Marcone989 21/10/2022
Discos e uma pitadinha de conforto.
A garota imperfeita é um livro daqueles que dá gosto de ler, não é uma obra prima literária, mas nem é esse o objeto de atenção aqui. a forma como a narrativa é contada me surpreendeu, me senti próximo da narradora, eu busquei pela sua amizade durante o livro todo, e por fim me realizei com seu desfecho. Mas vamos nos aprofundar mais um pouco, a autora tem um dom particular em nos apresentar conceitos e definir particularidades muito rapidamente, descrever personagens é um fator chave para a relação que nós temos entre eles e na relação deles entre si. Vamos lá Sky é a figura típica da adolescente em descoberta do seu âmago, sua "Tribo" como a Mãe ausente questiona em certo ponto. Mas de maneira alguma isso soa piegas, pois Sky tem personalidade, ela tem profundidade, a tridimensionalidade criada através de suas referencias tanto musicais, como cinematográficas, televisivas, criam uma vida pregressa de momentos que nós não vimos acontecer, mas que estão marcados nela. Nancy é o oposto em personalidade de Sky, mas não menos interessante, rir e imaginar as situações criadas por ela para intimidar, alegrar, surpreender, chocar a amiga e aqueles ao seu redor é tão intrigante. E seus momentos de dor quando chegam tem um peso de passado que por mais que seja fragmentado para o leitor cria uma compaixão, não entendemos Nancy, mas quem disse que Nancy precisa ou quer ser entendida ? Ela é a Punk Fodona, que não da a mínima para o que os outros pensam dela. e se ela tiver que sujar as mãos para que seus sonhos sejam atingidos dane-se, o que muitas vezes pode e acaba gerando conflitos. Gully é o meu favorito no Livro inteiro, suas particularidades geram situações inusitadamente engraçadas, seus relatórios importantíssimos nos levam um pouco para dentro de sua mente, ele é imprudente e como caçula é mimado, o que da a ele a oportunidade explorar seu mundo e fazer dos que o acompanham atores de sua mente flutuante. Mas além disso ele é crível, e seu laço com a irmã é um ponto chave se não o coração de todo o livro. Bill não tem o tempo de escrita dos outros 3, mas mesmo assim é nos permitido explorar seus remorsos e dores, uma frase, um gesto já bastam. Lucky já é mais complicado, talvez o personagem que mais sofra pelo desinteresse em explorar suas dores, e principalmente no desinteresse em desenvolver esse romance, minha impressão é a de que a autora na verdade estava preparada para criar um romance entre Sky e Nancy, porém por alguma razão foi obrigada a mudar no meio do caminho. Lucky não sai do ponto A ao B, ele permanece ali mais como uma peça para mover a trama. Não sei se garotas realmente agem dessa maneira, pois Lucky não tem realmente nada de instigante ou atrativo além de sua aparencia, ele nem ao menos tem uma relação com música. Seu trauma é o que centra sua narrativa, porém não consegui me conectar com ele de maneira alguma. Bem, o amor é algo misterioso, quando você vê já está apaixonado, porém para que isso aconteça bem em uma narrativa o personagem central de fixação do ou da apaixonada, precisa no mínimo parecer interessante de se descobrir e Lucky com toda certeza não é o caso, no fim Sky e Nancy são a relação primal aqui e a que realmente importa Agora explorando o universo, é o primeiro livro que leio se não me engano que se passa na Austrália, e consegui através de Sky visualizar a loja de seu pai, sentir o cheiro dos discos, ouvir os clientes bochinchando, sendo grosseiros, sendo estranhos, sendo misteriosos. A brisa da costa está presente, e esse espírito familiar de proximidade também, as coisas são táteis e não óbvias demais, a decadência de uma cidade turística em renovação, os diálogos crus e quase instantâneos. Falando mais da trama eu honestamente estava esperando um desfecho um pouco mais denso, porém o que foi entregue é também coerente com esse micro período da adolescência. A autora cria uma pulga atrás da nossa orelha mas ao fechar o ciclo ela nos coloca novamente na posição de tranquilidade. Sobre as músicas que rolam durante a trama, é apaixonante e de um bom gosto tremendo ( a autora trabalhou em uma loja de discos então é mais do que justo que seja assim mesmo). Me lembrei muito do jogo Life is Strange, porém lá a trama segue essa pegada mais densa pois o mistério revelado é mais obscuro de certa forma. Os antagonistas são adornos, talvez merecessem mais atenção também, mas creio que isso ajudou na criação da pulga atras da orelha. Acho que a personagem da Mãe também merecia mais espaço, é visto muito pouco do seu ponto de vista, porém isso deixa essa distancia e ausência mais realista ( ou seja sua ausência no livro consolida sua figura ausente). Esse livro com toda certeza daria um ótimo filme de conforto, aqueles que a gente assisti a tarde para relaxar. Entrou na minha lista de livros confortáveis, e por mais que o romance desejado seja um, o real romance está lá. Sky ama Nancy desde as primeiras páginas, e ama sua família e acho que entra como um dos romances dos quais consegui me identificar de fato. Por mais paupérrimo que a relação dela com Lucky tenha sido desenvolvida, a parte que Sky divaga sobre essa relação é bem interessante e identificável, o medo de dizer o que sente, é sempre assim, o medo de ser rejeitado ou de simplesmente causar desconforto eterno em uma amizade estabelecida. Eu amei o livro.