “normal” e não chamar atenção, quando na verdade a vontade que ela tem vai contra aquilo que a sociedade espera dela. Gera uma discussão bem interessante acerca da identidade de gênero.

Tem muito mais nas entrelinhas e conta com camadas e camadas a serem exploradas, por isso só sei que quando terminei a leitura, a minha vontade era reiniciá-la de imediato, tamanho o meu amor por essa obra.
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Laura 07/12/2015

Middlesex nos leva de uma vila grega em território turco, a Detroit, depois a Nova Iorque e Berlim do modo mais detalhado e rico possível.
Você sabe quem conta a história, você sabe em qual momento essa personagem nasce (ou renasce?) para modificar toda a compreensão de vida e gênero daquela família grega, mas você não vê a hora de saber mais, de compreender e aceitar Cal Stephanides.
Jeffrey Eugenides deu vida a Cal ou foi Cal que deu vida a si mesmo?
Um dos romances mais ricos e importantes na discussão de gênero e hermafroditismo, se não o mais.
Percebi que a leitura valeria à pena no início e tive absoluta certeza no final.
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Gley 03/11/2015

Sexo, gênero, genética e comportamento numa linda saga de três gerações.
Que dizer? Middlesex tem tudo que espero de um livro: uma ficção que chega ao real quase palpável. Um romance que cada parágrafo parece um poema, que cada passagem é descrita como em câmera lenta. Uma saga em que conta por si só várias estórias, e ao mesmo tempo, o resultado de todas elas. Um tema atualíssimo e que ronda, em nossas fantasias, com todos os seus preconceitos. E numerosos dados reais que sedimentam e tão o mote do porquê da sensação de tão próximo e tão rico é o personagem central para quem lê.
Se vc quer ler um livro sobre sexo e gênero, de como isso se mistura a genética e ao comportamento, mas sem ter que adentrar nos estudos técnicos e sim mergulhar nos sentimentos, emoções, olhares e ações de quem vive, dentro de si, essas questões biológicas e psíquicas, te recomendo esse livro.
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caarolparker 30/10/2015

Surpreendente!
Que livro incrível! Demorei um tempo para terminar, fui lendo durante um período de 6 meses acho, 50 páginas aqui, mais 50 lá, dai peguei essa semana e li até terminar. No primeiro livro, eu achava desnecessário falar sobre a história dos avós, porque claro estava interessada na história de Callie, mas foi totalmente necessária!
Eu adorei a Callie e o Cal, em algumas partes Cal tinha descrições estranhas, principalmente no capítulo O Objeto Obscuro, porém foi o melhor capítulo!
Quando Cal falava sobre a Julie durante a narrativa também queria saber mais sobre a vida adulta dele, só os 4 livros foram necessários, não precisava de mais. E o final surpreendente!
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Dessa (Louca dos livros) 28/10/2015

Saudades dos Stephanides
Demorei a conseguir imergir na historia. A narrativa de Jeffrey parece a descrição de um filme, usando de cenas que parecem realmente filmadas. planos sequências e até edições e cortes repentinos. Eu não gostei disso.
Porém, a historia dos Stephanides é tão cheia de ação, drama, romance, que você acaba se acostumando e aceitando aquela narrativa. Quando termina a primeira parte da historia você já faz parte dos Stephanides. Até o final do livro sentia falta da presença de Desdêmona e quando acabei continuei sentindo. mas agora também de Milton e de Cal/Calíope.
já que o autor parecia escrever um roteiro ouso dizer que gostaria de ver uma serie sobre o livro!
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jota 22/10/2015

Avenida de mão dupla
Middlesex, de Jeffrey Eugenides me lembrou Middlemarch, de George Eliot. Este livro, escrito por uma mulher usando um nome masculino (o do marido) , como o livro de Eugenides, é cheio de personagens curiosos, histórias paralelas e bastante volumoso.

Ambos retratam sagas familiares e apresentam altos e baixos - como quase todo livro muito longo -, mas a qualidade literária superior é facilmente identificável tanto no livro do americano de origem grega quanto no da nobre inglesa. Eugenides foi premiado com o Pulitzer de 2003 por Middlesex.

As semelhanças entre os livros param aí; Middlesex consegue ser bem-humorado grande parte do tempo (claro, não tem a rigidez de um livro inglês escrito no século XIX) ainda que seja sobre um assunto complexo, nem tanto assim presente em obras literárias recentes: a transfiguração sexual, ou seja, aqui se conta a história de um hermafrodita.

Calliope Stephanides nasceu menina mas aos catorze anos se descobre menino e se assume definitivamente como Cal aos dezessete. Não é, como costumavam dizer algumas pessoas de pouca instrução, “menino homem” e tampouco é “menina mulher”, mas algo entre essas duas coisas, tanto em sua cabeça quanto em seu corpo.

