Ingrid_mayara 02/10/2017
Minhas impressões de leitura
Desde a infância, eu sempre tive bastante facilidade para fazer amizade com os gays. Carinhosamente, alguns até já se referiram a mim como sua “fag hag” (abaixo eu explico o significado). Segredos compartilhados, ideias malucas, conforto para os melhores e piores momentos. Poucas são as pessoas que têm sensibilidade para ouvir atentamente quando o mundo parece desabar, e, por algo que na comunidade queer é chamado de “gaydar”, facilmente identificamos alguém com a orientação sexual fora dos padrões sociais. Após anos sendo a “fag hag” de meus amigos, descobri que a tradução seria “maria purpurina” e compreendi que as expressões e diversas outras manifestações culturais intrínsecas a cada tribo/grupo de pessoas são de fato enriquecedoras.
Tudo o que citei acima é para iniciar um assunto bastante peculiar de O Segredo de Brokeback Mountain: a linguagem que ouso intitular apenas como caipira, sem a diversidade de palavras próprias aos LGBTs dos tempos atuais. Por isso, se você tem vontade de ler esse livro, aconselho lê-lo em voz alta, pronunciando as palavras conforme seu conhecimento empírico sobre os costumes da área rural/interior. A leitura demora bem menos de duas horas.
Bem, esse é um livro de poucas páginas, e na verdade a sinopse já entrega boa parte do enredo, por isso escolhi escrever a partir da minha experiência de leitura. Dito isso, posso dar continuidade ao meu relato:
Diversas vezes entrei em desespero com meus amigos ao ouvi-los desabafar frases como: “o pessoal da igreja já tá me rejeitando”, “será que tem religião que me aceite?”, “e se minha mãe descobrir?”, “e se meu pai me bater?”, “e se eu for expulso de casa?”, “e se eu contar a verdade?”, “e se ele tiver vergonha de mim?” – são tantos “e se...” que dariam mais de uma página.
Os personagens Ennis e Jack são expostos no livro de uma maneira diferente da qual estou acostumada a ver na literatura. Eles não podem demonstrar sensibilidade porque são cowboys vivendo em plenos anos 60 numa região onde o machismo é reforçado a cada dia e, se hoje em dia há poucas pessoas de "mente aberta", imagine num contexto desses?! E eles apenas tinham contato com heterossexuais.
Há um diálogo em que Jack menciona a ideia de ambos morarem juntos tendo uma vida simples, e Ennis o interrompe dizendo: “Ei, ei, ei. Não vai ser assim (...). Não quero ser um desses caras que se vê por aí às vezes. Eu não quero morrer”. Em seguida ele conta que quando era criança, seu pai fez questão que ele visse a tragédia que aconteceu com um casal homossexual, e prossegue: “Dois caras vivendo juntos? Não. A gente pode no máximo se encontrar de vez em quando em algum lugar bem no fim do mundo”.
É triste saber que hoje em dia muitos relacionamentos ainda não dão certo por causa do medo que assola qualquer um que possui uma orientação sexual fora dos padrões. Mais triste ainda é saber que existem homens que reproduzem o machismo em suas casas e fazem o que os dois fizeram com suas esposas (quase não há profundidade da relação conjugal dentro da narrativa, mas subentendem-se muitas coisas). Lendo o conto você descobrirá um pouco da vida da personagem Alma, por exemplo.
Gostar ou não gostar do livro vai depender bastante de sua empatia. Eu acho que algumas situações poderiam ter sido mais desenvolvidas na narrativa, mas certamente é um bom conto. Rude e poético ao mesmo tempo, e o filme baseado no conto é bem parecido.
E para terminar, deixo aqui uma pergunta reflexiva que tem mais a ver com meu relato do que com o conto em si:
Você já foi “fag hag” de alguém?
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