Maria Ferreira / @impressoesdemaria 10/09/2017Ditadura Militar como contexto históricoVirgílio, advogado e político advindo de uma família burguesa, descendentes dos Barões do Café, os Sá Vasconcelos, apaixonou-se por Cândida, uma jovem que não fazia parte da mesma classe social que ele, mesmo assim, isso não impediu que os dois se casassem. O sentimento que sentiam um pelo outro era recíproco, mas com o tempo, Cândida foi percebendo indícios da possessão de Virgílio, naquela altura, ainda confundidos com amor. O casamento desandou quando ela ficou grávida e ele já não era mais o mesmo, não perdia uma oportunidade de humilhá-la, fazê-la sentir-se mal com o próprio corpo. Quando a criança nasceu, Virgílio, num ataque de ciúmes, achando que a esposa daria mais atenção à filha do que a ele, sugeriu não a criar. Cândida então resolveu sair de casa com a criança, o que teria dado certo não fosse Virgílio ter chegado momentos antes e a impedido, mas de uma forma ou de outra, Virgílio só deixou que a esposa o abandonasse, fez questão de ficar com a filha, Eulália.
O que se sabe é que Eulália cresceu sem mãe, aparentemente abandonada quando ainda era um bebê. Tendo o pai como única referência de família e os empregados da casa como únicos amigos, Cesária, a cozinheira, e seu Raimundo, o jardineiro, responsável pelos rosas da casa. Só tem permissão para sair de casa para ir à faculdade e ainda assim, é levada e trazida pelo motorista da família. Por vontade do pai, cursa Direito na USP, por sua vontade, cursaria Letras. É na faculdade, num dia muito chuvoso, que conhece e se apaixona por quem ela chama de Juan García Madero, um poeta. Eulália, ainda que de modo inconsciente, sabe que o pai é controlador e ciumento, não ousaria deixar que ele soubesse sobre seu amor por outro homem.
No dia de seu aniversário de 18 anos, ganha do pai um presente incomum e tem uma surpresa totalmente inesperada, que transforma sua vida de um modo inimaginável, a levando a fugir de casa.
O livro todo se passa no contexto histórico do fim da Ditadura Militar, no ano de 1984, quando se tem uma pressão pelas Diretas Já, objetivando eleições diretas para eleger um presidente da República, uma vez que desde o golpe militar em 1964, não se tinha um representante político democraticamente eleito. Desse modo, o leitor percebe que o livro todo trata da busca pela liberdade, tanto da sociedade, numa busca em âmbito nacional, dado o cenário político de Ditadura Militar e busca da personagem Eulália, em âmbito pessoal, que quer se ver livre do pai e encontrar a mãe. Portanto, pode-se dizer que há uma busca por duas liberdades, uma externa e outra interna.
Mesmo com todos os elementos do mundo real presentes na história, como o próprio contexto histórico, a Casa das Rosas, que fica localizada na Avenida Paulista, em São Paulo e atualmente é conhecida como Espaço Haroldo de Campos, lugar dedicado à Poesia e Literatura, o livro tem toques do gênero fantástico, tanto por um macaco que fala, um sagui que é o companheiro na fuga de Eulália, que ela o considera como um amigo, quanto pelos mortos terem voz, apesar disso, não é um livro de terror, é um romance de suspense muito bem construído, com uma linguagem fluída, que mescla o português de Portugal com o português brasileiro, mas de uma forma tão natural que quase não se percebe conscientemente e não atrapalha em nada o entendimento do texto, principalmente porque o mesmo é composto por frases curtas e diretas, numa narrativa enigmática, que desde o começo prende o leitor e vai aos poucos dando pistas da verdade.
A narrativa é feita de dois modos: em primeira pessoa quando a voz narrativa é da mãe, Cândida, ou de Eulália, e em terceira pessoa quando os capítulos se referem ao pai, Virgílio, o que permite que o leitor tenha acesso aos pensamentos dele e possa conhecê-lo melhor. Saltos temporais são recorrentes, o que garante o dinamismo na leitura. Juntando os dois, vozes narrativas diversas e não-linearidade, tem-se um ambiente que lembra muito o de um sonho, ainda mais porque os diálogos não são graficamente marcados.
Gostei muito de realizar essa leitura, principalmente porque quando chegamos no final e entendemos tudo que aconteceu, percebemos que desde o início a narrativa dava pistas, mas ainda não se podia saber que eram pistas. É genial e é ótimo, percebemos que o livro foi composto de um modo que se pensou num todo, desde a capa, a folha de rosto e o modo como os capítulos são divididos em partes por folhas pretas, em que o título dá uma ideia do que será descoberto ali, sempre antecedido de uma epígrafe, também em uma página preta. Tudo faz mais sentido quando se chega no desfecho.
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