Tamara 08/07/2016
Over the rainbow é um livro de contos, por isso requer uma resenha um pouco diferenciada do que costumo fazer. Em primeiro lugar devo falar das minhas impressões gerais.
Assim que vi esse lançamento sendo apresentado pela editora Planeta imediatamente sabia que precisava ler, porque achei a temática de apresentar releituras de contos de fadas com personagens LGBT muito bacana e interessante e algo até mesmo inovador. Então logo solicitei na parceria e o recebi, apesar de eu ser bastante crítica com livros de contos e ler só de vez em quando, porque poucos me chamam atenção.
O livro é dividido em cinco contos de fadxs, sim, é chamado fadxs porque fadas seria apenas no feminino, e é justamente isso que o livro vem desmistificar e cada conto é escrito por um autor diferente. A leitura é muito rápida e quando vemos o livro já acabou, porém eu esperava de certa maneira mais dos enredos no geral. Boa parte dos contos focou muito em pessoas ricas e isso me incomodou, ou pessoas ricas que começavam amar pessoas pobres. Tudo bem que é uma releitura e nos contos vemos essa riqueza, mas me incomodou de certa maneira. Também fiquei sentindo falta de algo que me impactasse na maioria dos contos, eu gostei, aprendi sobre as temáticas e acho que sim é uma leitura maravilhosa de se fazer mas não teve aquela paixão a primeira vista.
Além disso minha leitura foi em ebook e encontrei poucos erros que não atrapalharam na minha leitura, e fiquei querendo muito saber o que significaria originalmente Over the rainbow e creio que o título poderia ter sido traduzido também.
Agora comentarei um pouquinho sobre o enredo de cada conto, sem spoilers e o que achei sobre aquele conto especificamente e personagens.
"Antes mesmo do infarto que o matou, a madrasta já indicava que o jeito amolecado de Catarina a incomodava. “Rui, você precisa dar um jeito nessa menina”, vivia dizendo para o marido. “Ela nunca penteia o cabelo, veste-se como um moleque, vive suada com essa bola debaixo dos braços. Isso não pode, tá errado.” O pai de Catarina não falava nada, mas ria e piscava para a garota como quem diz “não liga”. E depois, na cabeceira da cama antes de ela pegar no sono, falava baixinho enquanto fazia carinho em seu cabelo: “Você é a menina mais bonita do mundo. Pode andar como quiser, ser o que quiser; sua beleza nunca vai ser ofuscada porque ela está fora, mas também está dentro”. Catarina ria e no dia seguinte se olhava no espelho. Não desgostava do que via. Sabia que era mais bonita do que a média das meninas de sua idade, sabia que seu corpo começava a ganhar formas femininas que na rua chamavam a atenção, sabia que era amada pelo pai e sabia de uma coisa a mais."
O primeiro conto é chamado de "Mais do que manteiga com mel" e é uma releitura da história de Cinderela, escrito por Milly Lacombe. O enredo traz Catarina, uma menina órfã que passou a morar com a madrasta e suas filhas após a morte do pai, e a madrasta a odeia e faz de tudo para desprezar e magoar a garota, principalmente pelo fato de ela ser diferente e não gostar de coisas comuns como salto alto, maquiagem e vestidos. Catarina gosta mesmo de meninas, e contrariando tudo o que é esperado de si se apaixona por alguém que é muito próxima da madrasta e alguém que parece não gostar de meninas, então Catarina acaba sofrendo com a intolerância devido ao que ela é e também sofre por sua paixão não correspondida.
Gostei dessa história, embora o forte teor sexual que ela traz tenha me incomodado, em vários momentos a autora aborda os desejos sexuais e as vezes até os atos que a personagem tem vontade de fazer e achei que em um conto de poucas páginas isso não era necessário. As personagens desse conto que mais me cativaram não foram as principais mas sim Rita e Perdição, as pessoas que se tornam amigas de Catarina e a ajudam nos momentos ruins.
"- Meus filhos são bons meninos. Nunca tiveram notas baixas na escola, apesar de serem meio inconsequentes - os garotos se entreolharam -, mas isso é coisa da idade, logo o juízo e a responsabilidade chegam. Mas sei que nunca faltaram ao respeito com ninguém! Não vejo problema nenhum Maria gostar de outra menina e João de outro menino. Prefiro ter um filho gay a ter um filho ladrão, um filho problemático. João nunca me deu problema. Você é que está me dando problema."
O segundo conto é chamado de O amargo da intolerância, releitura do conto de João e Maria, e foi escrito por Renato Plotegher Jr. Nessa história temos João e Maria, dois adolescentes filhos de um viúvo que casou novamente após a morte da mãe dos seus filhos. João e Maria são adolescentes que estão descobrindo sua orientação sexual e andam as vezes vestidos com roupas masculinas, as vezes femininas e seguem aproveitando sua vida e as descobertas. Porém a madrasta é alguém intolerante e não aceita aquilo que ocorre dentro de sua própria casa, até o dia em que atraindo os dois para uma emboscada, por meio de algo que eles tanto adoravam, alguém tenta fazer com que esses dois mudem e sejam o que a sociedade espera.
