Jander Gomez 21/11/2015
1° resenha do livro RE + começar por Kenny Teschiedel.
Foi com muita alegria que deparei-me com a obra de Jander Gomez, ?Re+começar?. Conheci o escritor de maneira bastante informal e, após algumas ideias trocadas, aguçou-me a curiosidade pelas páginas de seu romance.
A narrativa conta a história de Roger, um jovem homossexual, que se vê diante de um fato muito comovente: a perda de seu companheiro, Renan. Esse primeiro conflito, norteador de todo o livro, tocou-me de modo a inquietar-me. Afinal, a ?morte? como pano de fundo de uma história rende grandes questionamentos. Especialmente, há cenas e diálogos entre os protagonistas em que deixei meu coração suspenso, refletindo sobre o que fora discutido. Evitando dar spoiler, mas preciso sinalizar uma destas cenas. Renan e Roger estão deitados em um gramado, enquanto Renan propõe: ?Um dia isso tudo vai acabar, não é??. Possivelmente, essa tenha sido a primeira semente da inquietude plantada em mim.
Ao retornar para sua terra natal, Campo Grande/MS, Roger busca livrar-se do peso carregado pelo falecimento de Renan. Apesar disso, o amor sentido pelo jovem parece ocupar um espaço latente em sua vida. Sinceramente, chego a duvidar que, algum dia, conseguiria fazê-lo por completo: esquecer alguém tão especial como Renan. É nítida a prisão por esse sentimento, presente nas constantes lembranças do casal, narradas por Roger. A constatação mais evidente da presença de Renan em sua vida é a frase que o jovem lhe diz minutos antes de vir a óbito: ?Não me deixe amor?, a qual é citada diversas vezes. As lembranças do casal fazem brotar, em qualquer leitor sensível, um sorriso enternecido nos lábios. Fofura pura, com o perdão da rima. A cena do falecimento de Renan, apesar de esperada, foi surpresa. Tive o fôlego preso, balbuciei um soluço e... ?uh!?, Renan estava morto!
Ao longo da história, Roger acaba conhecendo outras pessoas, como Andrey. Roger permite se envolver, apesar de sentir-se culpado, como se traísse Renan. E, a partir disso, novos conflitos vão surgindo a medida que a história vai se estendendo.
Destaco, para além da narrativa, a construção que Jander faz de seu romance. Debate temas importantes como a homofobia (delicado e impactante, tocante e angustiante). Entretanto, com tamanha sutileza, Jander descreve a personagem principal livre de estereótipos ou caricata, um dos pontos positivos. Desta forma, credibiliza sua narrativa, defendendo a homossexualidade a partir de vários aspectos.
Primeiramente, tendo a figura central do livro um rapaz que desempenha trejeitos e funções tipicamente masculinas. A um leitor leigo, para não chamar de preconceituoso, permite duas interpretações: a incredulidade, ou seja, achar que seja impossível um homossexual se portar de tal forma; e surpresa, afinal a ignorância se dissipa quando entra em contato com o conhecimento. É estabelecido, portanto, um perfil pouco conhecido quando trata-se de homossexualidade, quebrando o tabu que atrela homossexualidade e feminilidade.
Além disso, o autor também faz menção a outros tipos de orientação sexual, os afeminados (que hoje questiona-se a terminologia por ?efeminados?, dado que o prefixo ?a? signifique ausência), drags, travestis e demais.
A abordagem do livro é dirigida com profundo conhecimento de causa, ao citar deputados, constituições, regimentos, entre outros. Entretanto, não se restringe a isso: mapeia o universo gay, ilustrado na amizade entre Roger e Carlos, caracterizando as personagens com vocabulários e expressões genuínos do meio. O leitor pode até se confundir com isso, mas perceberá a graça em torno desses diálogos. E isso é muito positivo! Acaba firmando a obra não como um mero romance, mas também um guia, um instrumento de discussão e fomento para ideias e soluções que envolvam a temática.
Uma personagem de bastante destaque é a mãe de Roger. Senti-me íntimo da senhora, de humor ácido, que recheou o livro com xingamentos e expressões muito engraçadas. Talvez, por afeiçoar-me tanto a ela, esperasse mais drama no diálogo em que Roger expõe sua orientação à ela.
O texto de Jander Gomez também é musicado. E a trilha sonora escolhida é um charme. Variando entre ritmos musicais e não se prendendo à popularidade do universo LGBT, o autor romanceia sua história com clássicos nacionais e internacionais. Destaco, porém, a canção que mais me tocou. Os versos de ?Contra o tempo?, na voz de Rita Ribeiro auxiliam a afirmar o tom do amor entre Roger e Renan, um amor forte e verdadeiro: ?Corro contra o tempo pra te ver, eu fico louco por querer você. Morro de saudade e a culpa é sua!?.
Posso estar equivocado, mas percebi que o autor arrastou-se no encerramento da história, despedindo-se dela, assim como Roger se despede de sua casa, precisando voltar. Eu, que também tenho outro lugar assim como Roger, e que escrevo assim como Jander, entendi. Roger se apegou a detalhes descritos com tanta delicadeza: ? No banheiro, aproveito para memorizar cada detalhe do meu banho. Cada espaço do banheiro. Cada centímetro entre os azulejos, o caminho que a água percorre até o ralo, a forma que a espuma toma enquanto cai da minha cabeça e se perde no chão?. Detalhes, mas enriquecidos de sentimentos que são compreensíveis a quem sobrevive a situações semelhantes. Jander, por sua vez, cumpre um ato de encerrar. Vê-se diante do fim e parece viver um novo luto ao desfazer-se de tais personagens. E o faz com tanta sensibilidade, com um texto a parte, depois do fim. Poético!
O fim da história talvez não seja surpreendente. Mas é apaixonante! Conta com elementos clássicos de romances, como a cerejinha no bolo advinda de uma carta enigmática ao longo do livro e revelada próximo ao fim.
A solução ao REcomeço, proposta do livro, é feita se observada com sutileza, não apenas por um único viés. Ele se dá através de um longo caminhar, desde a exposição da homossexualidade para a família, a aceitação dessa e incluindo até mesmo a orientação religiosa. Mas, sobretudo, é pelo amor que Roger dá a volta por cima. Eu, que escrevo sobre o amor, não pude deixar de reforçar meus votos nessa minha religião particular.
E, no fim, o REcomeço por completo. Durante a leitura, supus que o título poderia estar relacionado ao nome de Renan. Afinal, Roger consegue REcomeçar. Embora Renan nunca deixe de ter a importância por ter ocupado e escrito as páginas de um romance tão bonito.
Kenny Teschiedel
Psicólogo CRP 14/06372-7
Pós-Graduando em Psicanálise
Autor do livro ?Toda forma de Amor? e poeta que não aprendeu a amar.