Ana Aymoré 08/05/2019Quem é essa mulher?Maura Lopes Cançado nasceu em 1929, descendente de uma velha linhagem de ricos fazendeiros de Minas. Segundo relata em Hospício é Deus, aos cinco anos foi molestada sexualmente. Aos sete, começou a sofrer crises convulsivas, mesma época em que, traumatizada pela morte do padrinho, passou a ter violentos ataques de pânico. Aos doze sentiu-se atraída pelo ideário nazista. Aos catorze começou a ter aulas num aeroclube, tornando-se célebre na região como a menina que pilotava aviões - e conheceu Jair Praxedes, com quem teve um precoce e brevíssimo casamento, desfeito logo após o nascimento de seu único filho. Aos dezenove, partiu para a capital mineira para estudar mas, lançada numa rede cotidiana de frustrações e incomunicabilidades - daí em diante ela sempre irá dizer que sentia um "vidro espesso" a separá-la das outras pessoas - internou-se voluntariamente numa clínica para doentes mentais, onde foi diagnosticada com psicopatia e esquizofrenia. Durante os anos seguintes, tentou a vida no Rio, gastou toda sua herança, trabalhou com Reynaldo Jardim na redação do Jornal do Brasil, teve novos surtos e passou por vários períodos de internação em institutos psiquiátricos, de onde escreveu sua esparsa obra, o diário Hospício é Deus e os contos reunidos no volume O sofredor do ver. Aos quarenta e três anos, durante um surto psicótico enquanto estava interna na clínica Dr. Eiras, matou outra residente. Considerada criminalmente incapaz, passou oito anos em manicômios judiciários, até obter a liberdade vigiada. Morreu sem nunca mais ter escrito um livro.
.
A assombrosa biografia de Maura ombreia-se ao caráter de seu breve, mas intenso, legado escrito. Se em Hospício é Deus, somos apresentados às diversas facetas da personalidade complexa, que por vezes antecipam a espiral vertiginosa e trágica de sua vida, os contos d'O sofredor do ver nos revelam a necessidade de se resgatar sua obra ficcional: sua escrita única, da qual dificilmente saímos ilesos, cuja densidade se apresenta desde os títulos dos volumes e da maioria dos contos, a meu ver, magníficos.