O lustre

O lustre Clarice Lispector




Resenhas - O Lustre


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Alê | @alexandrejjr 27/12/2021

Enigmas fora de cena

A leitura de "O lustre" permite que os leitores se deparem com uma nova categoria de livro que eu classifico da seguinte maneira: o romance metafísico claustrofóbico. Eu sei, eu sei. É complicado. Mas lá vou eu.

Segundo romance da Clarice Lispector, “O lustre” é um livro sobre a impossibilidade de verbalizar sentimentos. Clarice procura mostrar aqui que a verdade nunca é verdadeiramente arrancada pela palavra. Interessa a ela muito mais a nebulosa natureza do pensamento do que a linearidade narrativa.

E o caminho para nós, leitores, não é fácil. Ao acompanharmos os tortuosos e longos fluxos de consciência de Virgínia, nossa personagem principal, entramos em um terreno sombrio e mal organizado, uma confusão que Clarice consegue transpor muito bem ao cansar os leitores, que sentem fisicamente o que Virgínia, em seu interior, não consegue expor às personagens que convivem em seu exterior. Há uma espécie de cegueira existencial, uma profundidade pela busca da essência humana que é paradoxalmente magistral e imperfeita. Infelizmente, toda essa claustrofobia milimetricamente pensada pela autora exclui, com certa facilidade, a maior parte dos leitores pela dificuldade. Quero dizer com isso que aqui é inegável a presença do hermético dentro da prosa clariceana.

Mas do que se trata o livro, Alexandre? Pois é. É aí que mora o perigo. Eu poderia dizer que acompanhamos a vida de Virgínia, basicamente. Começamos em sua infância na Granja Quieta, espécie de grande fazenda da família, passando pela sua estranha e solitária passagem na cidade. No meio disso tudo, acompanhamos a intensa relação dela com outras pessoas que integram a sua existência, em sua maioria homens e algumas poucas mulheres, como sua irmã Esmeralda. Aliás, destacam-se, curiosamente, as figuras masculinas criadas por Clarice, como o (importante) irmão mais velho de Virgínia, Daniel. Daniel é um ser estranho dentro do livro. Uma personagem masculina que exerce sobre a irmã um magnetismo e, ao mesmo tempo, nutre uma relação opressiva e abusiva sobre ela que, como se não bastasse, ainda é permeada por uma tensão sexual que por muito pouco não acaba em incesto. Há outros homens também, claro, como Adriano e Vicente, este último o mais próximo do que podemos classificar como um “namorado”, um dos poucos que consegue materializar uma relação humana com Virgínia, que só será repetida novamente - mas sem sexo - por Miguel, porteiro do prédio onde nossa protagonista mora em sua fase urbana.

Confuso, psicologicamente denso e terrivelmente sonolento em boa parte de sua leitura - apesar da prosa sinuosa e sempre precisa de Clarice -, “O lustre” é um livro sobre os enigmas fora de cena. Mas que fique claro: fora da cena que é captada pelo olhares menos atentos dos leitores, pois para Clarice, todas as perguntas estão postas ali, por mais que nós não achemos uma maneira de respondê-las.
Joao 27/12/2021minha estante
Caraca, ótima resenha!! E o "pior" é que fiquei bem interessado no livro hahaha


Alê | @alexandrejjr 28/12/2021minha estante
Agradeço a leitura atenta, Joao! É uma honra que tu fique interessado. Afinal, nem toda a resenha negativa é necessariamente ruim, né?


João 28/12/2021minha estante
Vendo a nota e depois lendo a resenha eu pensei ?é fã ou hater?? pq eu fiquei louco pra ler, a mão ja ta tremendo


Alê | @alexandrejjr 29/12/2021minha estante
O bom de criar essa sensação de "é fã ou é hater?", João, é que eu consegui passar o que eu queria com o meu texto: ambiguidade. Porque é, numa escala muito maior, o que a literatura da Clarice é: ambígua.


Moony 19/03/2022minha estante
não poderia resenhá-lo de melhor forma. incrível!


Cristiane.Cardoso 22/03/2022minha estante
Ótima resenha. Pelas outras que li, já tinha desistido do livro. Na verdade nem o conhecia, busquei por causa de um outro livro que quero ler que faz uma análise crítica, também, dessa obra.