Achei esse conto super bacana, até mesmo por essa temática da intolerância religiosa que ele traz e dos preconceitos que são mascarados com justificativas de que as religiões não aceitam. Achei apenas um pouco exagerada a forma como tudo terminou, mas essa sou eu sendo crítica com os contos novamente. Gostei bastante dos personagens principais pois eles apenas viviam suas vidas e jamais incomodavam qualquer pessoa, mas mesmo assim havia essa contrariedade da sociedade em relação a eles por serem o que eram, o que não deve acontecer nunca.
"- Era tudo o que eu mais queria. Mas eu não queria apenas por hoje. Eu quero esse momento dentro de um “pra sempre”, que alinhave uma vida repleta de felicidade."
O terceiro conto é chamado de Atormentado e é uma releitura de A bela e a fera, escrito por Eduardo Bressanim. O enredo deste conto nos apresenta dois rapazes que são gays. O primeiro, Rodrigo, é decidido e sabe muito bem o que é e o que quer e recebe o apoio dos que estão ao seu redor. Já o segundo, Bruno, não assume sua preferência sexual por ser rico e ter uma forte expectativa sobre si e por ter medo do que irão pensar a seu respeito. Até que o mundo desses rapazes tão diferentes se cruza e cada um terá muito para mostrar ao outro sobre aceitação, sofrimento e amor.
Acho que esse se tornou meu segundo conto favorito. Além de ele ter um final super fechadinho sem deixar muito para a imaginação do leitor sobre o que acontece depois, o que adorei, achei também uma história meiga e de aprendizado. Nas poucas páginas conseguimos acompanhar a evolução dos personagens e a lenta aceitação de Bruno do que ele é e de que não deve ligar para a sociedade, além de eles poderem contar com o apoio das pessoas ao seu redor.
"Os homens dominaram os pacientes com choques, mesmo os que não estavam envolvidos na confusão. Ana saiu do lugar atordoada com tamanha crueldade com as pessoas lá internadas e ainda mais por ver Augusto naquela situação."
O quarto conto é chamado de O Loirinho do joá, releitura do conto de rapunzel e escrito por Maicon Santini. É a história de Augusto, único filho de um casal da elite carioca que é gay mas não pode assumir suas preferências para manter a reputação dos pais, então contenta-se em dar muitas festas na mansão dos pais e de ter encontros com garotos aleatórios. Até o dia em que o pai descobre de um dos encontros que Augusto teve e que passa a odiar o filho, ao mesmo tempo que augusto descobre ter uma doença e se vê então perdido.
Esse é outro dos contos que merece aplausos principalmente pela temática do HIV que temos nele, além disso mais uma vez temos as pessoas que são essenciais para apoiar o personagem principal. O final é super bem escrito também mas achei de certa forma uma saída um tanto fácil e felizes para sempre novamente.
"Sempre julgou infeliz quem busca voltar com ex-namorados, e esse era o único paralelo que conseguia fazer com o abandono. Procurar de volta alguém que não quis você era escavar com as mãos um jardim de espinhos, esperando encontrar alguma flor que valesse a pena o sofrimento. Mas seria tudo em vão."
Por fim o último conto, chamado A Ressurreição de Júlia, uma releitura de Branca de neve, escrito por Lorelay Fox traz Júlia, que queria apenas poder fazer uma cirurgia de mudança de sexo, mas é rejeitada pela madrasta má e abandonada em uma cidade desconhecida, ela fica vivendo na rua por muito tempo, até o dia em que recebe a indicação para ir até a casa de sete mulheres, que logo Júlia descobre que trabalhavam com prostituição. Sendo muito bem acolhida e protegida, Júlia passa a ajudá-las nas tarefas de casa e finalmente se vê em meio a uma família de verdade, mas alguém ainda pretende frustrar seus planos e destruí-la, apenas pelo que ela é.
Está aí meu conto favorito de todo o livro. Em primeiro lugar adorei ele pela temática social que aborda, a temática da pobreza, da fome, do desespero dos moradores de rua, além de trazer a vida de um transexual e também de passar esse sentimento tão intenso de família que Júlia encontra na casa em que é acolhida. Nesse conto não consegui destacar um personagem favorito, pois excetuando os vilões cada um que construiu a história tem seu modo especial de ajudar Júlia e todos me cativaram, além de o final da história ter sido bastante surpreendente.
"O que resta aos moradores de rua, prostitutas, travestis e homossexuais é se juntar, criando algum vínculo de companheirismo e, principalmente, aceitação. Formar entre amigos sua nova família e tentar, como num quebra-cabeça de peças incertas, construir uma imagem que console, acalente e apazigue as cicatrizes dolorosas do antigo círculo desfeito era um dos principais objetivos das sete."
Bom, leitores, está aí um pouquinho de cada conto, espero que gostem e que leiam esse livro, recomendo ele para todos que já conhecem ou que desejam conhecer a temática LGBT, além de ser um livro maravilhoso na desmistificação de preconceitos e que nos apresenta uma série de temas importantes e atuais.
site: Resenha original em: http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/06/resenha-over-rainbow.html