souraquel 19/03/2024
Murcharemos e novas rosas vicejarão.
"Rubaiyat" (plural de "rubai": quadras) é uma coletânea de poemas curtos cujos temas envolvem o vinho, o amor e a efemeridade da vida, e que revelam uma atitude cética em relação à existência de Deus e o destino das almas após a morte. Sua autoria é atribuída a Omar Khayyam, erudito persa nascido no século XI, na cidade de Nishapur, e contemporâneo à invasão turca da Pérsia e sua islamização.
De acordo com a apresentação do livro, seria um "hobby" do autor colecionar e compor quadrinhas. Contudo, graças às inúmeras reedições de suas coleções realizadas com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais difícil distinguir os frutos de sua criatividade do que eram composições que gozavam de sua estima ou inserções apócrifas - acerca deste último ponto, há quem diga que o prestígio de Khayyam foi aproveitado por muitos que, por medo das autoridades, não se atreviam a publicar certos poemas; acrescentá-los à obra do estudioso foi a maneira encontrada de perpetrá-los. Assim, tudo o que chegou até nós em "Rubaiyat", sendo ou não da autoria de Khayyam, ficou, por tradição, invariavelmente atribuído a ele, ainda que hoje já existam análises capazes de separar seu legado dos trabalhos ?intrusos?.
Sobre o teor da obra, é possível encontrar desde composições melancólicas e críticas ácidas aos costumes islâmicos até quadras repletas de humor e ironia. A temática da mulher amada e do beijo também é bastante comum em "Rubaiyat": vários poemas falam sobre longos cabelos, faces rubras (de timidez ou embriaguez?) e dos lábios femininos. Também o ato de levar a taça à boca é comparado pelo autor, mais de uma vez, a um beijo, como nos indicam os versos a seguir: "Ergue-te, minha taça encantada, e dá-me/Teus lábios, para que os beije antes de ser pó" (quadra 106, p. 65). Alguns poemas tratam do mesmo tema utilizando quase as mesmas palavras, o que torna a leitura, nestes casos, um pouco repetitiva. Apesar disso, a experiência de ler "Rubaiyat" é, sem dúvidas, muitíssimo interessante, principalmente levando em conta seu contexto e os possíveis dilemas aos quais o autor provavelmente esteve exposto à época de sua publicação: ataques, perseguições, necessidade de justificativas etc. Enfim, recomendo!
Abaixo, alguns dos meus excertos favoritos:
"Um ladrinho haverá de assinalar/O túmulo em que fores enterrado,/E a terra de teus ossos talvez sirva/Para fazer ladrilhos amanhã."
"Fiquei vendo o oleiro, na lide quotidiana,/Totalmente absorto na confecção de um jarro./A tampa foi feita da cabeça de um rei;/Quanto à asa, foi feita do braço de um mendigo."
"No dia em que eu morrer e que meu corpo/For misturado à terra, possa a argila/Ser transformada em taça e ser repleta/De vinho, pois assim renascerei."
"Dizem que quem fabrica taças não pode ser/Bom muçulmano, já que as taças podem conter/O impuro vinho. Lembro-te, porém, que as cabaças/Também podem contê-lo, e quem as fez foi Alá?"
"O vento sul fez murchar a rosa/Que o rouxinol contemplava em êxtase./Por que chorar? Também murcharemos,/E novas rosas vicejarão."
"Não quero mais falar. Vai e traze-me vinho./Tua boca, esta noite, é uma rosa, a mais bela!/Que o vinho seja rubro como tuas faces,/E meus remorsos leves como tuas tranças."
"Nosso universo é um jardim de rosas. Nossos visitantes/São as borboletas; nossos músicos, os rouxinóis./Quando não houver flores nem folhas, estrelas serão/As minhas rosas, e teus cabelos a minha floresta."