Fran 19/07/2021
Pela Noite Eterna é a continuação de Sob o Céu do Nunca, e o segundo volume que compõe a trilogia Never Sky. É um livro que segue um modelo parecido com o de seu antecessor, porém que também inova em vários sentidos. Graças a isso, herda alguns de seus pontos positivos, mas acaba criando uma boa quantidade de negativos.
O maior problema, e que fica claro logo de cara, é a mudança de foco. Enquanto antes a história seguia um rumo bem definido e mantinha o romance como um elemento secundário, a autora resolveu inverter as coisas nessa continuação, insistindo em manter o relacionamento de Ária e Perry em destaque e jogando todo o resto da trama para ser o plano de fundo dele, o que é um tanto inconcebível ao se levar em conta a gravidade da situação que eles precisam enfrentar.
Além do mais, enquanto esse relacionamento foi desenvolvido de forma agradável em Sob o Céu do Nunca, aqui ele acabou sendo muito mal retratado. A diferença entre Ária e Perry, uma das coisas que o tornava mais interessante, praticamente desapareceu com o rumo que o enredo tomou, e a necessidade que eles desenvolveram de precisar estar perto um do outro o tempo todo é um pouco absurda e até mesmo irritante com o modo como é sempre citada. De forma geral, perdeu quase completamente a naturalidade, e nada disso ajudou durante a persistente tentativa de girar tudo em torno dele.
A questão de como os Olfativos se rendem a outras pessoas, algo que era um tanto esquisito desde o começo, mas que foi pouco explorado no primeiro livro e que, ao que parecia, não teria grande importância, acaba se tornando um outro peso negativo. Perry estar agora rendido a Ária basicamente parecia significar que ele perdia a vontade própria quando a garota estava por perto e só existia para fazer o que fosse melhor para ela, não importando o quanto aquilo estava trazendo consequências horríveis para ele e seu povo. Não acrescentou em nada, só servindo para ser um detalhe ruim.
De modo oposto ao primeiro livro, aqui Ária e Perry acabam se separando logo nos primeiros capítulos, e passam a maior parte da história assim, vivenciando tramas com pouca ligação uma com a outra. É algo que gerou uma perspectiva bem diferente a respeito deles do que a que havia sido apresentada antes, e também foi muito necessário para a história conseguir seguir em frente.
Não seria errado afirmar que esse é um livro sobre o Perry, pois é nele em que grande parte da história se foca. Tendo se tornado o Soberano de Sangue dos Marés em circunstâncias pouco favoráveis, fica bem claro logo no início que ele não tem qualquer preparo para ser um líder, o que não é nada surpreendente, visto que ainda é muito jovem e tem uma natureza um tanto impulsiva. Perry vai percebendo a verdade do que é liderar e começa a se questionar quanto a muitos ideais que mantinha, a respeito dele e também de outras pessoas, inclusive sobre a grande vontade que nutria de estar nessa posição — o que ele tinha, afinal, era um enorme desejo de mudança, mas não do resto dos deveres que foi obrigado a assumir. É um momento de rever valores e aprender lições de formas difíceis, resultando em uma fase de grande importância e crescimento para ele. É inegável que, nesse sentido, ele evoluiu muito como personagem.
Ária ocupou uma posição um pouco estranha nesse ponto do enredo. Teve um bom momento no início, enfrentando os preconceitos dos Marés com o fato de ela ser uma Ocupante, e estava em uma fase extremamente corajosa e decidida, não hesitando em tomar decisões duras e aguentando as consequências delas. No entanto, chegamos ao fim do livro com a impressão de que ela mal participou dele, tendo passado uma boa parte da trama apenas dando um jeito de se envolver nos problemas de outras pessoas.
A escrita da autora é caracteristicamente bem simples e pouco descritiva, coisa que não tinha sido um problema anteriormente, mas que ficou muito destacada na narração da viagem que Ária fez. Era uma jornada que, como muitos personagens citaram, deveria ter sido complicada por um terreno muito difícil, além de todo o ponto principal de como foi um enorme sacrifício deixar Perry para trás em uma hora que ele precisava tanto de apoio. Sabemos que ela ficou cerca de um mês na estrada, porém, pelo modo que os capítulos dela são escritos, não parece ter se passado mais de uma semana, de tão simples que foi a viagem. Acabou perdendo toda a profundidade que deveria ter tido.
Os personagens secundários continuam em uma situação parecida, sendo a maioria deles bom ou muito bom, com uma ou outra exceção. No entanto, são introduzidos uma quantidade muito maior deles agora, graças ao núcleo de Perry, o que pode ser um pouco confuso no começo até se conseguir aprender quem é quem. Alguns dos novos personagens são uma surpresa, com pessoas muito diferentes do que imaginávamos ou que simplesmente era quase impossível visualizar voltando para a história do modo como aconteceu. O novo vilão parece ser muito interessante e possui grande potencial, ocupando essa posição muito melhor do que Hess fez, e é uma pena que não tenha sido mais explorado até então.
Além disso, é importante citar que muitas coisas importantes são finalmente explicadas — como o que aconteceu no passado para o planeta ficar no estado atual e um pouco mais sobre o que é o Azul Sereno —, apesar de nada com muitos detalhes, como já é característico de Never Sky.
Pela Noite Eterna segue, no geral, um ritmo lento se comparado ao seu antecessor, porém apresenta uma parte final agitada e com muitos acontecimentos surpreendentes. Cumpre o papel esperado como o volume do meio de uma trilogia: responde algumas perguntas, mantem outras e gera novas, cultivando o interesse para o desfecho no próximo livro. É uma continuação aceitável, mas que com certeza poderia ter trabalhado alguns pontos de modo muito melhor.
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