Alê | @alexandrejjr 22/03/2022minha estante
Agradeço o elogio, Marina! Obrigado por ter lido;

Obrigado pelo carinho, Cristiane! Uma pergunta aqui, pois fiquei curioso: qual seria esse livro que você busca que faz uma análise crítica de "O lustre"?


Cristiane.Cardoso 22/03/2022minha estante
Guerra e Paz do discurso literário
Antonia Torreão e Henrique Júlio Vieira.


Marcos.Azeredo 30/05/2022minha estante
Eu estou lendo e gostando muito da leitura de O lustre.




Léia Viana 11/07/2013

Penetrante
"Esses eram momentos em que ela sofria mas amava seu sofrimento. Atravessava o dia, a necessidade de cumprir os pequenos deveres, a arrumação dos quartos, a espera, a realidade e as ruas - entre séria e ansiosa, perscrutando-se e ao espaço como se já estivesse misteriosamente ligada a Vicente através da distância. Porque mal acordava sabia que hoje era dia de vê-lo."

Este romance é a descoberta de si mesmo, é um mergulho no fundo da alma, uma reviravolta nos sentimentos. Clarice tem esse efeito em mim, a cada obra que leio dela me descubro, me redescubro e percebo o quão complexa sou.

Estava muito curiosa para ler esta obra por causa da repercussão que li a respeito no livro "Correspondências", os comentários entre os amigos/correspondentes de Clarice Lispector, foram muitos e isso me despertou a curiosidade em ler.

A leitura é densa, a narrativa é em tom nostálgico, sofrido e cheia de reminiscências. Confesso que fiquei esgotada e achei este um dos livros mais difíceis de ler da Clarice. Fiquei exausta e não conseguia prosseguir muito com ele, tinha que parar em vários momentos, voltar nas páginas e reler, analisar para continuar prosseguindo. Não podia deixar que essa obra me tomasse por inteira, me consumisse de uma única vez.

Clarice escreveu uma obra penetrante, com diálogos difíceis, escassos, truncados, abordou e explorou muito bem o mundo interior de Virgínia. Esta obra tem que ser lida, relida até que se esgote todas as reflexões que ela nos propõe. Não é um livro fácil, nem de ser lido, entendido, tão pouco de se esquecer dele, tenho a sensação de que a história penetrou em mim e que nunca mais conseguirei esquecê-la.

Leitura recomendada!

site: http://caminhodasborboletas74.arteblog.com.br
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maria15406 29/10/2023

De fato o livro mais difícil de clarice? por ser IMPENETRÁVEL.Apesar do pesado fluxo de consciência oq é costume na literatura dela,não é tão fluido mas não significa que não é possível mergulhar nessa leitura.
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Luciano 30/08/2021

O livro da Clarice que menos me prendeu até agora
Foi uma leitura um pouco desinteressante em comparação com os outros romances que li da autora, pra ser sincero. Mas a parte final me fisgou bem.
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Evy 02/08/2020

Desafiante
Pela primeira vez, a leitura de Clarice foi bastante desafiante pra mim. Talvez por não me sentir ligada à personagem principal, Virgínia, que me deixou bastante irritada em muitos momentos com sua passividade inicial e seus desmaios. Ao longo da história isso vai mudando e consegui uma fluidez maior na leitura, mas ainda assim não senti nem de longe o que costumo sentir ao ler os livros dessa autora maravilhosa que é a minha favorita da vida!

Esse romance foi escrito em 1946, logo após o lançamento de Perto do Coração Selvagem, que foi um sucesso absoluto. O Lustre não trouxe tantas críticas positivas como Clarice esperava e até questionou os amigos do porque não estava recebendo nenhuma devolutiva do livro, como recebeu do anterior. Alguns críticos julgam ele muito parecido com o primeiro que até então revolucionou e modernizou a forma de escrever, mas eu, particularmente não vi tamanha semelhança.

Clarice tem sim um jeito diferente de escrever, como um fluxo de consciência que acontece tão rápido como o nosso pensamento e as vezes nos deixa perdidos na cronologia da história (o que nem de longe impede a experiência literária, ao meu ver. Pelo contrário, a enriquece!), mas as histórias são bem diferentes e me identifiquei muito mais com Joana do que com Virgínia, que demorou demais pra encontrar a própria força e ainda assim demonstrava certa apatia e passividade em relação a alguns personagens e situações.