Eis como o livro começa: "Eu nasci duas vezes: primeiro como uma menininha, num dia excepcionalmente despoluído de Detroit, em janeiro de 1960; e depois outra vez como um rapaz adolescente, num ambulatório de emergência perto de Petoskey, Michigan, em agosto de 1974."

E Middlesex não é meio sexo ou coisa parecida, mas uma avenida em Detroit (na edição da Rocco, 2003) ou o Middlesex Boulevard (na edição da Companhia das Letras, 2014), onde a família Stephanides fixa residência depois de muita história – grande parte dela passada entre Turquia e Grécia. Mas nada se iguala à complicada história vivida por Cal (ou Calliope) Stephanides, contada por ele (ela) mesmo (mesma) aos quarenta e um anos, vivendo na Alemanha.

Feito um supermercado literário, capaz de agradar leitores vorazes, o livro tem de tudo um pouco: referências a música, cinema, literatura, mitologia, ciência, arte em geral etc. Muita história com h maiúsculo também – incluindo aí praticamente todo o século XX norte-americano. E, de volta ao começo, como Middlemarch, de George Eliot, Middlesex é praticamente inesquecível.

Lido entre 02 e 22/10/2015.
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Vanessa Vieira 18/07/2015

Middlesex - Jeffrey Eugenides
O livro Middlesex - romance vencedor do prêmio Pulitzer - do autor Jeffrey Eugenides, nos traz uma história original, polêmica e criativa sobre um hermafrodita do século XX. Escrito de forma contundente e norteado por um leve toque de ironia, o livro se mostrou uma verdadeira obra-prima, abordando não só a sexualidade e suas vertentes, como também alguns fatos históricos mundiais.

Calíope Stephanides foi criado como a menina Callie durante a sua infância, mas, ao completar seus catorze anos, decidiu se tornar o jovem Cal. Vivendo em Berlim - cidade que foi palco de vários conflitos durante décadas - ele revela sua trajetória e sua batalha interna para aceitar o próprio corpo e suas limitações.

Ao contar sua história, Cal nos revela os pormenores da trajetória de seus antepassados, nos mostrando como fatos do passado contribuíram para tudo aquilo que ele vivencia no presente. Durante o seu relato, ele nos fala sobre a invasão turca à Grécia, da fuga dos seus avós para Detroit, bem como sobre a expansão da Ford Motors e acontecimentos como a Lei Seca e a Depressão de 1929. A família Stephanides viveu em meio a esse panorama histórico e devido a laços consanguíneos, acabou semeando uma mutação genética por entre suas gerações.

Middlesex é uma obra tocante, bem escrita e, acima de tudo, original. Eugenides nos mostra uma sensibilidade surpreendente ao tecer sua trama, composta por uma densidade incrível e audaciosa. O enredo é atual, intenso e possui uma beleza peculiar, nos mostrando toda a ambiguidade que há por detrás do ser humano, bem como a diferença entre gêneros e até mesmo o incesto. Narrado em primeira pessoa por Cal, de uma forma objetiva e até mesmo palpável, o livro se mostrou uma obra memorável e impactante.

"Sou a oração subordinada de uma longa sentença que começa há muito tempo, em outra língua, e vocês precisarão lê-la desde o início para chegar ao fim, que é quando entro na história".

Cal não foi diagnosticado como hermafrodita quando nasceu. Isto porque o médico da família, já muito idoso, não se atentou como deveria ao sexo do bebê. Quando chega na puberdade, os seios de Callie não se desenvolvem e a sua menstruação não acontece, como seria normal para as meninas de sua idade. E, de certa forma, ela não consegue se sentir atraída pelos garotos, principalmente quando passa pela sua primeira experiência sexual. Durante um acidente, é constatada a ambiguidade de seu sexo. Seus pais querem uma doce e delicada menina, mas Cal resolve seguir seus instintos masculinos, pois é onde julga estar sua verdadeira identidade. Tal escolha acaba provocando uma certa ruptura familiar, fazendo com que o jovem siga para Berlim e busque sua independência, de maneiras nada fáceis.

"Emoções, pela minha experiência, não cabem numa única palavra. Não acredito em 'tristeza', 'alegria' ou 'remorso'. Talvez a maior prova de que a língua é patriarcal seja o fato de que simplifica abusivamente os sentimentos. Gostaria de ter à minha disposição palavras-comboio, tipo as do alemão, para emoções complicadas e híbridas, como, digamos, 'a felicidade que vem com a tragédia'. Ou: 'a decepção de ir para a cama com uma fantasia'. Gostaria de mostrar a ligação que há entre 'as emanações da mortalidade trazidas pelo envelhecimento de familiares' e 'o ódio a espelhos que começa na meia-idade'. Gostaria de ter uma palavra para 'a tristeza inspirada por restaurantes à beira da falência', assim como para 'a empolgação de entrar num quarto com frigobar'. Nunca achei as palavras certas para descrever minha vida, e agora, quando começo a contar minha própria história, preciso delas mais do que nunca."

