Coruja
02/02/2012Estava ansiosa por chegar nesse volume desde que li The Truth (que chegou primeiro aqui em casa e acabei lendo fora de ordem...). Afinal de contas, era nele que entrava Angua e onde a Guarda se transforma da instituição fracassada que é em Guardas! Guardas! para algo que inspira terror nos corações dos criminosos de Ankh-Morpork – incluindo aí os chefes de Guildas. No final das contas, acabei ganhando até mais do que barganhei e a essa altura não sou mais capaz de dizer qual o meu livro favorito da série.
Sempre gostei do Pratchett e praticamente do começo de minha relação com seus livros, eu o tive como um escritor absolutamente genial, que quase me matava de rir com suas histórias e as associações que podiam ser feitas a partir delas. Mas alguma coisa mudou de tom depois de ler Small Gods.
Além da cortina do humor fácil resultante do fato de Pratchett virar todo estereótipo de pernas para o ar, Small Gods, como Men at Arms e The Truth tratam de assuntos sérios, questionam dogmas e proporcionam paralelos ácidos a instituições como a Igreja, a Imprensa, política, preconceitos e escolhas.
Todos esses três livros me deixaram quase sem palavras e com uma forte impressão no espírito. Men at Arms, contudo, me enganou até quase a primeira metade do livro, quando entendi afinal que ele discutia, no meio de uma explosão de diversidade étnica – humanos, anões, trolls, lobisomens – a questão do preconceito e da inclusão social.
E você encontra ali de tudo – desde um poodle que busca a pureza genética dos lobos e deseja exterminar os humanos (e nem com bigodinho ele poderia ser mais parecido com o Führer) até o ódio absoluto entre trolls e anões que quase incendeia Ankh-Morpork (pelo que já li de outros livros mais para frente, como The Fifth Elephant, eu diria que ele remete ao conflito Israel- Palestina).
No meio disso tudo temos o Capitão Vimes, às vésperas de seu casamento com Lady Ramkin, tentando resolver uma série de mortes ligada a um artefato misterioso capaz de atirar projéteis de metal à distância, com grande precisão, usando um mecanismo acionado por pólvora – um engenho pensado pelo inventor Leonardo de Quirm, cujos desenhos foram roubados da Guilda dos Assassinos.
Agora jogue nesse caldeirão borbulhante uma vítima da comunidade dos anões, a prisão de um troll fundamentada unicamente no fato de que “onde há um crime, há um troll”; uma conspiração para assassinar chefes de Guilda e o Patrício, conduzindo ao poder o legítimo herdeiro do trono e você tem a receita para o desastre.
Men at Arms quase não te dá fôlego – você espera qual será a sua nova pista, qual será a próxima vítima... e ainda tem tempo de jogar como tempero um relacionamento entre um humano e uma lobisomem – aliás, fiquei surpresa em como o Pratchett conseguiu desenvolver isso, porque foi o primeiro romance que vi entre personagens (ainda que existam referências de outros casais em seus livros, como o próprio capitão Vimes), e ele fez isso muito bem, de forma sutil e ainda tocante. Confesso que toda vez que o Cenoura começava a fazer a corte, eu ficava com um sorriso bobo no rosto.
Aliás, Cenoura é um personagem central nesse volume. É interessante vê-lo pelos olhos de Angua, a forma como ela enxerga a inteligência, habilidade e carisma dele. E não estou falando de sua visão lupina. As atitudes que Cenoura toma ao longo da história falam por si do homem que ele é, da têmpera de que ele é feito; de sua capacidade de resistir ao poder e de seu amor pela cidade.
E é exatamente disso que você tem de ter medo... porque o vilão, ao ter você na mira, ficará se vangloriando de seus planos maléficos... ao passo que um homem bom...
Um homem bom pode te matar sem sequer abrir a boca.
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)