Gabriel 09/03/2024
Este não é um livro comum sobre a prática da oração e não é um livro que se propõe a fornecer substratos para que o leitor aprimore sua experiência devocional.
Devo começar assim depois de ter lido alguns comentários e resenhas sobre o livro, considerando-o "difícil" ou "verborrágico" por complicar algo que é simples -- isto é, a oração.
No entanto, a impressão que tenho é de que essas pessoas não entenderam exatamente do que trata o livro e qual é o seu propósito. O formato de cartas endereçadas para um interlocutor que não existe senão como criação de Lewis reforça a natureza intimista e reflexiva do seu conteúdo.
De início, Lewis distingue entre a prática da adoração e contemplação, também fenômenos incluídos na oração, daquilo que é a "oração petitória", isto é, aquela mediante a qual o fiel se debruça para pedir e clamar a Deus. É em torno desse último tipo de oração que as cartas serão escritas.
Malcom, o interlocutor imaginário de Lewis, não é um leigo de fé simples. Antes, como o próprio Lewis, é alguém que está preocupado com os rumos da liturgia anglicana, com a natureza da própria fé e com a reflexão detida das doutrinas que professa. Assim, ao contrário de um livro comum sobre a oração -- um livro que fosse diretamente endereçado ao público geral, não a um leitor específico com quem o autor troca cartas --, este é um livro em que Lewis pressupõe estar conversando de igual para igual com alguém que entende suas preocupações e suas indagações.
Talvez o leitor mais apressado se perca em sua própria desatenção, projetando antecipadamente sobre o livro aquilo que o livro em nenhum momento se propõe a fazer.
Em "Cartas a Malcom", Lewis não quer simplesmente dizer o que é a oração e como o devoto pode se utilizar dela para ter um contato mais próximo com Deus. O que se pretende é usar uma ferramenta dialética para entender como a oração pode ser capaz de aproximar e criar uma interação do finito com o infinito, além de identificar quais efeitos e implicações ela realmente traz.
Quem abre o livro com a mera percepção de que a oração é tão somente algo "simples" não pode compreender o que está escrito, e ao mesmo tempo, sair da leitura convencido dessa pretensa simplicidade.
Embora a abordagem se detenha principalmente nos temas correlatos à oração, Lewis fala de muitas outras coisas no livro, mantendo seu rigor e sua sinceridade habituais.
Por se reconhecer como sendo apenas um leigo refletindo sobre essas questões, e não um teólogo, Lewis vai mais fundo onde nenhum teólogo jamais poderia ir. O livro é excepcional e vale a atenção despendida em cada parágrafo -- ainda que às vezes se perder nas divagações seja inevitável.