Paulo 26/04/2020
O Mundo de Yang é uma série de tirinhas criadas por Orlandeli que acaba nos apresentando um pouco de suas ideias e filosofias. Ao invés de serem histórias esparsas, as tirinhas de Yang possuem uma história longa e contínua apresentada ao longo de vários anos. Esse encadernado que eu tenho em mãos agrega um primeiro conjunto delas (continuada depois em O Mundo de Yang - Rumo ao Sul). Orlandeli nos apresenta aqui uma bela história que trabalha uma série de questões como aceitar nossos próprios medos, humildade e o conhecimento de nossos próprios limites.
O roteiro é acima da média. Muitos leitores conheceram o trabalho do Orlandeli através da HQ Chico Bento - Arvorada (que pertence à Graphic MSP), mas este é o meu primeiro contato com o autor. E eu adorei. Orlandeli consegue mesclar filosofia profunda com aventura e alguns pontos de bom humor. O leitor consegue se situar fácil ao lado do protagonista. Ou melhor, o leitor se perde junto de Yang e precisa se encontrar pouco a pouco para ir superando as adversidades. A gente possui um roteiro dividido em três atos onde no primeiro Yang chega a esse mundo, no segundo ele encontra dificuldades e no terceiro temos a superação das adversidades. Tudo bem direto.
"Nada é. Tudo está."
A arte do Orlandeli é bem singular. Ele usa traços exagerados e expressivos, onde o importante é entendermos os sentimentos do personagem. O mais legal é entender o quanto a expressividade se relaciona ao humor da narrativa. Yang é um personagem irônico e curioso. Assim como nós, o protagonista questiona tudo e todos ao seu redor. Tenta entender o mundo através de uma lupa simples, desconstruída pela voz e por Yoh, posteriormente. Os vilões são realmente assustadores como o Migou. Eu adorei como o autor conseguiu criar vilões terríveis e abstratos dentro do mundo de Yang ao mesmo tempo em que eles são tiradas engraçadas acerca de elementos do nosso cotidiano. Não se deixem enganar pela arte que ora é simples; há muito refinamento e o emprego da separação entre o preto e o branco está incutido na própria essência da narrativa que retira sua inspiração na cultura oriental.
A narrativa começa como está no quadro acima: com Yang simplesmente acordando em outro mundo sem entender como foi parar lá. Uma voz conta a ele um pouco sobre o que está por vir: este mundo mudou completamente e foi arrebatado pelas trevas. Cabe a Yang ajudar a trazer de volta a luz que existe nesse mundo. Teoricamente, o protagonista possui incríveis poderes, mas ele ainda não é capaz de usá-los. Ele vai precisar da ajuda de outros aliados para derrotar as terríveis criaturas que se espalharam por toda a parte. Para isso, a voz que o guia, recomendou-lhe seguir para o sul. Mas, neste primeiro volume vamos ver os primeiros momentos de Yang nesta nova realidade onde ele precisará aprender mais sobre si mesmo e superar os seus medos internos.
Yang é um personagem fascinante. Ao mesmo tempo em que ele funciona como o herói da história, ele possui muita individualidade. Não se deixa levar por tudo aquilo que é dito a ele. Essa posição de ceticismo é um pouco do que nós mesmos fazemos diante do desconhecido. O que a história tenta nos colocar é ter a capacidade de nos abrirmos a compreender aquilo que está além de nós. A voz que guia Yang serve como esse alguém que quebra as nossas chamadas "verdades universais". Por isso que a frase "Nada é, tudo está" é tão importante para a jornada do protagonista. O mundo nunca é estável, ele está sempre em um processo de mutação.
Yoh ainda é um enigma para mim até porque não houve tanto tempo assim de interação com Yang. Eu imaginei que ele fosse uma coisa, mas na verdade ele é outra completamente diferente. Gostei muito o quanto o traço do Orlandeli oferece personalidade aos personagens. Eles são únicos. Yoh vai servir como uma boa contraparte para Yang ao mesmo tempo em que vamos nos familiarizando com ele. Parece existir uma série de coisas não ditas sobre Yoh que possivelmente serão reveladas em Rumo ao Sul. O final com a luta de Yoh e Yang contra o Migou é muito legal. E mostra o quanto a narrativa ainda está em seus estágios iniciais, mas em rumo ascendente. As coisas vão se tornando bem complexas mais para o final.
O medo também é um tema trabalhado na HQ. É claro que diante de algo que não conseguimos vencer ou superar vamos sentir medo. A diferença é se vamos nos deixar abater por aquilo que nos dá medo ou e vamos aceitá-lo e tentar fazer algo a respeito. Todos nós somos limitados. Ninguém é capaz de vencer o universo. Os desafios são o que tornam a nossa vida mais movimentada. É nesse sentido que a voz e Yoh tentam aconselhar Yang. Ao ver a força monumental que é Migou, Yang se sente intimidado e se perde em si mesmo. Vai caber a ele buscar a força interior necessária para superar a simples presença de seu adversário.
O Mundo de Yang é uma HQ profunda, repleta de significados e divertida ao mesmo tempo. Orlandeli criou um elenco de personagens diferentes e com muitas camadas que não foram completamente reveladas aqui. Ainda existem muitos mistérios em torno da missão de Yang e até em como ele foi parar ali. E quem será a voz? Será que saberemos mais no segundo volume? Eu vou embarcar imediatamente rumo ao sul ao lado destes personagens. Convido vocês a me seguirem.
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