A trajetória dos antepassados de Cal é a válvula propulsora do enredo. Através de suas jornadas, descobertas e escolhas é que a trama é tecida. Seus pais eram primos que se apaixonaram e tiveram dois filhos, mas, antes deles, uma outra história de amor se mostrou ainda mais arrebatadora e polêmica, vivida pela sua avó, Desdêmona, uma das personagens mais intrigantes do livro.

Em síntese, Middlesex é um livro original, polêmico e atual, com uma história que, à primeira vista, parece tratar-se de um drama mas que acaba se mostrando um romance denso, levemente irônico e com uma conotação um tanto quanto poética. A narrativa de Eugenides foi construída com maestria e precisão, detalhes estes que salientam porque o autor é conhecido como um dos maiores símbolos cult da literatura. A capa sintetiza bem a essência do enredo, tendo como ilustração a estátua de Afrodite e a diagramação está ótima, com fonte em bom tamanho e revisão de qualidade. Recomendo ☺

site: http://www.newsnessa.com/2015/07/resenha-middlesex-jeffrey-eugenides.html
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Leandro Matos 02/06/2015

Middlesex – Ex Ovo Omnia
Como alguns devem saber, todo ser humano, independentemente do sexo de nascimento possui algumas características andróginas, pelo menos é assim do ponto de vista embrionário. Até a nona semana de gestação, o feto não possui um sexo definido. Nesse estágio, ficamos aguardando a liberação do hormônio que determinará nosso sexo (como gênero). Definido o sexo, nossos órgãos genitais são espelhos (côncavos e convexos) do sexo oposto. Depois disso é só recordar das aulas de biologia do ensino fundamental. Lembram? XX = nasce uma menina; XY= nasce um menino…

Até aí nada de novo.

Ocorre que se a dosagem desse hormônio não estiver calibrada, poderão ocorrer alguns “percalços”, que acabam por fim, desviando um pouco o curso dessa harmoniosa e complexa cadeia da origem da vida.

Agora imagina só a história de uma pessoa que “nasceu” duas vezes!? Nos anos 60, como uma menina e 14 anos depois, como um menino!? Essa é premissa inicial do fenomenal romance “Middlesex”, reeditado recentemente pela Companhia das Letras.

Logo após o destacado sucesso de “As Virgens Suicidas”, seu romance de estreia, Jeffrey Eugenides, se recolheu para a construção do viria a ser pelo menos para mim, o seu maior e melhor livro. O autor de ascendência grega e irlandesa tomou posse não só de aspectos biográficos e de familiares para encorpar o enredo do título. Durante essa reclusão, o autor ainda se mantinha ativo publicando algumas crônicas e contos em revistas dos EUA, mas foram necessários nove anos para construir e entregar a saga de Calíope Stephanides, uma garota (vou inicialmente tratá-la assim) de origem grega, que nos brinda com uma narração rica, plural e absurdamente envolvente sobre toda a sua vida e seus “nascimentos”. Indo desde a origem de tudo, quando seus avós em pleno deleite convenientemente carnal comentem incesto, até a jornada do gene remissivo que atravessa três gerações para por fim, escolher o quinto cromossomo de Callie, para transformar não só sua portadora, mas praticamente todos que lhe cercam.

Livros que seguem pelo estilo narrativo em primeira pessoa são mais atraentes e de fácil apreciação, mas daí cabe ao escritor ter habilidade e sutileza para incorporar veracidade ao relato e ao personagem. Afinal, temos a sensação que o narrador está nos contando diretamente àquela história. E é justamente aí, que Eugenides se sobressai, nos apresentando em mais de 500 páginas uma prosa elegante, intimista e muitas vezes poética sobre a tragicômica saga da família Stephanides, deixando o romance com o quê imediato de clássico.

Tudo isso claro, entrelaçado com fatos históricos, sociais e culturais de quase um século de história contemporânea. A invasão Turca, a ascensão de Detroit, os conflitos raciais dos anos 40, a formação da cultura americana em contraponto a perspectiva grega, tudo isso só enaltece o romance com propriedade e dinamismo.

Toda a transmutação de Calíope em Cal nos é apresentada paulatinamente. Para que não fique banal ou gratuito, Eugenides lapida todas as nuances da narrativa com um fluxo entre passado e presente tirando todo e qualquer vestígio de algo caricato. Longe de ser redundante, o título detalha os mais simples e importantes acontecimentos na vida de Cal de forma prazerosa, desde suas aventuras e amizades na terna infância às típicas descobertas da adolescência. E é nessa transformação que está a excelência do romance, pois apesar do invólucro externo feminino, sua personalidade sempre denota algo de viril, suas primeiras experiências sexuais e todo o seu questionamento pela opção sexual investida denotam claramente isso.

