pablobrodrigues 15/03/2020
«A mão esquerda de Vênus», de Fernanda Young
YOUNG, Fernanda. A mão esquerda de Vênus. São Paulo: Globo Livros, 2016.
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Leio um livro de 2016. Tento escrever a reação a um livro escrito em 2016. Penso que o estilo deste texto pode ser chamado? “resenha”. Este texto poderia ser uma resenha de livros. Porém, não sei escrever resenhas. Um amigo meu escreve resenhas para um site de resenhas. E não conseguiria escrever da forma como ele escreve para um site de resenhas. Sou capaz de dizer tanto, e me esquecer sobre o livro que eu li. Se achas que isso é uma resenha, a generosidade é sua. A generosidade é totalmente sua.
Tudo começou quando um Amigo do Ceará disse estar lendo o livro A mão esquerda de Vênus, da Fernanda Young, para uma disciplina do doutorando. O nome não me trouxe nada à mente. Costumo dizer que prefiro os autores mortes, aqueles incapazes, sejam por mediunidade, ou por procuração registrada em cartório, argumentarem contra o que leio, digo e escrevo. Os mortos, normalmente, estão mortos.
Meu Amigo do Ceará me atribui um poema da Fernanda. “Você que escreveu?”. Eu pergunto. “Eu não conseguiria. Muito lindo! E muito vc”. Ele responde. O poema é o de número “13” e diz: “Odeio ouvir campainha ao longe./ Ou ele toca por mim, ou não deve tocar”. Aqui em casa a campainha quase nunca toca por mim. Ela toca quase sempre para o meu pai. Ao ouvi-la tocar eu nem mais levando na cadeira. E na hora do almoço eu digo: “É para você pai”. Como não restasse dúvidas de aqui em casa a campainha tocasse apenas para ele. Estive certo quase todas as vezes.
Encontro o livro de Fernanda e começo a ler. Seu título é inusitado. Muitas são as “Vênus” que encontramos no céu ou na terra. E precisar o elemento braço, sabendo que há Vênus sem braços; sabendo que há Vênus de grandes seios; sabendo que há Vênus somente esfera é inusitado: “A mão esquerda de Vênus/ Que afaga seus cabelos e/ Toca-lhe uma punheta canhota,/ Não sabe respeitar o Tempo./ Do Tempo, e sua gravidade Saturnina”.
A escritora vai se tornando mais familiar. Descubro que Fernanda está morta. Falecimento em 25 de agosto de 2019. (Teria matado a escritora com meu desejo de leitor?). A imagens do Google deixam seu rosto de poeta mais familiar. No site da editora encontro outras informações, me fazendo lembrar que o livro é cheio de fotografias, imagens, anotações e bordados. Daniel Trench é o projetista gráfico. Minha internet é lenta e só aos poucos consigo ver o site do Daniel. E um livro é, realmente, cheio de histórias: “Fernanda Young quebra em 2016 um jejum de quatro anos longe do mercado editorial. Seu mais novo “A mão Esquerda de Vênus” já está à venda”. Alguns ditos da escritora:
“Este livro que, agora, neste exato momento, enquanto escrevo este texto, – para agradecer, para oferecer alguns segredos a mais – está quase para deixar de ser só meu, para tornar-se “coisa”, para ser de todos que o quiserem ler […] Bom, dever não é lá um verbo com o qual eu concorde muito, principalmente quando estamos lidando com arte. Na arte, não se deve nada, afora salvar o artista de uma angústia insustentável. […] E porque esses poemas me salvaram, talvez sirvam para mais alguém. Também por isso, mas não só por isso, teimei em publicar A mão esquerda de vênus neste ano, em que comemoro o aniversário do lançamento do meu primeiro romance, em 1996. São treze livros em vinte anos, e eu amo o número treze” (YOUNG, 2016, p. 210).
O meu sumário registra 45 poemas. Em sua maioria expressão de um eu-lírico feminino, a dizer sobre passado, lembranças e amor. Destacaria muitos poemas, entre eles versos do poema de número “18”:
Há certas águas que não matam a sede,
Você já notou?
Como a saudade que não nos conduz a
Nenhuma epifania.
Saudade deveria sempre render um verso
Perfeito, visto que para nada serve.
Acordamos cansados por senti-la,
Se é que dormimos.
Ela nos rouba o presente, nos cega o futuro.
Estou assim agora: presa ao passado quando
Estive com você.
É claro, sou sábia, que nada do que lembro
É verdade.
O criei numa memória, toda feita de
Papelão pintado.
Uma maquete de arquétipos Românticos (YOUNG, 2016, p. 232).
A poeta que descubro estar morta, quer estar viva. Alguns versos roubam meu olhar. Outros, como é de costume, nem tanto. Associo os poemas a autores que li. Penso naquele outro livro de poesia que poderia ler. Cheguei ao fim. E agora? Decido escrever sobre o livro. Talvez faça viver a poeta morta. E na tiraria de um Eu que quer dizer, dois passados atrás para ouvir. Como o poema a me fazer lembrar de Franz Kafka, o autor que estudo: “É quando uma barata tem o peso exato para quebrar alguém. E ela quebrou! Tudo que parecia ser possível aguentar, mesmo que de forma já visivelmente esgotada, e frágil, foi por água abaixo com a barata na banheira”. (YOUNG, 2016, p. 273). A poeta agora está em minha memória “como o erro mais caro” (YOUNG, 2016, p. 258).
OUTROS TEXTOS
“Contudo, a ideia de A mão esquerda de Vênus nasce de um “encontro”. Há alguns anos, a escritora encontrou, em uma caixa cheia de livros de sua amiga Monica Figueiredo, um maço de cartas amarrado em uma fita de cetim. Em meio à biblioteca que criou para abrigar a doação de dezenas de livros da família Figueiredo, ela e sua irmã, Renata Young, descobrem cartas de amor instigantes e misteriosas de Laurinha, mãe de Monica, que as autorizou a seguir na leitura. Young acredita que a arrebatadora identificação com a autora daquelas cartas, tardiamente descobertas e escritas em lindos papéis finos, foi o elemento desencadeante do livro”. (http://globolivros.globo.com/livros/a-mao-esquerda-de-venus)
Desta vez Fernanda brinda os leitores com poemas íntimos e revela originais que mostram seu processo criativo. São versos permeados por desenhos, anotações, fotografias e bordados produzidos na última década. O projeto gráfico tem assinatura de Daniel Trench. (https://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2016/04/1765431-conheca-a-mao-esquerda-de-venus-novo-livro-de-fernanda-young.shtml)
“A mão esquerda de Vênus”, por Marília Gabriela (https://www.youtube.com/watch?v=HC69uYt547s)
site: https://pablobrodrigues.wordpress.com/2020/03/15/resenha-a-mao-esquerda-de-venus-de-fernanda-young/