Paulo Sousa 01/09/2020
Leitura 39/2020
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Tieta do Agreste [1977]
Jorge Amado (Brasil, 1912-2001)
Companhia das Letras, 2009, 646 p.
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?Não fora travessa, não fora moleca nem menina. Não tivera infância, tampouco adolescência; não provara o gosto do primeiro beijo recebido ou dado em ímpeto de ternura. Não tivera namorados, não ouvira palavras sussurradas, cálidas. Aos treze anos já lhe apalpavam inexistentes seios? (Posição Kindle 3137).
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Se você nasceu nos anos 80 com certeza deve ter ou ouvido falar ou assistido à novela que deu vida ao livro de mesmo nome. Em linhas gerais, o livro conta a história de Antonieta, uma adolescente que, denunciada pela irmã Perpétua ao seu pai, é surrada e escorraçada de casa por seu genitor. 25 anos depois, a menina agora mulher, rica e poderosa, volta para Santana do Agreste, pequena cidade à margem de Mangue Seco, o idílico paraíso fincado no litoral norte da Bahia, que é literalmente sacudido em rebuliço pela explosiva presença de Tieta. Isso porque podemos imaginar o bucolismo e o ar nostálgico comum a cidades pequenas, esquecidas pelos rincões do interior onde abundam beatas, meninos travessos, bêbados, políticos cínicos e ferrenhos e aquela pitadinha de ?interesse-na-vida-alheia?...(risos).
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Comum aos demais livros da fase engajada de Jorge, o livro também aborda a preocupação com o meio ambiente com a iminência da chegada à cidade de uma indústria de dióxido de titânio, assunto que divide as opiniões entre aqueles que defendem o progresso e os que não permitem que o seu paraíso seja maculado pela substância tóxica.
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Aliás, o livro é marcado por personagens fascinantes, divertidos, bem construídos, com aquele ar de galhofa e cinismo, comuns aos melhores livros de Jorge, e que deixam a trama dinâmica e repleta de cenas, entremeadas pela fala do narrador onisciente que teima em se ?intrometer? na narrativa para explicar algum hábito, palavra ou fato!
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Mas o ponto alto da obra é mesmo Tieta, seus fantasmas, seus desejos insaciáveis, as tantas perdas, entre elas a da própria infância e que foi o estopim para a vida dupla que procura levar, já que diferente do que contou à sua família e aos moradores locais, e que na verdade era dona de um bordel em São Paulo. Obviamente que em alguma hora esse segredo viria à tona, levando a personagem a viver um novo escândalo na cidade que a baniu e a abraçou. O tema da dualidade é muito comum em todo o livro e em até outras obras de Jorge Amado, como em Tenda dos Milagres, por exemplo, um livro que gostei demais em ler. Aliás, qualquer dos livros de Jorge vale a pena ser lido, pela envergadura do escritor em legar às letras brasileiras obras de fôlego como Tieta.