Quando adulto já se faz homem e trabalha na embaixada dos EUA em Berlim, mas ainda assim é um ser fragmentado pela dualidade dos gêneros. Sua profissão lhe resguarda a segurança da despedida, pois a cada temporada, ele sabe que estará em outra localidade e toda e qualquer relação afetiva formada, logo se desfaz.

"Todos somos feitos de muitas partes, de outras metades. Não apenas eu."

Segundo o mito, Hermafrodito era filho de uma relação extraconjugal entre Hermes e Afrodite. Logo após o seu nascimento, Afrodite o entregou as ninfas do monte Ida. Durante a adolescência, Hermafrodito deixa o monte e segue andando a ermo pelos campos e encontra um lago límpido que o fascina. Acontece que o lago estava sob proteção de Salmácia, uma náiade que vivia ociosa e só se dava ao trabalho de exaltar a si mesma.

Quando a ninfa o viu, ficou extasiada com tamanha beleza e o cercou de todo jeito. Como ele não conhecia a lascívia e a insistência desses seres ele a rejeitou.

Então, passado um tempo e acreditando estar sozinho, Hermafrodito resolveu banhar-se no lago, porém quando Salmácia o viu nu, não resistiu à tentação e foi voluptuosa ao encontro do deus, que tentava a todo custo desvencilha-se dela. Em meio a esse jogo, a ninfa já enlaçada em Hermafrodito clamou aos deuses para nunca separá-los. E assim foi feito. Os dois seres se fundiram, se tornando nem homem nem mulher, mais os dois em um só. Que não tem um sexo, mas todos.

Cal é intersexual. Ou seja, no caso é biologicamente um homem, mas criado como uma mulher. Uma pseudo-hermafrodita. A origem para o livro veio da leitura das memórias de Herculine Barbin, uma hermafrodita francesa que teve sua vida contada por ninguém menos que Michel Foucault. Callie/Cal possui uma anomalia, uma “transmissão autossômica de características recessivas“, uma mutação genética 5-alfa-redutase que é esmiuçada de forma clara e até didática, que nada perde para livros de cunho científico. Todos os aspectos inerentes ao duo Callie/Cal estão presentes no livro desde o fisiológico ao social. Nada passou despercebido. Mais um ponto para o Eugenides.

Esse fascínio e oposição entre os gêneros já remetem e inspiram nas mais diversas formas. Em 2007, chegava a poucas salas de cinemas o filme brasileiro XXY, nos anos 70, David Bowie era Ziggy Stardust e bem antes disso, Tirésias passara sete anos transformado em mulher ao matar uma cobra fêmea durante uma cópula. Associações a parte, Homero no início do seu poema épico a Odisseia, pede inspiração as Musas, Eugenides segue o rito e homenageia Calíope como sua musa. Afinal, ela era a mais velha e mais sábia das nove e à ela é atribuída o dom da poesia épica, da ciência e da eloquência. Coincidência?

Não há sobreposição entre masculino e feminino na linguagem de Middlesex, o que há de fato é uma inteligente e bem construída oposição entre vozes. Assim como O Pintassilgo, Middlesex também foi agraciado com um Pulitzer, não que qualquer premiação seja um atestado de excelência, mas estes títulos são exemplos de uma narrativa intrincada, original e única na literatura.

Um enredo magistral que transita entre inúmeros sinônimos e antônimos. Arrojado e delicado, engraçado e comovente. Uma narrativa sofisticada que exemplifica aquela proposta mais simples que todo livro tem: contar uma história.

"É assim que as pessoas vivem… – à base de histórias. Qual é a primeira coisa que uma criança diz quando aprende a falar? “Me conta uma história.” É assim que compreendemos quem somos, de onde viemos. Histórias são tudo."
edu basílio 02/06/2015minha estante
parabéns por esta bela, precisa e sóbria resenha, leandro. minha vontade de ler esse livro, que já existia, só cresceu! :-)


Douglas P Da Silva 09/06/2015minha estante
Bela resenha!!Quero muito ler esse livro.




