Sem Maquiagem

Sem Maquiagem Ludmila Costhek Abilio




Resenhas - Sem Maquiagem


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Luiza 29/10/2020

O livro é resultado da tese de doutorado da autora, apresentada em 2012. No entanto, a relevância do seu assunto vem aumentando ainda mais recentemente, com movimentos de greve e passeatas de entregadores de aplicativo em 2020, nos quais os trabalhadores, embora informais, vêm exigindo proteções e direitos das empresas de tecnologia que se utilizam de seu trabalho. Dentro desse contexto em que a informalidade e precarização se agravam a cada ano, este livro foi muito bem-vindo para entender vários aspectos da dinâmica que busca desvalorizar o trabalho através da informalidade. Na minha opinião, o livro começa muito bem, com um capítulo focado exclusivamente nas entrevistas que a Autora fez com revendedoras da Natura, das mais diversas classes sociais, e na explicação de como se dá o trabalho delas junto à empresa. Gostei de ler também sobre sua visita à fábrica da marca na região amazônica. Achei muito pertinente a indicação clara da contradição que envolve a marca Natura, a qual se vende como empresa muito preocupada com responsabilidade social e ambiental, mas tem como fundador um dos homens mais ricos do mundo, é acusada de práticas de biopirataria, elegeu modelo de indústria dependente praticamente só de maquinaria e usa trabalho não remunerado das revendedoras. A partir do segundo capítulo em diante, principalmente o terceiro, a leitura começa a ficar muito mais difícil e acadêmica (é uma tese de doutorado, afinal...), abordando teorias e conceitos da área e utilizando muitos jargões acadêmicos, de modo que precisei insistir um pouco para conseguir entender tudo, ou o máximo possível, e continuar lendo. Mesmo com este crescimento de complexidade ao longo do livro, valeu a pena ter continuado a leitura para entender a tese da autora. A autora se insurge contra a chamada “teoria do imaterial”, ideia de que atualmente a geração do valor se dá cada vez mais a partir das inovações tecnológicas e investimentos na marca (capital imaterial) e cada vez menos pela produção (capital material). Para isso, ela faz uma análise do significado de informalidade ao longo do tempo, para mostrar que o que o trabalho formal vem cada vez mais se aproximando do que antes era considerado informal, pela crescente retirada de vínculos e direitos, bem como chama atenção para o fato do “não emprego” não significar que as pessoas não estão trabalhando, uma vez que os “bicos” ou “virações” sempre fizeram parte da vida das classes mais baixas. Ela recupera também a ideia de Francisco de Oliveira, que defende o “atraso do campo” e o crescimento da informalidade nas cidades como “parte do plano” do processo de acumulação, pois permitem o aumento da produtividade das indústrias que dispõe de um exército de reserva desempregada nas cidades, e não como resultado de “aparente caos urbano”. Nessa perspectiva, a autora trata a informalidade como ponto fulcral que permite o aumento da geração de valor (e consequente lucro às empresas) na relação capitalista do capital vs. trabalho. Essa informalidade que tira garantias ao trabalhador, no entanto, não estaria de fato tirando o controle das empresas (a autora cita o exemplo de empresas como a Nike, que não possui nenhuma fábrica de tênis, mas controla a produção de diversas fábricas terceirizadas na periferia do globo, inclusive no Brasil, assim como a da própria Natura, que controla o trabalho e vendas das revendedoras por diversas formas ainda que elas sejam consideradas autônomas). Ainda assim, o trabalho feito pelos “informais” é invisibilizado pela “teoria do imaterial”, que atribui a crescente valorização de empresas da tecnologia ou empresas “sem empregados” apenas aos avanços tecnológicos e científicos que melhoram o produto e ao desenvolvimento de uma marca agregadora de valor pela publicidade. A autora discorda dessa tese, pois defende que não é o dinheiro, a marca, ou o conhecimento científico que geram valor, mas sim a quantidade cada vez maior do trabalho não pago dos trabalhadores informais, destacando que até mesmo os cientistas vêm sofrendo precarização da sua classe com remunerações cada vez menores nos doutorados americanos. Ela desenvolve sua defesa em cima do conceito marxista