jiangslore 27/04/2024
[4,5/5]
Fredrik Backman é um ótimo autor. Eu já pensei isso quando li "Gente Ansiosa" (que se tornou um dos meus livros favoritos da vida inteira), mas, depois de "Um Homem Chamado Ove" tive a confirmação necessária. E algo que observei é que Backman é um escritor que parece entender muito bem seus pontos fortes e como colocá-los em uma história. Eu diria que os principais entre esses pontos fortes, que estão muito presentes em "Um Homem Chamado Ove", são a caracterização e desenvolvimento dos personagens, a habilidade de conectar narrativas diferentes, e o equilíbrio entre sensibilidade e realismo que permeia o enredo.
Em "Um Homem Chamado Ove", todos os personagens mais relevantes são amáveis e interessantes, mas é claro que Ove é o mais interessante de todos eles. Isso não só é esperado como também é ótimo, porque, se Ove não fosse tão incrível de acompanhar, o livro não seria tão bom quanto é. E o que faz Ove ser incrível é o fato de que ele se parece tanto com uma pessoa real; ele é cheio de características que, se não fossem bem desenvolvidas, pareceriam contradições, mas, como são bem desenvolvidas, demonstram a complexidade e profundidade do personagem. Um dos maiores exemplos disso é a forma como a relação dele com o que é justo e com a Justiça é retratada durante a obra.
Além disso, como mencionado, os outros personagens também possuem desenvolvimentos interessantes. Inicialmente, o leitor se depara com Ove em um momento especialmente isolado de sua vida, de modo que nenhum personagem é desenvolvido rapidamente. Grande parte deles surge encaixando-se em "arquétipos" que o próprio Ove acredita e, a medida que ele se aproxima deles, outros aspectos vão se revelando. E ao mesmo tempo em que isso ocorre, o leitor vai aprendendo mais sobre Ove.
"Um Homem Chamado Ove" é, ainda, uma obra na qual é possível enxergar a conexão entre várias histórias diferentes em dois aspectos. O primeiro é com a correlação entre histórias da vida de Ove com circunstâncias atuais dele ou de outros personagens. O segundo é o uso de uma narrativa que não segue uma ordem cronológica, mas, sim, de correlação temática. Há vários momentos no livro em que parece que o autor está divagando e, até certo ponto, ele está. Mas todas essas divagações possuem um propósito e uma posição no grande conjunto que o livro é. Isso é algo que fica evidente, principalmente, no final do enredo, mas dá para perceber (embora em menor escala) em diversos momentos da história.
Acredito que é bem clichê dizer isso, mas acho que tem muito amor em "Um Homem Chamado Ove". A história é contada com sensibilidade, e considero que isso é fundamental; pois a sua premissa é tentar entender um ser humano que, à primeira vista, não parece ser muito agradável. Essa sensibilidade também está relacionada com o realismo da obra, que surge tanto no modo como os personagens se comportam quanto na presença de eventos "históricos" ou "sociais" afetando a vida deles. Há diversos assuntos importantes que aparecem no livro - gentrificação, aposentadoria, depressão, problemas de assistência social... Embora seja evidente que a finalidade do livro não é discutir esses assuntos e encontrar respostas para as várias questões que eles trazem, "Um Homem Chamado Ove" mostra lindamente como tais temas fazem parte da vida de pessoas reais (e como é importante não esquecer que elas fazem parte da vida de pessoas reais).
A única coisa que considerei negativa durante a minha leitura foi o fato de que um conflito relevante para o enredo foi resolvido de um modo conveniente demais. A solução dada até que fez sentido e ajudou a "amarrar" tudo ao final da história, mas não achei que ela correspondeu à complexidade do problema apresentado - tanto pelo lado do "realismo" quanto pelo lado do desenvolvimento do Ove com relação ao conflito. Com relação ao realismo, penso que a solução foi um pouco mirabolante e provavelmente traria alguma consequência, apesar disso não ter sido mostrado. Pelo lado do desenvolvimento do Ove, é importante mencionar que o conflito envolvia uma questão que era muito relevante na vida dele e que não era bem resolvida, e, apesar da resolução apresentada ter representado um "triunfo", eu não tive a sensação real de "vitória" porque não pareceu tão complexa quanto deveria ser.
Como mencionei inicialmente, o que faz Fredrik Backman ser um bom autor é o fato de que ele parece entender bem quais são seus pontos fortes e como aplicá-los em uma história. O resultado disso são livros com estilo próprio, mas que contam histórias que retratam pessoas mais do que personagens, e falam sobre temas que são capazes de atingir muitos leitores. E, claro, "Um Homem Chamado Ove" é um desses livros: um livro que emociona muito porque conta uma história muito especial. E o que faz essa história ser especial é o fato de que ela é sobre um homem comum, com qualidades e defeitos, que passou por alegrias e dificuldades na vida; e que, sim, se tornou o que o mundo fez dele, mas que nunca deixou de ser uma boa pessoa por causa disso.