Mari 19/04/2015

Se o ano terminasse amanhã...
Middlesex, de Jeffrey Eugenides, seria o melhor livro do ano. Muitos diriam: mas é apenas Janeiro. Well, indeed. Porém, algo me diz que este livro ficará na minha lista de melhores até o fim do ano. Em uma das minhas ressacas literárias – a qual eu mergulho após ler um livro estupidamente bom – estou tentando lendo vários livros, tudo para me desapegar de Middlesex. Digo isto apenas para vocês terem uma ideia do poder narrativo de Jeffrey.
E olha que este livro teve uma história complicada comigo, antes mesmo de eu tê-lo lido. Aqui, na minha humilde Porto Alegre, parece que todos os Middlesex estão esgotados. Por fim, achei um exemplar na livraria Cultura: com capa rudemente amassada e num precinho antipático.
Comprei o livro, movida pela minha crescente curiosidade referente ao trabalho de Jeffrey: Middlesex figurou em várias listas de melhores do ano, por leitores que respeito e admiro. Engoli o ressentimento pela linda capa amassada e o li. Foram dias mal dormidos, madrugadas em que utilizei uma lanterna para poder ler cada linha, com fome de literatura. Fome que, digo honestamente, poucos livros me despertam. Aqueles que leem tanto como eu sabem que livros estupendos surgem aqui ou ali, quando uma rotina corrida e a vontade de ler tudo também trazem algumas decepções e livros amenos.
A história de Cal Stephanides, o hermafrodita, veio como um tsunami: arrastou-me para dentro do submundo da literatura, quando a rotina da vida real é apenas uma luz que atrapalha o fluxo. Este é o segundo livro de Jeffrey. O primeiro, As Virgens Suicidas, entrou para a minha lista de querências. (Muitos aludem ao livro como o melhor de Eugenides, apesar de eu achar difícil algo do tamanho de Middlesex). Para aqueles que não leram o livro, só digo que:
“Nasci duas vezes: primeiro como uma bebezinha, em janeiro de 1960, num dia notável pela ausência de poluição no ar de Detroit; e de novo como um menino adolescente, numa sala de emergências nas proximidades de Petoskey, Michigan, em agosto de 1974.”
Além da poesia, da musicalidade, da forma, da estrutura, da beleza, temos o cerne da ficção: a incitação do escritor, a venda de uma ideia. Este começo, copiado a cima, é puramente a arte milenar do autor que enfeitiça. E feitiço é a palavra para descrever a construção do narrador Cal, homem de seus quarenta anos, que resolve contar a sua vida como o resultado de um gene recessivo 5-alfa-redutase. Um hermafrodito, fruto de uma história de incesto e exílio, de guerras e depressões. Sim, Middesex é um épico moderno, a saga de uma família grega.
O livro abre com o capítulo “A Colher de Prata”, no qual a yia yia Desdêmona usa uma colher para adivinhar o sexo do próximo bebê de Tessie – mãe de Cal. Usando da mitologia de suas terras montanhosas, Desdêmona continua presa às suas origens gregas. Porém, a ciência fala mais alto: Milton e Tessie sabem que esperam uma menina. A colher de Desdêmona, por outro lado, diz o contrário. O cerne de Cal, Calíope, ou de toda a família Stephanides está no embate do passado (e as consequências de um crime), na Esmirna invadida pelos turcos e o exílio forçado de Desdêmona e Esquerdinha (avô de Cal) para a terra do futuro, a América.
Comentei sobre Middlesex ser um épico. No começo do livro, quando o narrador apresenta a si e sua família – sua vida atual em Berlim e a sua própria concepção - ele diz ao leitor que precisa retornar ao antes, à origem do personagem principal: o gene recessivo 5-alfa-redutase. Como um filme, ele rebobina a história para narrar a convivência de Desdêmona, pacata grega que cultiva bichos de seda, e Esquerdinha, apaixonado pela irmã. Sozinhos, com a morte dos pais e a guerra brutal, eles precisam ir ao encontro dos familiares em Detroit.
Não vou falar mais, acho que já mencionei o necessário. Jeffrey faz uma saga americana, com suas quedas e levantares. Enquanto a história se foca na complicada adaptação de Desdêmona, de longe a personagem mais interessante do livro (e olha a competição!), temos um livro irretocável. Acompanhamos a cultura grega e seus mitos, a culpa do relacionamento incestuoso com o irmão, o nascimento de seus dois filhos (e o medo de que nasçam monstros) e sua perturbada velhice. Quando Eugenides narra, finalmente, a adolescência de Calíope e suas descobertas amorosas e sexuais, têm-se uma pequena queda.
Deixe-me explicar melhor. Comparado com o começo e seus personagens marcantes, Middlesex peca por, no final, ficar apenas em Cal, deixando os interessantes membros familiares (um pouco) de lado. Porém, vemos que isto não é um equívoco, pois o narrador é o mais importante, sua história move o resto. Sendo um período solitário e narcisista, a adolescência de Calíope é sobre ela: as suas dúvidas e descobertas. A partir daí, não se tem muito espaço para o desenvolvimento do resto da família Stephanides. É compreensível a escolha de Jeffrey, mas que prejudica a perfeição do começo e metade da obra.
Depois de quase seiscentas páginas, com o ápice no começo e um belo fim justo, Middlesex é ótimo. Mais que ótimo, é uma leitura prazerosa. Sendo um pouquinho maldosa, o “épico” 1Q84, de Murakami, não faz fumaça perto do épico (aí sim, sem aspas) de Eugenides.
Middlesex não se trata apenas de uma mera saga familiar e a descoberta do hermafroditismo. Eugenides faz poesia da história de milhares exilados que tiveram que labutar na Detroit poluída e capitalista, que lutaram para a sobrevivência de sua cultura nativa. É, no crescimento de Calíope na América dos anos setenta, a imagem da pequenez da própria tentativa de narração. As histórias familiares são únicas, mas com laços invisíveis que as unem... E quando Middlesex termina, sentimos um aperto: infelizmente, tudo o que é bom tem de acabar.
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Estevão 16/03/2015