de fetichismo da mercadoria, o qual, por sua vez, é uma crítica à ideia de uma mercadoria com valor intrínseco ao invés do seu valor provir da força de trabalho embutido nela. Na mesma linha, a autora nomeia a valorização dos conhecimentos tecnológicos em detrimento do trabalho real exercido pelos informais ou terceirizados, presente na “teoria do imaterial”, como “fetichismo do conhecimento” ou “fetichismo teórico”, afirmando também que tal pensamento culmina em uma banalização da exploração. Nesta parte, a autora chama atenção para o fato de que a noção da primazia do capital imaterial para a valorização tem relação com a ideia de nova forma de subordinação do trabalho, que requer a envolvimento subjetivo do trabalhador. Porém ela rebate que a subsunção espiritual do trabalhador é pressuposto da subsunção como tal, pois o apertador de parafuso na linha de produção taylorista não trabalha apenas com o corpo dominado enquanto o cérebro vagueia livre, e pensar o contrário é reduzir o trabalhador à condição de máquina e servir à precarização. Gostei da provocação sobre o trabalho ter saído do primeiro mundo (e ido principalmente para terceirizados do terceiro mundo) e, com isso, o trabalho de repente ter perdido sua centralidade no processo de acumulação do capital aos olhos dos acadêmicos. O livro também explica o advento do chamado “infoproletariado”, aquele do crescente setor de serviços, e, pela teoria marxista do valor, explica como até o trabalho no setor de serviços pode ser produtivo e, embora não gere valor ao produto, diminui a duração do ciclo do capital na sua esfera de circulação, fazendo com que a mercadoria seja vendida mais rápido e o capitalista possa injetar o dinheiro recebido na venda novamente na produção iniciando o ciclo de novo e, assim, conseguir maior lucro em menor período de tempo. Este é o papel que as revendedoras prestam no processo de acumulação da Natura, sem receber por isso. Outra concepção que perpassa o livro todo é a de consumo produtivo e “crowdsourcing”, na qual as empresas vêm cada vez mais repassando tarefas do seu ciclo produtivo aos próprios consumidores, com exemplos mais representativos sendo o programa Clickworkers da Nasa ou o site InnoCentive, mas também tem reflexos nas revendedoras Natura que alegam exercer a revenda para receber os descontos nos produtos, ou seja, trabalham para consumir. No fim, a autora ainda atenta para a possibilidade das revendedoras Natura estarem pagando para trabalhar, tendo em vista que o imposto pago pela Natura para ser uma empresa no Sistema de Vendas Diretas é calculado sobre o valor de custo dos produtos, enquanto a revendedora os compra pelo preço do catálogo, que pode ser muito superior ao valor de custo. Também gostei das pontuações que mostram como o trabalho informal carrega características historicamente ligadas ao trabalho feminino e doméstico, notadamente a falta de demarcação do tempo de trabalho e não-trabalho e falta de regulação, bem como o fato da informalidade sempre ter sido presente na vida de mulheres que, contratadas para trabalhos de baixa qualificação e remuneração no setor de serviços, sempre fizeram “virações” para complementar a renda. Por fim, a autora volta na teoria do Francisco de Oliveira para defender que a descartabilidade social e o desemprego (que estimulam a informalidade) se tornaram forças produtivas, vez que são elementos centrais para a maior produtividade do trabalho de quem tem medo de ser demitido. Pontua também que apesar da valorização financeira ser fictícia e buscar bases objetivas que não acompanham seu ritmo, não quer dizer que seu aumento signifique necessariamente a diminuição da valorização real, a com base na produção material. O livro acaba abordando vários outros aspectos importantes dessas questões do trabalho na atualidade, que tem direta ligação com as revendedoras Natura, mas coloquei aqui os que mais me chamaram atenção ou achei mais importante. Como ponto negativo, além da linguagem nem tão acessível nas partes das teorias de Marx que dificultam a leitura mais fluida, destaco a diagramação péssima do livro, com uma letra muito pequena que fez a leitura já desafiadora se tornar mais custosa ainda. [Livro lido entre setembro e outubro de 2020]
comentários(0)comente



1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR