Ellen Gouveia 08/06/2023Melancolia nostálgica e potência de vidaA descrição acima é usada por Bensimon para caracterizar a música "Red eyes", dos War on Drugs, e assim que li esse parágrafo achei que esses adjetivos sintetizam o livro como um todo. No início, é bem morno. Senti um excesso de melancolia, uma nostalgia de alguém em um sério conflito geracional, vivendo em mundo diferente daquele antes conhecido nos anos 80 e 90. Um saudosismo tão pedante que beira a mais bela e pura chatice, como nas crônicas "Os descuidados 90", em que Bensimon advoga que "as coisas difíceis não acabem de uma vez por todas" e um dos exemplos de dificuldade citados vem dos anos 60, quando seus pais lutavam bravamente por uma calça Lee em Porto Alegre. Como ela diz e concordo, "as memórias das pessoas se relacionam a obstáculos", mas esse raciocínio de classe média pequeno burguesa nostálgica e saudosa me cansou rápido. Outras crônicas caminham num chororô parecido: em "tatuagens para todos", a autora se vê como "o último ser humano que se imaginava como uma tatuagem" e daí pra frente usa o argumento pra refletir sobre a geração que não conquistou coisas sólidas, e, com isso, tem tatuagens, que são coisas que duram. Eu entendi a intenção de trazer algo sublime, uma pérola do cotidiano, mas dei uma risada gostosa com a comparação. Mas talvez isso seja minha interpretação não duradoura, vinda da geração Z.
Por sorte, não desisti do livro. Eu tinha esperança. Carol Bensimon é uma das grandes vozes da literatura brasileira contemporânea e seus "Todos nós adoravamos caubóis" e "clube dos jardineiros de fumaça" estão sempre nas minhas fila de leitura. Depois "uma estranha na cidade" ganha mais fôlego com boas crônicas sobre urbanização, bissexualidade, maconha, consumo e desigualdade de gênero. Muitos textos tem um ar provinciano porto-alegrense, mas as reflexões se procuram ser universais. As discussões sobre urbanização e sociedade me pegaram. Como a vida se estrutura em prédios cada vez mais isolados e altos, como o paradoxo da insegurança nos constitui e como nos importamos muito com comodidades de espaços que pegamos e pouco usamos.
Com certeza o melhor desse livro fica pro final, com os textos sobre a temporada de Bensimon na Califórnia enquanto escrevia o "Clube". O texto final, sobre a cidadezinha de Bodie, um autêntico velho oeste estadunidense que viu seu auge e decadência na corrida pelo ouro, tem um quê delicioso de investigação curiosa, porém cética, com relato de viagem empoderada que renderia um livro por si só, mas definitivamente não trata-se de uma crônica. Essa é uma das minhas questões com esse livro: Carol escreve bem, tem uma prosa, simples, limpa, clara, mas muita coisa aqui eu não caracterizaria como crônica. Falta uma medida de cotidiano, um trabalho despretensioso com a palavra e com os assuntos que aparece de forma menos natural, o que não significa ruim.
Gostaria de ver onde e quando as crônicas foram originalmente publicadas. Há referências claras a 2014 (POA sediando a Copa) e 2016 (uma mulher presidente no Brasil e o tema da redação do Enem), mas, também pela escolha editorial, rotular todos os textos como crônicas foi uma dificuldade.
Pretendo ler outras coisas de Carol e ir atrás de algumas das várias referências a livros, filmes, documentários e músicas que ela vai colocando acertadamente.