O Caminho de Los Angeles

O Caminho de Los Angeles John Fante




Resenhas - O Caminho de Los Angeles


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Arsenio Meira 12/01/2014

“E de que vale um homem ganhar o mundo e perder sua própria alma?”

Para mim, a releitura de livros que me marcaram é sempre uma tentação. A estante abarrotada e etc, mas não tem jeito. Quando bate a fissura da releitura, largo (quase) tudo e sigo em frente.

"O caminho de Los Angeles", livro de estreia do autor ítalo-americano, só foi publicado após sua morte. No Brasil, houve uma primeira edição (Brasiliense) em 1989, e só foi reeditado em meados de 2008. Portanto, na verdade, essa foi a primeira aparição do famoso Bandini. Em 1933, Fante começou a trabalhar no romance. O cenário: os Estados Unidos pós-quebra da bolsa de Nova York, ainda com uma guerra pela frente. Ao terminar o livro, três anos mais tarde, previu o incômodo que a obra causaria: “tem passagens de chamuscar os pêlos do rabo de um lobo. Pode ser forte demais; isto é, falta-lhe ‘bom’ gosto”.

De fato, a publicação não saiu, provavelmente pelo caráter provocador do tema e do tom, fazendo com que o recorrente Arturo Bandini só fosse apresentado aos leitores em 1938, em "Espere a Primavera, Bandini". Mas é fácil perceber que, em "O Caminho de Los Angeles", o personagem já estava construído – uma criatura muito parecida com seu criador, que tem sido interpretada como o alter ego de Fante.

Neste romance de estreia, Bandini é um jovem nascido nos Estados Unidos, filho de imigrantes italianos. Vive empanturrado de conflitos. Não tolera mãe e irmã, por conta da religiosidade exacerbada, reação ao cristianismo repressor que lhe foi imposto desde cedo. Ele é culto ou procura ser, devora Nietzsche e Schopenhauer, ao mesmo tempo em que tem que se subempregar para sustentar a família, já que seu pai está morto. Quer ser escritor, mas trabalha em uma insalubre fábrica de peixe enlatado. Não é fácil, obviamente. Donde que suas diatribes contra meio mundo são até naturais.

O livro inteiro é uma viagem pelos pensamentos de Bandini, ora encantador, ora desprezível. Ele rejeita a ignorância e inércia dos que lhe cercam, mas está preso àquela realidade, cercado por ela. Tem que pular esse arame farpado, mas é jovem demais, e apesar de tudo, mãe é mãe e não há como largá-la no deserto do Saara, sob pena de aderir à psicopatia. Então, refugia-se em sua criatividade.

No dia-a-dia imaginado, Arturo pode ser o Matador Negro da Costa do Pacífico, o fiel informante de Roosevelt, o responsável pelo declínio da Civilização da Formiga, ou o grande amante das mulheres de papel, com as quais se encontra dentro do guarda-roupa. Ele é doce, ácido e despreza os valores humanos, mas é deles que se alimenta. Eis o paradoxo que atormente o mundo desde o dia em que Adão devorou a vistosa maça. Talvez numa tentativa de convencer-se, o herói-vilão coloca-se o tempo inteiro como alguém que está acima dos outros, seja por ser homem, falar palavras difíceis, nascer na América, ou, simplesmente, por não ser um crustáceo. E essa consciência de que poderia ser maior, é o que o atormenta. O leitor não fica imune, se depara com sentimentos que vão do asco ao reconhecimento, em menos de meia página.

O escritor faz, com maestria, uma reflexão sobre as diversas identidades do indivíduo: quem ele é, quem pensa que é, quem gostaria de ser, quem os outros acham que é. Expõe cruamente um universo de hipocrisias que ainda nos é muito atual. O ritmo do texto e a forma como verdades desconcertantes nos são lançadas (com graça ou dor), tornam a leitura fácil e deixam a vontade de que Bandini tenha uma vida longa. É impossível ficar indiferente aos seus dramas e às palavras de Fante.