Middlesex
Desde o momento em que nascera, Calliope Stephanides é criada como uma menina pelos pais, embora na adolescência perceba que há diferenças significativas entre ela e as demais colegas. Tais diferenças se resumem basicamente em uma problemática: Calliope é, na realidade, intersexual, ou melhor, biologicamente um homem criado socialmente como uma mulher. A história por si mesma já desperta uma curiosidade dos leitores, que, têm de se esforçar bastante para não abandonar o livro nas primeiras cem páginas. Isto porque, apesar do narrador-personagem deixar sua condição bem clara logo no início do texto, o autor remonta as peças da família de Calliope para poder explicar como ocorreu a mutação genética que levou a personagem a tornar-se um hermafrodita. Para tanto, o autor nos leva a uma pequena vila da Grécia, no início do século XX, para contar a história dos avós de Calliope. O problema é a característica prolixa dessa primeira parte, que, ao meu ver, poderia ser resumida em algumas poucas páginas.

Passado esse primeiro momento, o autor continua a saga histórica da família Stephanides, narrando a seguir como ocorreu a relação amorosa entre os pais de Calliope. Menor do que a anterior, esta parte é sucedida pelo nascimento, enfim, de Calliope e os primeiros anos da sua infância e adolescência. Aqui o leitor é recompensado pela espera ao ponto de partida da história. Eugenides mostra novamente o motivo pelo qual eu me apaixonei pela sua escrita em "As virgens Suicidas". Poucos escritores homens conseguem detalhar e descrever tão bem o universo feminino na adolescência com a destreza e a delicadeza com que Eugenides conduz a história. Se antes o leitor sente-se fatigado com uma história que parecia não chegar a lugar algum, lá pela metade do livro ele é brindado, enfim, com a descrição do mundo particular da protagonista.

A minha grande decepção com a obra (da qual eu esperava bastante) está relacionada a passagem da troca de gênero feita pela personagem, de Calliope para Cal. Se no início o autor demora mais de longas duzentas páginas para narrar a história da família Stephanides, a passagem em que Calliope decide tornar-se Cal não leva mais de trinta páginas. Como se mudar de sexo fosse como ir ao supermercado e voltar. Claro que há nesse entremeio peripécias responsáveis por atribuir à obra a carga dramática que ela necessita. Mas, ainda assim, não é o suficiente para que a história torne-se verossimilhante, da forma como, até esse momento, ela vinha sendo conduzida. É como se o autor, na parte crucial do texto, tivesse "apertado o passo" para terminar o livro.

Apesar da linguagem por vezes didática, não se pode negar o trabalho que o autor teve para poder mesclar assuntos tão diferentes num mesmo livro. Ao longo das mais de quinhentas páginas, Eugenides escreve sobre a Grécia Antiga, a invasão Turca, a história de Detroit, os aspectos característicos da mutação genética 5-alfa-redutase e muito acerca da cultura grega e americana. Isto tudo passando de uma página para outra, de um parágrafo a outro, sem que o leitor se perca em toda essa miscelânia de assuntos. Ponto para o autor, que, nessa profusão de ideias, conseguiu urdi-las de forma segura e natural.

Um livro bom, mas que me decepcionou ao final. Uma pena, pois a história é magnífica.
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Ingrit 23/01/2015

O livro conta a história de Cal, um homem hermafrodita, que foi criado como menina e só descobriu sua "condição" aos 14 anos.
A narrativa começa com a vida de seus avós, na Grécia, a vida deles lá, os motivos que os levaram a imigrar para os EUA e também a provável causa da mutação genética que o fez nascer hermafrodita.
A escrita do Eugenides é maravilhosa! Nunca tinha lido nada dele e amei! Ela é de uma suavidade, finesse incrível! Engraçada, comovente, mas sem ser apelativa. Pretendo ler outras obras do autor. Super recomendo!
Erika 25/01/2015minha estante
Eu também gostei do autor e da obra...




Ariel 20/01/2015

"Middlesex" é um livro extraordinário, que deveria ser leitura obrigatória, não só pela história linda, mas também porque ele deixa para trás uma lição sensacional: quem somos por fora não quer dizer nada.

