Rafael 21/01/2022
Diário da necrópole
Ao primeiro contato com o título desse livro, inevitável se torna perguntar: Que é a "razão negra" que se pretende criticar? Não tarda Achille Mbembe a indicar que se trata de um termo ambíguo, que designa várias coisas ao mesmo tempo: um modelo de exploração ou um paradigma da sujeição e das modalidades de sua superação, por exemplo. Em todas, presente está a raça enquanto elemento central.
Como algo fungível e solúvel, mostra-nos o autor que a ideia de ?negro? é constantemente produzida, reconfigurada em diversos períodos históricos (?devir negro do mundo?), desde o da escravidão e tráfico atlântico, em que africanos eram transformados em homens-objeto e homens-moeda, até o início do século XXI, o da privatização do mundo sob orientação neoliberal e das tecnologias eletrônicas.
Em quaisquer das eras, sem qualquer fundamento natural que a justificasse, como uma ficção a raça atendeu aos interesses do sistema econômico vigente (p. 28).
A princípio, a invenção do negro veio como resposta à questão de saber como mobilizar uma grande quantidade de mão de obra para uma produção comercializada ao longo de enormes distâncias, nos idos de 1670 (p. 45).
Atualmente, o Estado securitário emprega processos de racialização para marcar grupos populacionais indesejáveis, excedentes ?sem qualquer utilidade para o funcionamento do capital? (p. 16), fontes de perigo, neutralizando-os de diferentes formas, com apoio tecnológico (p. 74).
Pelo emprego dos poderes de captura, influência e polarização, afirma Mbembe que "o capital não só nunca encerrou sua fase de acumulação primitiva, como sempre recorreu a subsídios raciais para executá-la" (p. 53) e que ?o capitalismo racial é o equivalente de uma vasta necrópole? (p. 240).
Porque reproduzida historicamente como dogma por muitos dispositivos, a raça, essa "fantasia do branco" cujos efeitos são sentidos em várias regiões do mundo, como horror para uns e marcadores públicos de privilégio para outros, necessário se faz falar em restituição e reparação. São condições para uma justiça universal (p. 314). Proclamando-se a diferença, uma consciência comum do mundo pode ser construída (p. 315), acredita o autor.