Emme, o Fernando 25/09/2017Não convence!!!
De todas as peças, essa é a que mais tenta agradar ao poder estabelecido. É a menos crítica ou pelo menos a crítica passa de maneira muito sútil, muito tangente.
Há um cuidado extremo em não "pintar" ninguém com cores muitos fortes, todos os personagens têm MUITAS qualidades, todos são no fundo muito bem intencionados. Até mesmo o Cardeal Wolsey, que utiliza o poder do rei para desviar uma fortuna em causa própria e arma mil artimanhas para afastar do poder os seus inimigos (ou simplesmente críticos), é elogiado como um homem de muitos méritos (ele fundou a Christchurch de Oxford e ajudou muita gente...) ....
A parte de Ana Bolena prescinde de comentários: em uma época absolutamente aristocrática em que era necessário pertencer a pelo menos três gerações de pessoas com títulos de nobreza para se ser realmente nobre (o próprio Shakespeare teve um título questionado se bem me lembro), Ana Bolena é imediatamente aceita como uma ótima pessoa, uma dama muito boa da qual viriam bons frutos (em uma fala dela, ela diz "não quero ser rainha", "isso não me interessa"....).... Sério !!!!
Essas loas constantes a todos os personagens (todos são no fundo muito bons, muito puros, muito cristãos) torna a peça quase surreal...
Definitivamente não convence!!!
A crítica suave que tangencia o texto é o que vale mais a pena: o modo absurdo como os julgamentos são conduzidos (não se julga de facto nada, o réu já está condenado antes mesmo de o julgamento começar).... o julgamento serve apenas para dar uma aparência de legitimidade à intriga que se arma (qualquer semelhança com o cenário político brasileiro é mera coincidência kkkkkk )....
Nesse último quesito, a passagem em que a rainha Catarina de Aragão questiona seu julgamento vale muito a pena....