É um livro muito inteligente, bonito, nada clichê e que deixa com uma ressaca literária das grandes, recomendo.
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Gláucia 14/01/2015

Middlesex - Jeffrey Eugenides
O romance é narrado por Calliope Stephanides, jovem pseudo-hermafrodita por uma doença genética rara caracterizada por deficiência da 5-alfa-redutase. Sua anomalia não foi detectada ao nascimento o que o levou a ser criado como menina. Aos 14 anos seu problema é diagnosticado e a partir daí terá que se confrontar com sua ambiguidade genital e tentar descobrir sua verdadeira identidade de gênero.
Gostei de ver um tema tão inusitado ser abordado na literatura, o autor tem uma narrativa bem humorada que em nenhum momento tende para o dramalhão apesar dos assuntos abordados. O livro é muito rico por oferecer ao leitor o panorama de uma comunidade grega acossada por conflitos com os turcos, fuga para o país da liberdade e a adaptação aos diferentes costumes, relações familiares, conflitos raciais nos EUA, um pouquinho de política estadunidense, guerra do Vietnan, sexualidade. Meu problema com a leitura foi o fato do excesso de detalhes tendo como foco os avós de Callie/Call, sua história propriamente dita pareceu ficar em segundo plano e demorou a acontecer. Isso fez com que lá pela página 350 já tinha ficado um pouco enfastiada com a leitura. Mas gostei da forma como o autor soube narrar uma história tão dramática com um senso de humor bem sutil e inteligente.
Marcia Cogitare 15/01/2015minha estante
Concordamos com o tom do livro, apesar que gera uma dúvida no leitor sobre o que se trata de fato o livro, porque o lugar onde eles moram se chama Middlesex , uma dualidade


Erika 25/01/2015minha estante
Disseste verdades em tua resenha. Gostei!


Henrique_ 15/03/2018minha estante
Tive a mesma impressão, Gláucia.




alineaimee 25/04/2014

Middlesex é o primeiro livro de Jeffrey Eugenides que leio. Faço essa afirmação porque já pretendo ler As virgens suicidas, romance de estreia que projetou o escritor americano, nascido em Detroit. Middlesex me foi presenteado pela querida Denise, e eu nada sabia sobre ele. Tinha uma memória vaga de tê-lo visto numa foto de um dos meus blogs de look favorito, o Flashes os Style. Nada mais além disso.

O livro acabou entrando na minha longa lista de pendências literárias, até que notei seu nomezinho na lista de leitura da Rory Gilmore. Pensei: “Por que não? Eis uma chance de atualizar essa lista”. E retirei o calhamaço de 567 páginas do vago limbo onde ele me esperava.

Middlesex tem um enredo um tanto bizarro. Toda vez que eu falava dele com amigos, as pessoas faziam careta e diziam algo como “HEIN???”. O romance narra a história de Calliope Stephanides, um menino hermafrodita criado como menina até os quatorze anos. Até então, tudo bem. Enredo intrigante, não? Acontece que estamos diante de um romance de formação, onde Cal (o nome que Calliope adotou após assumir sua condição masculina) narrará com riqueza de detalhes sua história, remontando aos avós gregos que viviam na aldeia de Bitínia, na província turca de Esmirna. Não se preocupem com spoilers, pois essa é uma informação dada logo de cara no início do romance.

Por que, então, o enredo é bizarro? Porque Cal irá fazer um verdadeiro panorama em torno das condições que o geraram: fará relatos históricos sobre a Guerra Greco-Turca, sobre o Grande incêndio de Esmirna, sobre a Guerra do Vietnã, a lei seca, o sonho americano e a segregação racial; falará sobre as relações endogâmicas na história de sua família; fará descrições científicas a respeito da deficiência de 5-alfa-redutase que determina a sua condição; tecerá inúmeros paralelos entre a sua história e a mitologia grega; refletirá sobre as identidades de gênero. É um romance rico, sem sombra de dúvida, mas um romance incômodo, perturbador.

Em primeiro lugar, Middlesex é narrado em primeira pessoa por um narrador onisciente. Cal nos apresenta os fatos como se fosse dotado de consciência eterna, conhecendo dados muito anteriores ao seu nascimento. É difícil não lembrar da sabedoria acumulada pelos andróginos Tirésias e Orlando.

O recurso mais perturbador, no entanto, é o tom zombeteiro e bem humorado que permeia a obra, mesmo nos momentos mais desoladores. Não há transição de registros. O narrador vai apresentar assassinatos, perdas e violências sexuais com a mesma leveza com que narra uma ida ao cabelereiro. O leitor não é preparado para esses momentos. Simplesmente toma uma voadora na cara quando menos espera. Minha primeira reação foi repulsa. Eu não queria uma solenidade melodramática, mas esperava ao menos uma imparcialidade cuidadosamente introduzida. É incômodo deparar-se com uma ação desumana quando poucos minutos atrás estávamos envoltos numa atmosfera de humor ou de lirismo. Comecei a achar o estilo narrativo de Eugenides esquizofrênico até que me dei conta de que essa era uma maneira interessante de simular o desconforto do protagonista. Fruto de uma educação pudica, Calliope não compreendia com clareza as transformações que a puberdade lhe trazia, o que culminaria numa reação de revolta e ruptura definidoras. Terá sido uma escolha consciente do autor?

