Cilene.Resende 14/02/2017
Ser ou não ser? Eis uma escolha
RESENHA: CRIADOR E CRIATURA ? LUIGI RICCIARDI. Editora Kazuá. 2015; 132 p.
SINOPSE: ?Bem-vindo ao deserto do real? é a frase pronunciada por Morpheus para recepcionar Neo no mundo ?real? no filme Matrix. Na célebre trilogia de ficção científica, as pessoas conectadas à Matrix jamais se perguntam se a realidade que as cerca é a vida real. Em um paralelo com o filme, uma das personagens do novo livro de Luigi Ricciardi se dá conta de que a vida que leva é bem real, mas que fora criada por um escritor. Em outro conto, um escritor recebe a incumbência de ser a própria morte. Mas na Literatura o escritor já não tinha esse poder/fado? É nesse tom que vem Criador e Criatura: desafiando os limites da ficção, abrindo um buraco em suas paredes para ver o que há além, onde o escritor brinca de ser Deus.
Só meu criador sabe o quanto é difícil escrever sobre obras assim! O intuito dessa resenha é apresentar pinceladas de alguns contos enquanto tento transmitir algumas sensações que tive ao lê-los. Já me desculpo se não curtirem o estilo ou não perceberem a intenção, aproveitando para me utilizar da última citação que antecede o índice desse livro, transcrevendo William P. Young: ?Se você odiar esta história, desculpe, ela não foi escrita para você.?
Não, não odiei a história, mas ela também não foi escrita para mim. Ela foi escrita para a alma dos que criam mundos e submundos, dos que são pintores de letras em telas de papel. Ao deleite do leitor, as histórias abrem suas portas para esse universo da Literatura, um universo metalinguístico, surpreendente, chocante, que o autor intrincou com várias técnicas, com destaque para a francesa Mise En Abyme, a narrativa do abismo, que te caleidoscopam infinitamente.
O livro é dividido em 17 contos, o primeiro deles, Criador e Criatura, que dá nome à obra, traz o rompimento da criatura com o criador, com uma espécie de ?ahá!? a personagem-criatura enfrenta o seu escritor-criador: ?Você me criou, mas sou e que vivo?, e sendo mulher, ?saiu rebolando e dizendo com as ancas que esse era o fim?.
O conto Eu, Literatura, envereda no modo literatura-marginal, num dos conflitos mais antitéticos da humanidade, na seara de vida e morte concluindo que ?O homem que escreve se vai, mas o que ele escreveu fica?. Escrever é deixar um legado, é se fazer eterno; vive-se mesmo após a morte em suas palavras publicadas, até porque ?no fundo, todos somos literatura, todos somo personagens inventados por nós mesmos?.
É bem comum o tema da morte entre os escritores. No entanto, como já disse Bukowski, o pior não é a morte, mas sim o tipo de vida que se leva antes dela. Vale reflexões, portanto, sobre o que estamos fazendo por aqui, Agora e Na Hora de Nossa Morte, sendo o criador Divino e Letal com suas criações, determinante de seus destinos, esse conto faz do Criador a própria Morte, embora não tão galante quanto o Brad Pitt ? que pena!
E nem adianta gritar A Plenos Pulmões, porque a morte, ela é implacável, e esse conto... leiam e depois me contem! Parece loucura, mas é só verborrágico, ainda que não possa negar a impressão de que o escritor definitivamente só poderia compor isso fumado, afinal ?desveredar estanquismos, despedaçar limbos e vomitar sempre aos domingos porque domingo é uma galinha com pescoço cortado? é para poucos!
Abrindo alas da insanidade para O Comedor de Barrigas, já alerto para as referências à Allan Poe e a Lovecraft. Estômago é necessário e cuide bem dele. Um conto de horror que soube inserir humor ao suspense, e ainda utilizou personagens e localidades reais da minha terra, como Alexandre Gaioto, o Jornal O Duque e a ?praça do Peladão?, tudo isso dentro de um clima macabro e doentio.
Mas vamos acelerando porque não vai dar pra ficar até às Três Da Manhã No Jardim dos Condenados, pois o tempo não para e nem descansa, ?o tempo vai passando esperando revolução. A pele se transformando, a pressão se acelerando e tudo pedindo produção, pois o mundo é para ontem.? E não vivemos sempre assim? Na prisão da rotina que te condena ao sistema de pressão social nascer, crescer, produzir, procriar e vamos logo que o próximo já vem vindo bem melhor que você?
Por isso nas Ficções Que (Provavelmente) Nunca Serão Escritas, Pois São Ruins, Ricciardi trata de se desmistificar, expondo uma coleção de ideias para outros contos e estórias das quais zomba e aproveita para zombar ainda de si mesmo. Mas de onde vem a genialidade senão da parcela de loucura do ser? E se Seminário de Ratos é um sucesso, porque não ?As Aranhas Não Respeitosamente Cultas??
E se for para traçarmos Paralelos, podemos rir ou gritar, podemos compreender ou tripudiar e, ainda solidarizar ou desdenhar. Mas vamos aplaudir tudo isso junto e repetidamente diferente. Que o digam Stephen Hawking, Scarlett Johanson, Elvis, Michael Jackson, Sérgio e Lorena; Michael Jordan, Marylin Monroe; Lula, Jack Marinos, Clarice Lispector, Dilma, Marcelo e Patrícia; Harry Potter, Gandalf, Capitu, Dan Brown e Taís; Seja grego, romano ou espartano, ou ainda de Marte, Vênus ou Saturno. Seja na Terra Média ou em Nárnia. Elvis não morreu. Aplausos!