O lustre conta a história de Virgínia desde a sua infância em Granja Quieta até a vida solitária na cidade. O título remete ao Lustre da casa paterna no interior que a atraía e assustava quando pequena. "Havia o lustre. A grande aranha escandecia. Olhava-o imóvel, inquieta, parecia pressentir uma vida terrível. Aquela existência de gelo”. Pode-se fazer uma associação à vida que Virgínia viria a ter: terrível, isolada e sem afetos. Na infância, Virgínia nutre um amor e admiração sem limites pelo irmão com quem vive os dias em Granja Quieta. São muito unidos, porém Daniel, é perverso e cria uma "Sociedade das Sombras" que só tem os dois como membros e se utiliza do poder dessa sociedade para subjugar Virgínia as mais inoportunas situações, as quais ela obedece sem pestanejar.

Embora possa parecer desumano, não consegui nutrir uma compaixão pela protagonista, pois vamos descobrindo que a passividade não tem nenhuma ligação com bondade e que Virgínia também traz traços de maldade em si e por isso essa ligação doentia que se fez entre os dois. Quando crescem, se separam e Virgínia vai viver na cidade, e até se torna um pouco mais ativa, porém não se liberta das lembranças do passado que a atormentam a cada passo e acaba criando relações negativas com as pessoas e aumentando sua solidão. Muito me pareceu que a relação doentia criada com o irmão na infância fora o derradeiro de sua existência, mantendo-a sempre presa às lembranças.

Me parece impossível trazer uma impressão definitiva do que seja esse romance, tamanhas são as metáforas e a inconstância dessa obra. Ela abre diversas possibilidades de interpretação e acredito que atinja a cada um de uma forma diferente, de acordo com suas bagagens e experiências. Me foi MUITO difícil dar menos de 5 estrelas para Clarice, pois sou muito fã de sua genialidade de escrita e de suas obras, mas não podia deixar de ser sincera, como o sempre faço em todas as minhas resenhas, e infelizmente essa obra em específico, não me atingiu como todas as demais que li da autora.

Ainda assim, recomendo a leitura a todos aqueles que são fãs, para conhecerem todas as suas vertentes. Aos iniciantes, indicaria outras obras dela, como Uma Aprendizagem e o Livro dos Prazeres, Felicidade Clandestina e A descoberta do Mundo!
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LER ETERNO PRAZER 25/04/2020

O lustre - Clarice Lispector.

É incontestável como Clarice penetra profundamente em nós com sua obra, sempre carregada de sentimentos profundos e complexos.Nessa nos espantamos com a presença de pensamentos, que poderiam ser nossos, ali escancarados, revelados em toda sua dureza e liberdade, sem disfarces.Aqui, teremos uma personagem central,(Virgínia), e toda a sua odisseia, da infância à vida adulta, num percorrer sempre vacilante para o fim. Virgínia desde sempre parece estar à beira de um precipício, prestes a um colapso.Um livro carregado de metáforas,de tantas impressões concentradas e expostas em palavras que seria impossível resenhar esse livro, dando um sentido,uma interpretação definitiva, ainda que pessoal para ele.Ainda que o livro seja uma experiência literária difícil de ser explicada e até mesmo interpretada vale por ter em seu âmago passagem e momentos que com certeza poderá ou pode ter acontecido com qualquer um.Vamos acompanhar Virgínia descortinando seus pensamentos no decorrer de todo o romance, vamos acompanhando toda a sua vida suas frustrações, seus amores, seu relacionamento complexo com o irmao(meio um deus para ela), acompanhamos sua invancia, sua saída de Brejo Alto(sua cidade), sua vida na cidade grande. Ao final vamos vê-la retornando e acompanhamos toda a mudança que ela percebe, na família, no lugar. Acompanhar toda essa trajetória, nos faz refletir o quanto, no decorrer de nossa existência, estamos expostos a conflitos internos, amores, desamores, ciúmes, tristezas...a toda a gama de sentimentos que acompanham a vida de nós seres humanos. Uma obra de peso,de difícil leitura e interpretação, como falei no início, mas que valeu a pena todo tempo dedicado a ela.
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Shirley.Peixe 11/02/2022