A sensibilidade, tanto do autor como do personagem, capta as fragilidades de uma sociedade injusta, bitolada e, principalmente, contraditória. Bandini, claro, está contaminado, mas preserva a capacidade de incomodar. O leitor, que invade a mente conturbada do personagem, pode amá-lo ou envergonhar-se de seus atos. Não irá, certamente, ignorá-lo.
Ana 16/12/2015minha estante
Ótima resenha!




jota 04/09/2020

Avaliação da leitura: 4,0/5,0 – BOM (não tanto quanto Espere a Primavera, Bandini, mas ainda assim prazeroso)
Mal parodiando Chico Buarque, esse moço tá diferente, já não o reconheço mais, não é o mesmo Arturo Gabriel Bandini de outros livros atrás. Ele não se parece tanto assim com o rapaz de Espere a Primavera, Bandini (1938) nem com o jovem adulto de Pergunte ao Pó (1939), volumes que com este O Caminho de Los Angeles (escrito em 1936, mas publicado postumamente em 1985) mais Sonhos de Bunker Hill (de 1982, que será minha próxima leitura) compõem a tetralogia de histórias vividas pelo alter ego do escritor John Fante (1909-1983). Aqui Bandini está muito sensível e temperamental, afundado em revistas para adultos e em obras de autores tão complexos quanto os pensadores alemães Friedrich Nietzsche e Oswald Splenger, que ele mesmo confessa em determinado trecho pouco entender, vai apenas lendo aquelas palavras difíceis todas, resmungando-as.

Acredita que um intelectual, um escritor (ele já tem até o título para seu primeiro ensaio, “Uma interpretação psicológica sobre o estivador ontem e hoje”, mas depois se decide pela ficção), que é o que ele pretende ser brevemente, tem de ter uma ótima bagagem cultural. Certo, mas, ficar lendo e depois citando a torto e a direito ideias contidas em Assim Falou Zaratustra (Nietzsche) ou em A Decadência do Ocidente (Splenger) sem entendê-las, revela profundamente sua imaturidade, muito mais do que propriamente conhecimento conscientemente acumulado. Assim, não irá muito longe, muito além de seu (péssimo, como ele o considera, mas precisava de grana) emprego numa fábrica de conservas de pescado em Long Beach. Trabalho arranjado por seu tio, depois de tantos outros de onde quase sempre era demitido porque ficava lendo em vez de trabalhar. Ou porque não se dedicava com afinco ao que deveria fazer.

Bandini afirma a certa altura que já havia lido centenas de livros, que Nietzsche é seu mestre, não apenas leu as obras dele e a de Splenger, também Kant, Schopenhauer e outros. Ele conversa com o leitor sobre isso neste pequeno trecho, começando com Nietzsche:

“Dia após dia eu o lia, sem entender nada, nunca me preocupando também, mas lendo porque eu gostava de uma palavra resmungada após a outra, marchando através das páginas com ribombos sombrios e misteriosos. E Schopenhauer! Que escritor! Durante dias eu o li e reli, lembrando um pouco aqui, um pouco ali. E as coisas que dizia sobre as mulheres! Eu concordava. Exatamente o que eu pensava sobre a matéria. Ah, meu camarada, que escritor!” E vivia tão metido dentro dos livros que quase não tinha amigos. Melhor, tinha um, Jim, dono da lanchonete que frequentava de vez em quando, e que o admirava justamente por sempre vê-lo com livros.

O jovem Bandini morava não mais numa casa, mas num apartamento apertado, nem mesmo tendo um quarto para si, dormia na sala. Ali, parece estar sempre enfezado, costuma reagir com rispidez para com a mãe e a irmã, briga muito com elas. Mostra certa arrogância e desprezo geral pelos outros, não apenas pelos que não liam avidamente como ele. Pensa muito no sexo feminino, na mulher como objeto sexual (mais ou menos como Schopenhauer) e se masturba na banheira enquanto contempla fotos de modelos e artistas recortadas de uma revista. Enquanto não se transforma num escritor de sucesso, tem mesmo é de trabalhar numa fábrica de processamento de pescado (bem fedida e asquerosa, como ele mesmo narra) para sustentar-se e à mãe viúva e a irmã, uma família um tanto diferente daquela de Espere a Primavera, Bandini; não sei o que aconteceu aqui, como também apontaram outros leitores.

Bem, é 1935, estamos na Califórnia e Bandini tem 18 anos agora. Já havia terminado o ensino secundário e precisava trabalhar: ainda são os tempos sombrios da arrasadora depressão econômica iniciada em 1929. No novo emprego no porto ele é relaxado, respondão, trata com preconceito os filipinos, mexicanos e japoneses que com ele trabalham com pescado. Julga-se superior, o único de pele branca ali, os outros são amarelos e ignorantes. Além disso, é quase sempre machista, misógino, mitômano, grosseiro etc. Apesar disso tudo, perdoamos Bandini: ele também sofre preconceito por ser ítalo-americano, um carcamano, como o chamam os anglo-americanos. E também porque ainda é um adolescente, e como tal é inseguro, frágil, ridículo e engraçado ao mesmo tempo. Então o acompanhamos no caminho para Los Angeles ou por qualquer outro caminho que tomar, porque é um personagem que aprendemos a gostar demais pelos outros livros de Fante, também pelo próprio Fante, admirável escritor. E tudo é ficção. Ou quase tudo, pensando melhor...