"As moças estão trabalhando, rindo; às cinco da madrugada já estão doidonas demais para se importar com as coxas em carne viva e os resíduos masculinos que nenhuma quantidade de perfume consegue disfarçar. Não é fácil se lavar na rua, e as partes íntimas das moças já ostentam um cheiro de queijo francês bem mole e maduro... Elas também pouco se importam com os bebês que largaram em casa, nenéns de seis meses deitados em berços de segunda-mão, gripados, chupando as chupetas e respirando com dificuldade... e pouco se importam com o gosto de sêmen que trazem na boca junto com o hortelã do chiclete. A maioria delas não tem mais que dezoito anos; e aquele meio-fio na rua Doze é, na verdade, o seu primeiro local de trabalho, o máximo que o país tem a oferecer como de vocação. Para onde elas vão depois? Pouco se importam com isso também, a não ser uma ou duas, que sonham virar carteadoras em Atlantic City ou abrir um salão de beleza..." (p.259)

Compreendido e superado esse curioso recurso narrativo, devo reconhecer que Eugenides escreve com elegância e fluidez e, principalmente, sabe como construir bons personagens. Há muita sensibilidade na descrição das pessoas e dos lugares: o misticismo da avó Desdêmona, com seus bichos-da-seda, suas promessas, superstições e previsões quanto ao sexo dos bebês; a energia e o charme do avô Lefty; a transformação do pai, Milton, do enamorado clarinetista ao empresário mal-humorado e sovina, mas também sonhador; a precocidade e a sensualidade natural de “Objeto Obscuro”, primeiro amor de Cal...

"Embora Lefty jamais tenha me dito uma palavra, eu adorava meu papou chapliniano. Sua mudez me parecia um ato de refinamento, combinando com as roupas elegantes, os sapatos com palas de tecido e o cabelo reluzente. Mas Lefty não era nem um pouco emproado, e sim brincalhão, até cômico. Quando me levava para passear de carro, frequentemente fingia adormecer ao volante. O carro se desgovernava e se aproximava do meio-fio. Eu ria, gritava, puxava o cabelo e dava pontapés no ar. No último segundo, Lefty acordava de supetão, agarrava o volante e evitava o desastre." (p.284)

Os personagens que rodeiam Cal são de uma riqueza que nos afeiçoamos com facilidade. Torci, vibrei e sofri de verdade com cada um deles. O curioso é que, apesar da riqueza de detalhes, sensações e personalidades, Cal/Calliope é o personagem que menos toca. O narrador se empenha tanto na construção esmerada dos demais personagens que acaba oferecendo pouco de si. Temos algumas de suas reações, seus medos, contradições e angústia, mas senti falta de reflexões mais ensimesmadas, especialmente quando se trata de situação tão delicada quanto a intersexualidade. A história de Cal é determinada por acontecimentos históricos, sociais, biológicos, mas também por acasos. Ela, ao mesmo tempo, espelha a história mundial, que é comentada a todo instante. Na ambição de abarcar todas essas esferas, o autor acabou deixando pouco espaço para que Calliope/Cal se nos revelasse de modo mais aprofundado.

Outra questão interessantíssima que emerge da leitura é a da escrita feminina em oposição à masculina, que não é posta claramente pelo narrador, mas que nos leva a refletir se há de fato tal divergência linguística. Aqui, não darei o veredito. Deixarei o gostinho para quem se aventurar na leitura.

Dá para entender porque Middlesex ganhou o Pullitzer e o National Book Award. É um romance doce, engraçado, sério, comovente — complexo como a vida. É múltiplo e trata, de maneira envolvente e cativante, de questões polêmicas e caras à compreensão do humano.

"Desde a mais tenra idade percebiam o pouco valor que o mundo dava aos livros, e portanto não perdiam tempo com isso. Já eu insisto até hoje em acreditar que estas marcas negras em papel branco têm a maior importância, e que se eu continuar escrevendo talvez consiga capturar o arco-íris da consciência numa jarra. A única poupança que tenho é esta história, e ao contrário dos prudentes anglo-saxões brancos e protestantes, estou recorrendo ao meu capital e gastando tudo..." (p.323)


site: http://www.little-doll-house.com/2014/04/middlesex.html
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Paty 19/03/2014

Este é um livro que merece ser lido: seja pela forma como o narrador corta desinibidamente a linearidade do livro como se fosse o diretor de um filme, seja pelas cenas dolorosas que Jeffrey Eugenides nos apresenta.

Em tempo: as ações de todos no livro são sempre muito questionáveis, mas as justificativas para essas ações são sempre humanas demais. O leitor fica completamente impedido de julgar aqueles que está conhecendo.
DIRCE 19/03/2014minha estante
Concordo com você, Paty.
Qualquer tipo de julgamento se torna impensável.
Abraços.




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