Natasha 22/08/2016Os zumbis somos nósO autor Eliel Barberino entrou em contato comigo pela página do Redemunhando no Facebook. No princípio, fiquei um pouco receosa por ser um livro de zumbis (sou covarde para temas de terror), mas quando vi que tratava-se de uma história dos zumbis, ou seja, da origem desses personagens, definitivamente fiquei interessada.
Barberino é um entusiasta dos zumbis e estudou Filosofia. Resolveu unir as duas atividades neste livro de não-ficção, que está dividido em introdução, duas partes teóricas, epílogo, agradecimentos e bibliografia. As partes I e II do livro são bastante diferentes: a primeira, chamada O surgimento do fenômeno, trata das origens do zumbi como monstro; e a segunda, O zumbi como crítica da modernidade, analisa alguns aspectos da contemporaneidade para conectá-las com a mitologia dos mortos-vivos.
A parte I pende mais para uma análise histórica, e contextualiza toda a epidemia – com o perdão do trocadilho – de popularidade dos zumbis: jogos, filmes, séries, livros. Esta parte é deliciosa de ler. Certamente um dos momentos que mais gostei foi o exame sobre os monstros “típicos” de cada tempo (bruxas, vampiros, Frankenstein, etc.), pois cada um deles reflete os medos mais intrínsecos com os quais cada uma das comunidades lida naquele momento. O zumbi representa o nosso medo da morte, mas também da decadência e da impotência. Por ser um monstro secularizado (corporificado, e não sobrenatural), possui um grande apelo à realidade atual.
Quanto às origens das lendas de mortos-vivos, Barberino as busca na cultura pop, na história europeia, haitiana e também nas obras do cineasta George Romero, que criou o zumbi (e também o apocalipse zumbi!) da maneira como conhecemos hoje. Preciso ressaltar que achei geniais as relações da crença vodu no morto-vivo com a escravidão colonial nas Américas.
Na segunda parte, mais filosófica, o texto muda de tom. Aí, o autor propõe reflexões sobre as representações e simbologias que o zumbi evoca, além de uma forte crítica à modernidade. Apesar de muito interessante, fiquei com a impressão de uma pessoalidade muito grande na argumentação: o autor critica diversas posições filosóficas das quais discorda (por exemplo, posturas materialistas/empiristas/naturalistas “radicais”, relativismos) e, com isso, acaba emitindo julgamentos de valor, pessoais, sobre alguns aspectos da modernidade. Parece que tais posições se tornam o objetivo principal dos capítulos, e os zumbis aparecem só pontualmente. E por se tratar de argumentações filosóficas, o texto fica bem mais teórico, o que pode não agradar a alguns leitores, embora não tenha me incomodado.
De qualquer maneira, foi uma leitura extremamente agradável, e fiquei muito empolgada ao ler a primeira parte – inclusive, me deu algumas ideias para a sala de aula. Encontrei um ou outro erro de revisão, mas o livro é curto (tem 116 páginas) e direto, com uma escrita prazerosa. A fonte é de tamanho relativamente grande, o que facilita ainda mais a fluidez da leitura.
A análise dos zumbis e de toda a sua cosmologia como fenômeno cultural e desses personagens como metáforas do século XXI enriquece demais a percepção que temos sobre a realidade e a “moda” dos zumbis em todas as mídias. Além disso, ao propor um exercício de identidade e alteridade, Barberino nos provoca a pensarmos também sobre nós mesmos, a morte e nossos medos. Recomendadíssimo para quem se interessa pelo tema!
site:
https://redemunhando.wordpress.com/2016/08/22/a-era-dos-mortos-vivos/