O conformismo dos intelectuais

O conformismo dos intelectuais Michel Maffesoli...




Resenhas - O conformismo dos intelectuais


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Krishnamurti 18/06/2016

O conformismo dos intelectuais. Com efeito, um livro para os espíritos livres.
O conformismo dos intelectuais. Com efeito, um livro para os espíritos livres.

Krishnamurti Góes dos Anjos

As elites não convencem mais. São desconsideradas pelo povo porque já não sabem expressar, representar, fixar as preocupações e inquietações de uma sociedade. Esta é uma das conclusões a que chegam Michel Maffesoli e Hélène Strohl no livro O conformismo dos intelectuais (Editora Sulina, Porto Alegre, setembro de 2015, 182p.).
Nesta obra que promete polêmicas incendiárias (ou o boicote do silêncio), os autores partem da inegável constatação de que nossa época pós-moderna, não comporta mais os deslumbramentos discursivos sobre a república, o progresso, o contrato social, o social, a democracia e outros termos que hoje, só têm por objetivo mascarar a profunda desordem do mundo oficial.
O divórcio entre o mundo publicado (diferente do público portanto), vem ocorrendo de modo conflituoso quando certos economistas experts, vêm a público opinar sobre uma determinada crise: “Ela não existe”. Em outro momento, o mesmo cara-pálida declara: “Eu bem que tinha avisado”, e em outra ocasião ainda: “Ela está quase acabando”. Sobrevém outro desenlace entre o mundo real e o oficial quando burocratas do estado forjam um sistema de competências cruzadas no qual “todo mundo tem vantagem sobre todo mundo, ninguém é realmente responsável por nada e, sobretudo, por nenhum fracasso de qualquer política pública”. (sic). Os políticos enfrentam o deboche e os corruptos (políticos e não políticos), ganham terreno. É neste cenário que os casos de corrupção mais cabeluda ocorrem sem que ninguém se dê conta de que esses atos se repetem: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Eis que a impotência e o cinismo tornam-se regra.
Especialistas de todos os matizes, acentuam o clima de perplexidade quando debatem crispados sobre esquerdas e direitas, e apresentam soluções esgotadas e explicações simplistas até sobre os mais triviais problemas. Para completar o adultério intelectual de nossos dias, atua uma mídia apologista do supérfluo e do medíocre. Além disto é o destaque noticioso e histérico das denúncias, delações, fofocas domésticas ou internacionais e escândalos. É nesta atmosfera de cretinismo generalizado, desconfiança e espionagem perpétua que o homus festivus e eroticus da pós-modernidade tem a brutal dificuldade de distinguir entre o que é autêntico e a mais deslavada mentira.
Até aqui poderíamos concluir que os autores estão a radiografar a sociedade brasileira. Não. Estão a dissecar o que chamaram de “França atrofiada” que assim como o Brasil, enfrenta (guardadas as devidas proporções claro), a decadência política, social, econômica e intelectual de consequências desconhecidas. Convidam-nos a lançarmos um olhar mais abrangente sobre a crise fundamental da pós-modernidade no seu contexto global, e reconhecermos o mundo infernal que criamos ao nos atirarmos com tanto ardor na tal modernidade, ingenuamente convencidos de que a concepção de vida assente sobre a racionalidade futurista e progressista nos traria afinal o paraíso sobre a terra. Enganamo-nos redondamente. Vivemos a desconsideração dos políticos, a desconfiança em relação à mídia, o desprezo em relação aos intelectuais e o descrédito que ataca os pronunciamentos de altos funcionários públicos.
Como reação a este estado de coisas, o status quo de tal intelectualidade prostituida que já se encontra encastelada nas instâncias decisórias das áreas culturais vai incutindo nas mentes padronizadas a preguiça do pensamento autônomo pois, para tudo já existem respostas prontas e embaladas. Indício claro de uma época em que “prevalece uma imaturidade infantil, pois é ela que caracteriza o preconceito, o que vem antes do que se possa julgar por si mesmo. Isso favorece um sentimento imediato, sem mediação, que está na origem de todos os delírios coletivos”.
A história do pensamento, simplesmente como história, é pontuada por uma linha de progressos e regressos, de amadurecimentos e revolvimentos, de ciclos criadores e destruidores. Contrariamente ao pensamento aniquilador dos apocalípticos de plantão, os autores desta obra admirável, empenham-se em demonstrar que neste ciclo de morte de um modelo social, há também um outro de renascimento. Nas forças que agitam-se profundamente no corpo social percebe-se claramente o despertar de uma nova consciência do viver-junto e esta, pauta-se no ideal coletivo das comunidades de base (tribos?) onde existe o pacto emocional do imaterial, do preço enfim das coisas sem preço. E cabe alerta importante também nesta questão. Cogita-se possibilidades. Não se veja nesse mosaico tribal que se desenha nas sociedades, outra resposta pronta e acabada pois também daí podem ocorrer extremismos selvagens.
Importa reter, pensar e aprofundar o pensamento de que, apesar e a despeito das incertezas atuais que espalham melancolia, medo e depressão, e a custa de novas crises, de quedas, de desastres de toda sorte (porque a nossa sólida e teimosa canalhice ainda não permite que seja de outro modo), já desponta na prática a compreensão de que o negócio mais rentável, mais sábio e mais rendoso é a honestidade; que a posição mais utilitária é a que leva em conta os interesses de todos, a que se funde, em lugar de se isolar no organismo social. Trata-se afinal, e esta é a maior contribuição desta obra, de entrever a possibilidade de uma sociedade mais evoluída onde a fase ética e utilitária seja a da cooperação.
Essa é a transformação fundamental que o nosso amadurecimento está a impor. Quem tiver olhos de ver, que veja e sinta que este pode ser o gérmen de um ilimitado porvir.

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