Venci...
Foi a minha segunda tentativa de ler esse livro. Já possuía uma natural resistência à escrita da Clarice, devido a minha primeira experiência com ela (A Paixão Segundo G.H) que tinha sido extremamente maçante.
Não digo que "O Lustre" foi uma leitura fácil, porque não foi, e o início do livro com a personagem Virgínia ainda criança foi bem confuso, porém quando a mesma fica adulta, o texto cresce também e pra mim ficou mais fácil traduzir seus sentimentos e complexidade.
O final, como aconteceu, já tinha sido delineado na minha mente, então não me surpreendeu tanto.
No geral consegui sentir a poesia de tudo isso. A luz do lustre chegou a brilhar...
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Maca.Bea 27/10/2015

A impossível resenha de O Lustre
O Lustre é um livro que desentranha em palavras o processo de formação do pensar. Em todo o livro nos espantamos com a presença de pensamentos, que poderiam ser nossos, ali desnudados, revelados em toda sua dureza e liberdade, sem filtros. Evidentemente que temos um “romance” entre aspas, pois não se trata de uma narrativa ali posta em seus moldes tradicionais. Temos uma personagem central, Virgínia, e toda a sua odisseia, da infância à vida adulta, num caminhar sempre vacilante para o fim. Virgínia desde sempre parece estar à beira de um precipício.
Mais no blog!

site: https://piquenamaluca.wordpress.com/tag/literatura/page/3/
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arthur966 31/05/2022

afinal tudo era como era, pensou quase claramente, quase alegre - e isso significava a sua mais profunda sensação de existência como se as coisas fossem feitas da impossibilidade de não o serem.
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Eliel 18/01/2021

"O lustre" é um livro incrível! Um livro denso,belo e penetrante. Esse romance penetra no íntimo de nossa alma, que nos faz pensar sobre a vida ...
Gostei muito desse romance, apesar que esse romance é bem denso e confuso , mas mesmo assim é excelente. Eu recomendo esse livro pra todos.
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OgaiT 06/03/2022

O lugar da memória: entre a luz e a sombra
Talvez essa seja uma das leituras que eu menos me conectei entre as obras de Clarice. Sinto que fiquei à superfície desse 'veio' das águas turvas claricianas.
Semelhante ao Paixão Segundo G.H. e ao Perto do Coração Selvagem, obra que o antecede, O Lustre não possui uma narrativa com um tempo cronológico, ela é antes pautada por lapsos de memória que irrompem durante e que ao mesmo tempo são a narrativa ? narrador onisciente múltiplo.
A título de informação, O Lustre percorre a vida personagem Virginia de sua infância/pré-adolescência até seu amadurecimento, assim como ela, a vida de seus irmãos: Daniel e Esmeralda.
Criados no interior, em uma fazenda na cidadezinha de Brejo Alto, na vida adulta, Virginia e Daniel vão morar na cidade grande. Lá, a vida dos dois irmãos tomam rumos diferentes: enquanto ele se casa, Virginia leva uma vida mais livre, aspecto esse que retoma a afirmação feita pelo narrador na primeira linha do romance:
"Ela seria fluida durante toda vida." (p. 9).
No entanto, conforme Tarcila Tanhã, esse adjetivo conota também um sentido negativo, visto que a protagonista não consegue tomar as 'rédeas' de sua vida, é apática:
"Havia um deslizar impossível na sua verdade, ela era como o próprio erro. Sentia-se estranha e preciosa, tão voluptuosamente hesitante e estranha como se hoje fosse o dia de amanhã. E não sabia corrigir-se, deixava que a cada manhã seu erro renascesse por um impulso que se equilibrava numa fatalidade imponderável." (p. 40).
Os relacionamentos da protagonista, não apenas os amorosos, sexuais, mais também os familiares e os fraternais, cotidianos, são chaves relevantes para compreender o grande desfecho desse romance.
Por último, todavia, não menos importante, o título é um dos elementos que mais gosto de analisar, pois são justamente estes os responsáveis pela minha escolha de uma determinada leitura. Recorro, mais uma vez, às palavras da Tarcila Tanhã, que afirma ser O Lustre o lugar da memória em que a luz são os momentos felizes na Granja Quieta e a sombra quando não está neste lugar, conforme o trecho a seguir:
"Enquanto durava o segundo longo ela pensava e sua lucidez era a própria claridade crua do luar; mas não sabia o que pensava; pensava como uma linha parte de um ponto prolongando-o, pensava como um pássaro que apenas voa, simples direção pura; se olhasse o vazio sem cor ela nada enxergaria porque não existia o que enxergar, mas teria olhado e visto. [...] talvez estivesse triste mas tinha nesse instante a firme sensação de que não podia viver de sua própria tristeza, de sua alegria ou mesmo do que sucedia; de que então? revolvia-se inquieta e atenta como se procurasse uma posição para viver. Ocorreu-lhe enfim, pela primeira vez que veria todos de casa, que voltaria ao seu quarto. Que Daniel estaria na Granja [...]. (p. 207-208).
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Ademilson 25/01/2021

