z..... 10/04/2019
Tenho empolgação por estudos mitológicos, entendendo como ciência determinante de influências e desdobramentos diversos à história humana. A busca das origens, que podem remeter a conhecimentos surpreendentes e inusitados, está na minha motivação, no que esse livro correspondeu positivamente.
Foi publicado na terceira década do século passado por Affonso Taunay, um estudioso do tema (também ilustre "imortal" na ABL), dividindo-se em 8 partes.
Destas, a primeira é das mais interessantes, onde o autor remete aos estudos de Ferdinad Denis, um francês naturalista que viajou pelo interior do Brasil no século 19, resultando em rica coletânea de obras sobre o país.
As impressões são multifacetadas e vários autores são citados, começando por Aristóteles e Plínio na antiguidade clássica.
O que há de pioneiros neles, de acordo com os pareceres biográficos, foi a organização dos estudos biológicos, ainda que em conceitos hoje obsoletos, onde se privilegiava a observação para as conceituações, que eram mais intuitivas que racionais. Caso, por exemplo, da "teoria da geração espontânea" (abiogênese) defendida por Aristóteles. Refutável na atualidade, mas que perdurou por séculos e influenciou a história, com conceitos que também impactaram as navegações e descobertas na Idade Moderna, seja no pré ou pós expedições.
Observemos que as lendas e mitos na prática eram o conhecimento científico na visão de mundo, determinando desdobramentos ora curiosos, ora surpreendentes.
O autor relata a visão desafiadora para os exploradores diante do que era enunciado; fala de bestiários que se formaram nos idos medievais; de visão de cristianismo apocalíptico que era equivocadamente valorizada e imposta (muitas imprecisas) pelos que se diziam representantes de Deus na igreja; e do medo do desconhecido.
Enfim, a percepção e delineamento do capítulo é o entendimento dos mitos e lendas como fatores impactantes na história. Receita para compreensão da zoologia fantástica no Brasil. Num de novidades incríveis, onde o pensamento tinha a mesma interpretação dos mitos, haja fantasia...
Visão que é detalhada nos capítulos seguintes, onde o Novo mundo é recebido com expectativa de descobertas zoológicas fantasiosas (seres teratológicos), o que em termos se confirmou à luz científica em voga no contexto.
A terceira parte traz os primeiros relatos sobre a fauna americana; a quarta fala de mitos que se projetaram na "nova terra" (como o Eldorado); a quinta, sobre relatos pioneiros no Brasil; e as duas últimas detalham descobertas faunísticas que surpreendiam (como a boiúna, relatada em encontros pra lá de aventureiros, com dimensões titânicas, o que não duvido naquele ambiente de outrora), além de mitos dos povos indígenas (como boitatá e curupira).
Gostei, em especial, dos relatos sobre o Ipupiara, pois em meu entendimento, de certa maneira, vejo na linha mitológica em torno do boto (a lenda que mais gosto). Explico, e isso não está no livro.
O que há sobre o boto sedutor e "encantador" das caboclas é mito que se estabeleceu por influência da colonização e suas convenções sociais influencidoras. É coisa nascida do colonizador. Na época pré-Cabral não são mencionadas lendas do boto como conhecemos, o que existia no imaginário indígena sobre seres aquáticos humanizados (categoria onde o boto se enquadra) era de monstros que aterrorizavam, podendo levar os homens ao afogamento. Esses seres eram os ipuriaras. Observe a natureza desconhecida numa interpretação em que os índios concebiam um monstro fluvial diante do meio selvagem, ainda muito desconhecido e temido, concebido através do medo, da intuição..
Esse ser das águas depois foi configurado em sedutor pelos colonizadores, para justificar gravidez fora dos ditames das convenções sociais - onde o sedutor Uiara tornou-se mais conhecido que o monstro Ipupiara (como ainda é hoje assim).
Na atualidade o mito do boto tem se associado cada vez mais como protetor da natureza, com potencialidade de educador ambiental (a lenda encaixando-se na atual visão de valorização da natureza, segundo o pensamento que se estimula) - o terceiro momento da lenda do boto.
E no futuro, dentro de um quadro pessimista (tomara que assim não ocorra) a lenda poderá se condensar apenas no simples avistamento dele, em cenário que tem se levantado de extinção.
Rapaz, no que estava devaneando mesmo... Fui escrevendo, escrevendo e acho que me perdi... Ah, disserto sobre o pensamento do contexto de época e sua influência para os desdobramentos da história humana, outrora encabeçado pelas lendas em saberes pra lá de fantásticos....
E incorremos em erro parecido na atualidade, ao acreditar em tudo que nos ditam, principalmente pelas mídias em nossa sociedade...
Af, melhor colocar ponto final nessa resenha.... Definitivamente, estou pra lá de Bagdá nos devaneios que assomam no momento. As lendas são uma viagem...
Não poderia encerrar, porém, sem registrar o que não curti na obra. A leitura foi na edição de 1934 e seria melhor numa atualizada. Além do Português arcaico (um tanto cansativo), o livro tem citações em inglês, francês, espanhol e latim sem a consideração de notas de rodapé que traduzam. Além disso, a estética literária antiga é também cansativa, não privilegiando apresentação didaticamente mais atrativa. Isso é assim: tudo que há no capítulo é mencionado no subtítulo e o texto em seguida vem somando tudo sem tópicos ou pausas. Gosto do lance delineado em subtópicos...
Contudo, contudo, gostei, aprendi e me diverti com a leitura,.