Ana Cristina 27/05/2016"A incrível história real de uma criança criada por macacos.""A Garota Sem Nome" é um relato pessoal que narra a infância e juventude de uma criança colombiana que é sequestrada aos quatro anos de idade e deixada numa floresta. É nesse ambiente hostil, porém, que a menina encontrará uma família carinhosa e irá adquirir as habilidades que a permitirão sobreviver ao futuro amargo que a aguarda.
*Se você deseja descobrir a história de vida de Marina por si mesmo sugiro que não prossiga a leitura deste texto.
A VIDA NA "SELVA"
Aquela que eu chamarei de Marina só obteve esse nome aos 14 anos de idade quando o escolheu para si. Antes disso, não tinha uma identidade própria nesse sentido, ou por ausência ou por ter sido submetida a imposições sociais. Como ocorre com todos nós, Marina foi submetida a diversas situações que não foram de sua escolha, porém no caso dessa história de vida específica ocorre uma junção de vivências extraordinárias (não no bom sentido, infelizmente) que mantém o leitor muito interessado em desvendar os meandros do desenvolvimento humano quando exposto a tais situações.
A menina, cuja o nome original é desconhecido, foi sequestrada de sua casa em algum lugar ao norte da América do Sul (Venezuela ou Colômbia). Seus sequestradores a deixam numa floresta onde inicia-se o período mais interessante, diverso e marcante dessa jornada. A garota irá sobreviver na selva por aproximadamente 6 anos graças, principalmente, a um bando de macacos que a acolhe e permite que viva com eles como parte da família. Assim, ela irá aprender técnicas que a permitirão sobreviver e viver nesse ambiente hostil, que será futuramente lembrado com carinho e até saudade.
Seu retorno para a civilização será impulsionado pela descoberta de uma vilarejo indígena que instigará a menina a se aproximar do ser humano e, principalmente, incitará uma busca pela figura materna que se estenderá ao longo de toda sua jornada. Como resultado, acaba sendo capturada por caçadores que a deixam com Ana-Karmen, dona de um bordel na cidade de Cúcuta, Colômbia. Ali ela passará uma adolescência muito complicada, primeiro pela adaptação ao mundo humano que lhe é totalmente estranho; o domínio dos costumes e da linguagem será dificultoso e seu desconhecimento será motivo de grande sofrimento nos primeiros momentos de seu retorno.
Sua vida em Cúcuta será marcada por sofrimentos físicos e emocionais, o arrependimento de ter deixado a selva e a saudade de sua família peluda. No bordel de Ana-Karmen, de quem recebe o nome de Glória, é tratada como escrava da casa, tendo um tratamento agressivo e que certamente marcou essa passagem muito negativamente. É quando percebe que seu destino pode se igualar ao das garotas que trabalham na casa e já entende o que isso significa que Glória passará por outra transição de realidade, não mais agradável. Ela se tornará Pony Malta, o nome de uma bebida, e é agora uma menina de rua, gamina na gíria local. Nessa época, sua vida se resume a compreender a sobrevivência na selva de pedra da cidade e descobre que muitas das habilidades adquiridas na floresta lhe servirão aqui.
Nota-se que Marina sempre manteve um constante desejo de pertencer a sociedade humana e ser uma boa pessoa, apesar das experiências que passou e de atos que cometeu, seu desejo é ser, afinal, um "ser humano bom e civilizado". A partir desse desejo ela se dará oportunidades, porém, por esse mesmo desejo, irá perdê-las, o que nem sempre significa algo ruim e provavelmente foi crucial na construção da vida que tem atualmente. Primeiramente, enquanto menina de rua, consegue emprego num restaurante fazendo a limpeza em troca de comida. Infelizmente ou não, com o tempo ela começa a perceber desvantagens nesse acordo: porque trabalhar para conseguir comida se o roubo é tão mais fácil? Ela deixa o restaurante de lado e volta a vida típica de uma moradora de rua, mas novamente a necessidade de evolução irá lhe impelir a buscar uma vida melhor. Agora, ela irá para a casa dos Santos, uma família que aceita recebe-la como empregada e não a tratará melhor que Ana-Karmen com o adicional de serem mafiosos. Do mesmo modo, essa vida não lhe agrada. Com ajuda de uma vizinha ela escapa da casa e é levada a um convento, lar de muitas outras crianças órfãs e moradoras da rua. Pela primeira vez, Rosalba (nome que recebe dos Santos) terá uma cama. É nesse momento de sua história que percebe-se a dificuldade dela seguir padrões, a menina não aceita regras, não faz aquilo que pra ela não tem sentido. Uma característica herdada de seu tempo na selva, um aspecto de sua própria personalidade ou, provavelmente, uma junção dos dois fatores. Questionando constantemente o estilo de vida religioso e seus rituais, ela novamente tentará escapar do que acredita ser apenas outro tipo de prisão. A jornada de Marina, nome que escolhe para si mesma aos 14 anos, termina com sua fuga do convento e irá morar em outra cidade com a filha da vizinha que a mandou para lá em
O PROBLEMA DA ESCRITA
A perspectiva da história parte de uma Marina já adulta e de suas impressões atuais sobre os eventos passados, uma característica é aceitável à um livro que se propõe a ser justamente isso: um relato pessoal e informal das experiências vividas. Porém, é um grande incômodo para o leitor as consequências desse estilo de escrita, principalmente nos primeiros capítulos. Uma menina pequena vive um grande trauma, se vê numa situação que causaria pânico aos mais equilibrados e, ainda assim, a garotinha tem um pensamento lógico muito apurado. Simplesmente não casa com a situação e sua protagonista.
A grande falha dessa perspectiva na leitura é a dificuldade que o leitor possui em acompanhar o desenvolvimento da menina. Em diversos momentos tem-se a impressão de que ela está muito além do que demonstra posteriormente ou o inverso, por exemplo, do seu retorno à civilização humana é dificultoso ao leitor ter uma noção da compreensão de Marina da linguagem humana. Em certos momentos, acredita-se que ela tem uma compreensão plena ou pelo menos muito boa da linguagem e logo a narrativa demonstra que essa impressão é equivocada. Há, também, momentos em que duvida-se de sua capacidade, porém ela demonstra estar bem adaptada à comunicação.
Compreender o processo de desenvolvimento pelo qual Marina passou ao longo de sua história conturbada é, para esta futura psicóloga, o que mais chama atenção no livro e justamente esse aspecto é o mais prejudicado. Uma perda substancial das potencialidades que essa biografia poderia oferecer em termos de reflexão, discussão e compreensão da evolução individual frente à realidade vivenciada. Acredito que um autor mais experiente seria capaz de elaborar uma escrita ou método de exposição dos fatos mais aproveitável.
Em resumo: a vida de Marina é um jornada intensa e interessante, cuja análise poderia ser melhor aprofundada se escrita do livro fosse mais adequada.
Do Título: a reflexão acerca do título desse livro é muito interessante, pois remete a falta de identidade da garota ao longo de seus anos de sofrimento. Na selva, ela não demonstra sentir falta de um nome e será confrontada com a questão da identidade e pertencimento apenas quando se depara com humanos. Em sua vida na cidade, terá nomes que não definirão a verdadeira Marina, mas como imagem da submissão que sofre. É só quando se liberta, sente que finalmente tem controle de sua própria vida e pode construir seu "eu" genuíno que escolhe para si uma identidade com sentido.
=)