A obra mais obscura
Segui para minha penúltima obra de Clarice. Esse é, até então, o livro da autora que considerei mais difícil. "O lustre" mostra uma Clarice que experimenta, que está testando sua forma de expressão, que mais tarde ficará mais sofisticada, mas que ainda se prende à algumas convenções de romance. É de uma linguagem densa, obscura, quase impenetrável. Muita coisa é apenas sugerida, na verdade, quase tudo. Tive muita dificuldade em seguir. Talvez seja isso o que frase que inicial o livro queira dizer (perfeita, por sinal): "ela seria fluida durante toda a vida". Esse "fluir", estar à mercê do ritmo, significa também sucumbir aos seus processos de pausa, de encalhe, de afogamento, de cansaço. É como uma luz que acende e apaga. Tem momentos extremamente impactantes e outros que são morosos.

Virgínia, como todas as protagonistas de Clarice, é solitária. Mas Virgínia, por exemplo, é bem diferente de Joana, do primeiro livro. Joana é êxtase e violência pura. Virgínia é apatia, frieza. Esse "ser fluido", no sentido que Lispector aplica aqui, é alguém sem firmeza. Ao mesmo tempo, me parece que a história joga o tempo todo com conceitos de essência e transmutação: o que é imutável e o que não é? podemos mudar tanto? podemos permanecer os mesmos? qual o vetor que nos faz querer mudar? por mais que nossa vida mude, será que sempre seremos arrastados ao mesmo centro? A solidão de Virgínia, ao contrário do que aparece em outras mulheres de Clarice, é algo triste e cruel. Não vejo força que venha dessa solidão. É uma clausura. É uma mulher oprimida em todos os contextos: pessoais, familiares, afetivos.

Há também Daniel. No começo do livro, Virgínia e Daniel observam um chapéu no rio. Eles presumem que seja um corpo afogado e prometem segredo. Esse elo instaura uma já presente relação entre os irmãos que é doentia e beira o incesto. Será alguém que suicidou-se ou foi assassinado? Logo após, formam a Sociedade das Sombras, na qual Virgínia tem que realizar tarefas cada vez mais perigosas, mas que ela parece gostar.

Clarice não tem um fio narrativo claro ou abastado: é um romance de movimentação interna, parágrafos longos, diálogos concisos, capítulos enormes. Tem que ter fôlego. Não sei dizer se gostei ou amei. Muitas coisas eu gostei, outras não. Mas foi o mais difícil de prosseguir, de fato, mais até que "A cidade sitiada", que ao contrário da experiência da maioria, levei de forma bem melhor. Sinto que Clarice ultrapassa tudo: a necessidade de entendimento, a necessidade de gostar, de classificar. Você simplesmente lê e, nesse processo, ou fica perturbado, ou fica indiferente. "Entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca, ou não toca".

Pra finalizar, o final é perturbador. Ao contrário de todo o livro, nele vemos o destino de Virgínia com uma clareza insuportável. Muito bom! Clarice, como você é danada. Agora, só me falta A maçã no escuro, que eu já tenho, na LINDA edição nova da Rocco. Mas vou dar um tempo até pegar ele. E qual a razão de "O lustre?". O único objeto soberbo de uma casa sem alma. Inerte, mas atraente como uma aranha - aqui no sentido de volúpia. Na minha percepção, esse lustre é a torrente de desejos (perigosa) que Virgínia vez ou outra deixa extravasar, mas que acaba tolhendo por vergonha, por manipulação alheia. O lustre talvez seja esse ponto nosso, essa fagulha ainda acesa, embora quieta e oculta, que a gente mantém inconscientemente, como vital, mas com medo de que rebente em direções alheias às que pré-determinamos. Somos reféns dessa fagulha. Vivemos com medo de que ela tome a nossa direção - e assim onde vamos chegar? É o conflito do Eu com o Eu.
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Marília 16/05/2020

Achei o livro um pouco arrastado. Não conseguia evoluir na leitura. Mas consegui.
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