Tinha pensado em encerrar nas reticências, mas não resisti e transcrevo outro trecho divertido de O Caminho de Los Angeles, que talvez até o sisudo Splenger aprovasse se não tivesse morrido justamente no ano em que Fante ainda escrevia este livro, 1936:

“Certa vez eu lia no parque, estava deitado na grama. Havia pequeninas formigas pretas entre as folhas de relva. Olhavam para mim, rastejando sobre as páginas, algumas querendo saber o que eu fazia, outras não interessadas e passando ao largo. Subiram pela minha perna, atônitas numa selva de pêlos castanhos, e eu levantei a calça e as matei com o polegar. Fizeram o melhor que podiam para escapar, mergulhando freneticamente para dentro e para fora do matagal, às vezes parando a fim de me enganar com a sua imobilidade, mas nunca, apesar de todos os seus truques, conseguiram escapar à ameaça do meu polegar. Que formigas estúpidas! Formigas burguesas! Tentando enganar alguém cuja mente se nutria da carne de Spengler e Schopenhauer e dos grandes! Foi a sua desgraça – o Declínio da Civilização da Formiga. E assim eu ia lendo e matando formigas.”

Agora é o fim mesmo. Lido entre 01 e 04/09/2020.
Karamaru 04/09/2020minha estante
Suas leituras e resenhas sempre muito interessantes.


Magasoares 04/09/2020minha estante
Jota, eu só queria saber escrever assim. Escrever também é uma arte, e nisso você é artista, parabéns.


jota 04/09/2020minha estante
Grato, Karamuru e Magali. Acho que nem escrevo exatamente resenhas, mas comentários. E se eles são interessantes, como vocês afirmam, é porque tenho procurado ler bons autores, bons livros: se os aprecio, eles me estimulam ainda mais a caprichar nos comentários depois.




Aline 09/08/2011

... encher esse Bandini de porrada...
Fante sempre nos leva a histórias onde a carga psicológica e emocional do personagem principal nos comove. Quem não se apaixonou pelo Bandini de “Pergunte ao Pó”, por exemplo? No entanto, “O Caminho de Los Angeles” traz Bandini como um adolescente imaturo, irresponsável, pretensioso e, por vezes, patético. Ao longo de todo o livro, fui acometida de raiva e até vergonha, chegando quase a abandonar a leitura incompleta. E por que eu não abandonei? Porque é Fante. Porque é perturbador. Porque é muito bom. Porque, afinal, Arturo Bandini me comoveu. Again.
Luiz Miranda 28/09/2023minha estante
É duro de suportar esta versão do Bandini, Aline, mas Fante é Fante.




Victor 11/01/2010

Acho que esse é meu livro favorito do Fante até o momento. O Arturo Bandini de "Rumo a Los Angeles" é insano, desestabilizado, solitário e desajustado como nunca, cheio de monólogos encharcados de raiva e indignação lançados ao acaso. Fante era fodão.
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Alessandro 19/11/2010

