Raquel 20/10/2012Um preconceito sem fim.... Odette de Barros Mott conta a história de Camila, uma adolescente filha de mãe negra e pai branco.
“E agora?” começa com Camila morando em uma vila paupérrima com seus pais e duas irmãs. A personagem sofre calada com sua situação: filha de mãe negra herdou do pai a cor branca cabelos lisos e olhos quase verdes. Suas irmãs mais velhas, uma negra e outra mulata, a chamam de descamada e estrelada, têm inveja da irmã branca.
A autora conta que quando crianças as três eram muito unidas, as mais velhas levavam Camila para todos os lugares, adoravam brincar com seu cabelo e a chamavam de bonequinha, porém, depois de passarem um ano fora trabalhando, as duas se afastaram da caçula e começaram a insulta-la com apelidos depreciativos contra sua cor. Nessa mesma época, em uma apresentação de escola, os colegas de classe da menina acharam estranha a mãe ser negra, caçoando dela. Só então Camila nota a diferença das cores, e percebendo o preconceito dos outros contra sua mãe e irmãs e a diferença de tratamento, sente vergonha delas. A partir desses fatos Camila começa a se afastar e se isolar da família. Ela não entende como o pai pode casar com uma negra tão feia.
A família se muda da Bahia para São Paulo em busca de condições melhores. Enquanto o pai trabalha em uma fábrica e as irmãs em casa de famílias, Camila e a mãe ficam responsáveis pelos cuidados de casa, localizada em uma vila sem energia elétrica, rede de esgoto, banheiro e água corrente. Os pais acham Camila muito magrinha e nova para trabalhar (ela tem treze anos.)
A mãe de Camila nota que a menina é muito quieta, tímida, quase não fala, se isola e se afasta, entretanto, atribuiu essas características a um “trabalho” de macumba. Ao longo da história fica evidente que os pais notam a forma ofensiva e ríspida com que as irmãs mais velhas tratam a caçula e o motivo desse tratamento, mas não fazem nada para que isso mude, evitam as brigas amenizando a situação, mas não vão mais fundo no assunto.
Ao contrário de suas irmãs, Camila não expõe seu descontentamento com sua origem. Ela tem vergonha da mãe e das irmãs, acha que são feias e tem medo de ficar como elas, olhando-se constantemente para verificar se não escureceu.
A sorte bate a porta de Camila quando uma visinha lhe oferece a possibilidade de trabalhar com uma senhora muito boa, que esta procurando uma acompanhante para sua vida solitária. As irmãs ficam extremamente enciumadas com a sorte da menina que é “contratada”, que não precisara realmente trabalhar como elas, terá seu próprio quarto, estudos, roupas novas e regalias que jamais terão.
Logo que Camila se muda para casa de Dona Marcela o pai recebe uma proposta de emprego melhor para ele e as filhas no interior. Os pais decidem que a menina terá uma oportunidade de vida melhor se continuar os estudos com o auxilio da professora e decidem deixa-la aos cuidados da generosa senhora.
Dona Marcela, muito gentil, cresceu como empregada em uma fazenda e depois cuidou dos filhos do patrão. Enquanto era babá estudava e assim, com muito esforço tornou-se professora. Ela não apresenta nenhum preconceito com a mãe e irmãs de Camila. E sempre ela que insiste que a menina visite os pais e a incentiva. Se dependesse de Camila ela não visitaria a família, pois sente vergonha e não gostaria que nenhum de seus novos amigos soubesse de sua origem. Para a menina é um alívio quando a professora se oferece como madrinha, pois assim, com a família longe e podendo chama-la de madrinha poderia levar seus amigos para SUA casa sem que ninguém perguntasse ou desconfiasse de nada.
Dois anos depois, já com quinze anos, começa a sua história de mentiras. Para os amigos ela diz que os pais e irmãs vivem em uma grande fazenda em Goiás, e que como sua madrinha se sentia muito sozinha ela decidiu lhe fazer companhia. É nessa época que conhece Léo (branco, primo da melhor amiga Lucia, ex-aluno de sua madrinha, estudante do primeiro ano de medicina e trabalhador), por quem se apaixona e vive um romance por vários anos.
Por conta de suas mentiras ela tem muito medo que da reação de Léo caso o mesmo descubra sua origem negra e que possivelmente seus filhos sejam mulatos. É D. Marcela quem da o primeiro passo ao perguntar a Camila se Léo conhece toda a história, a menina conta sobre as mentiras e a madrinha a incentiva a pesquisar sobre os negros no Brasil, a origem e as dificuldades. Mesmo mais esclarecida ela não conta para Léo a verdade.
Ao longo da história D.Marcela fica doente, ela é cardíaca e por conta disso se aposenta e muda-se com Camila para Santos em busca de repouso. Todavia ela morre quanto Camila esta com 21 anos e prestes a se formar como professora. Desolada Camila não sabe o que fazer sem sua amada madrinha e afundada em mentiras decide voltar para junto dos seus, pois sente saudades, “acha” que gosta deles e quer conhecer o sobrinho. Mas, agindo covardemente, abre mão de Léo com medo da reação do rapaz após todos esses anos de mentira, deixando-lhe apenas uma carta explicando tudo.
Odette nos deixa com um sentimento de indignação e nos leva a refletir sobre como o preconceito surge, é criado. Camila nasceu em uma família negra, teoricamente deveria ser totalmente adversa ao preconceito , mas vendo como a mãe e irmãs são tratadas cria o preconceito dento dela mesma (com ajuda das próprias irmãs), tem medo de ser tratada da mesma forma e tenta fugir de todos os jeitos desse tratamento. As irmãs demonstrando inveja deixam claro que também não estão contentes com sua cor. Porém, é Camila quem consegue um emprego melhor, uma oportunidade de vida melhor, estudo e uma vida de regalias...Porquê? Mesmo voltando pra casa fica claro que ela não superou esse preconceito, ela “acha” que gosta da mãe que sempre a tratou com carinho, não enfrenta Léo e não conta a verdade aos seus amigos.
O livro termina com Léo desnorteado, magoado e perguntando-se “E agora?”. Ficamos sem saber qual o final da história, nos resta apenas imaginar: Será que Léo realmente é racista e jamais se casaria com Camila diante da possibilidade de filhos mulatos? Ele nem ligaria para isso? Estava mais magoado com a mentira do que com a origem? Resta-nos apenas imaginar!