Onde está o Bandini de "Pergunte ao Pó"?
O Arturo Bandini de "O Caminho de Los Angeles" não é, em definitivo, nem o mesmo Arturo de "Espere a Primavera, Bandini", nem de "Pergunte ao Pó" por mais que - e isto me ocorre só um tanto agora - possa se aproximar, talvez (e ainda assim com muita boa vontade de nossa parte) e tão somente do Bandini de "Sonhos de Bunker Hill". Não obstante a liberdade artística na criação e modificação deste seu alter ego, o mínimo que esperava de John Fante, ao ler este livro, é que com ele o autor seguisse o mesmo caminho que vinha traçando sobre a vida de Bandini. Por se situar em uma fase cronologica intermediária a "Espere a Primavera" e "Pergunte ao Pó", me parecia ser a fascinante possibilidade de saber de que maneira mesmo este anti-herói se insuflou pelo desejo de ser escritor, já que isto não é dito em "Espere a Primavera, Bandini", onde temos Arturo em uma fase muito jovem de sua vida, uma criança, cuja maior preocupação é com a miséria da família e cujos únicos sonhos perpassam uma carreira como jogador de beisebol. De modo que temos um salto daí para o "Pergunte ao Pó", onde ele já trata de se estabelecer em sua profissão. O que deveria nos trazer este ínterim, este período nebuloso entre as duas fases, na verdade apresenta um delirado e enlouquecido protagonista, um Bandini que além de não se assemelhar em nenhum momento ao Bandini que conhecemos anteriormente (até por que está edição da José Olympio saiu mais recentemente), realmente é um outro Bandini - até a sua constituição familiar é diferente: os dois irmãos mais novos citados nos outros livros não existem e nunca parecem ter existido, e surge uma irmã chamada Mona, a quem nunca se fez referência nos livros anteriores. O Bandini de "O caminho de Los Angeles", embora mais velho que em "Espere a Primavera, Bandini", é um personagem infinitamente mais imaturo, um Bandini perverso, inconseqüente e fútil ao extremo, com delírios enlouquecidos - um completo idiota violento com sua família, agressivo gratuitamente e sem claras pretensões de vida. Tudo o que lhe apraz é perturbar sua irmã e sua mãe, duas mulheres muito religiosas, e vociferar contra Deus e contra todos, perambulando sem rumo e passando por empregos desprezíveis até se enfiar numa asquerosa fábrica de enlatados de peixes. Este Arturo Bandini lê Nietzche e sai repetindo termos que considera pomposos, pretendendo humilhar intelectualmente sua irmã que não se importa com seus achaques até o momento em que Bandini a perturba, bem como a sua mãe, o que acontece a todo momento. A justificativa que encontro para esta diferenciação tamanha é por este se tratar do primeiro romance de Fante, no entanto só publicado anos mais tarde, quando suas obras anteriores já tinham vindo a público. O que me leva a crer que Fante não somente reinventou seu personagem mais importante desde a sua narrativa de infância, como também não se deu ao trabalho de incluir este na cronologia dos seus livros anteriores.
Aline 09/08/2011minha estante
Gostei da sua resenha. Também senti falta dos outros "Bandinis".


Alessandro 09/08/2011minha estante
Obrigado, Aline. Fico contente que tenha gostado. Abraço!


Lodir 14/11/2013minha estante
Fante se empolgou tanto em criar Bandini como seu alter-ego que se esqueceu de cuidar desses detalhes como a família.




Luiz Miranda 28/09/2023

Louco Bandini
Escrito em 1936 e publicado postumamente em 1985, este livro na verdade foi o primeiro escrito por Fante, a primeira aparição de seu personagem alter-ego, Arturo Bandini, que ainda protagonizaria 3 outros romances.

Sou suspeito pra falar de Fante, se o cara tivesse escrito uma bula de remédio era capaz de eu incluir entre os melhores do ano, mas este O Caminho de Los Angeles eu realmente só indico a leitores calejados, de preferência familiarizados com a prosa fanteana. O motivo é simples: o Bandini de 18 anos apresentado aqui é puro ódio adolescente, pura confusão mental somada a delírios de grandeza (sempre em choque com a dura realidade). Um personagem detestável que externa seu caótico pensar através de misoginia, racismo, xenofobia e outras crueldades que fariam o leitor politicamente correto dar cambalhotas de ódio.

A escrita tem o notório padrão Fante de excelência e vai te prender até o fim, mas pro desavisado vai ser duro suportar um personagem como o protagonista, especialmente porque a escrita em primeira pessoa potencializa o desconforto geral, nem sequer os momentos de humor vão aliviar o mal estar.

É bom? Livraço, porém de difícil digestão. Se estás curioso sobre este que é o ídolo e modelo de nomes como Bukowski, vá direto na obra-prima Pergunte ao Pó.

4 estrelas
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Jordão. 22/11/2022

Romance
Uma história nua, crua e degenerada e uma narrativa espirituosa.

O âmago de um jovem da classe trabalhadora americana.

Esse romance é bem diferente do '1933 foi um ano ruim' (romance do mesmo autor), que é uma história bonita e comovente.
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Artur 03/07/2013

Tão perturbado, tão desconcertante, solitário e o gênio, tão eu em cada página.
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Biblioteca Álvaro Guerra 14/01/2020

Na história, Bandini é um sesível e temperamental ítalo-americano que procura de todas as formas atingir o propósito máximo de sua vida - se tornar um escritor de prestígio. Mas, após a morte do pai, ele precisa sustentar a família e se vê forçado a trablhar para bancar a casa. Acaba, por indicação de um tio, empregado em uma nausabunda indústria de peixe enlatado. Para ele, entretanto, tudo isso é uma enorme perda de tempo.

Empreste esse livro na biblioteca pública.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9788503013475
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