Lobas

Lobas Rafael Campos Rocha




Resenhas - Lobas


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Tauami 27/04/2017

Mulheres no comando!
Criaturas zoomórficas sempre estiveram presentes na história humana. Ora retratados como divindades poderosas e boas, ora mostradas como seres abomináveis e nefastos. A união entre o humano e o animal cria algo maior do que apenas a soma de partes sortidas de cada um deles. Esses seres são avatares, símbolos recorrentes em várias culturas. Serpentes, crocodilos e pássaros diversos sempre surgem nas mais diversas mitologias. Mas de todas as bestas místicas, uma sempre se sobressai como companheira do ser humano: o lobo. Sempre respeitado por seu conhecido espírito de equipe, mas também por sua voracidade, esse animal parece ser um reflexo nosso.

Talvez por isso os casos de licantropia sejam tão relatados. Durante a Idade Média, período onde houve a maior quantidade de casos registrados, a França teve o número absoluto de ocorrências documentadas. Existe uma razão específica para o lobo ser o animal escolhido? Talvez sim, talvez não. O que importa é que ele ainda instiga nossa imaginação e possibilita que obras artísticas surjam através de sua imagem. Um desses trabalhos é o que falaremos aqui. Trataremos do livro Lobas, lançado ano passado pela editora parceira Veneta.

Na trama, ouvimos uma história que é contada em uma roda de acampamento. Roma, uma jovem acompanhada de suas amigas em seus últimos dias de férias, nos relata com a propriedade de uma testemunha a insana aventura de Lupina e Hermínia, duas licantropas. Ambas estão inseridas na Matilha, uma organização de mulheres-lobos que gerencia a interação dos lobisomens com o mundo dos humanos. A primeira faz parte de uma casta de reprodutoras, que perpetua a espécie, e a última é um soldado que mantém os desígnios das líderes em funcionamento. Dividida em quatro grandes capítulos, a história tem seu início quando Hermínia é deslocada para verificar o porquê de Lupina não estar cumprindo sua função enquanto reprodutora. As razões por detrás disso terão desdobramentos políticos imensos, causando um abalo à própria Matilha.

A narrativa é uma mistura de terror, aventura e fantasia. Sendo uma história bem simplificada e voltada para um público young adult, Lobas tem uma linguagem extremamente palatável, que dá muita fluidez à leitura. As personagens são extremamente detalhadas em seus gostos e personalidades. Miudezas a respeito do modo como elas andam ou olham umas para as outras geram uma agradável aproximação do leitor à história. Esse mesmo cuidado é dado ao se descrever a estrutura social da Matilha. Constituída unicamente por mulheres, a cúpula que rege a sociedade dos licantropos precisa lidar com os conflitos que surgem com o contato entre elas e os sempre ambiciosos líderes humanos. Tendo que administrar a dicotomia humano/animal, as poderosas lobas matriarcas são uma mistura de mestres tribais e políticas engravatadas.

Outro ponto alto do livro é o modo como ele espelha a realidade. Conflitos da classe dominante com as minorias é uma constante na história. Racismo, xenofobia, machismo e preconceito de classe são temas recorrentes na leitura. Isso, inclusive, é representado de modo muito interessante pela capacidade que as lobas possuem de alterar suas formas. Sendo aptas a terem a constituição física que bem lhes apetece, as licantropas sempre escolhem formas muito sexualizadas para se apresentarem ao mundo – sinal claro de que elas entendem a forma como nossa sociedade é constituída. Essa sexualização das personagens pode também ser vista como algo negativo; como uma tentativa de fazer com que o leitor/leitora se interesse pelo desenvolvimento da trama devido a esse aspecto, mas não acho que esse seja o caso, uma vez que nos é dito no livro que as lobas escolhem ter os corpos que têm.

Ao final, Lobas se mostrou ser uma obra divertida, extremamente fácil de ser lida,escrita para um público mais jovem. Sendo o primeiro volume de uma trilogia, esse livro tem potencial para ser uma ótima introdução aos novos leitores no gênero do terror.

Ficha Técnica:
R. C. Rocha
Lobas
2016
Editora Veneta

site: http://101horrormovies.com/
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Renan Barcelos 07/10/2016

Lobismulheres Brasileiras
Primeiro volume de uma trilogia, Lobas é a estreia de R.C Rocha na ficção, que traz uma obra de aventura e fantasia utilizando o mitos dos lobisomens em território brasileiro. O livro busca trabalhar em cima destes seres sobrenaturais de forma a deixar de lado os mortos-vivos e vampiros que tem sido tão super-utilizados na cultura popular, além de mostrar uma abordagem diferenciada das criaturas, que em Lobas se agrupam sob uma sociedade muito semelhante a uma espécie de ditadura matriarcal. A obra consegue ser muito bem sucedida em apresentar sua própria versão da criatura-lobisomem, além de colocar o protagonismo nas patas das fêmeas da espécie, no entanto, o enredo da história acaba pecando em alguns momentos, tanto em coisas pequenas, quanto em outras maiores.

A história se foca principalmente em Hermínia e Lupina, duas lobisomens de categoria diferente dentro da Matilha do brasileira. Enquanto uma é uma reprodutora, selecionada pela Matriarca por suas qualidades genéticas para gerar novos filhotes para a Matilha, a outra é uma castrada, uma soldado obediente às regras da Matilha que precisa garantir que todos cumpram a sua função. Contudo, cansadas de seguir as imposições das lobas signatárias, as duas acabam se rebelando e se unindo para escapar de suas posições sociais na Matilha, aos poucos descobrindo que foram usadas em uma trama que irá desestabilizar os lobisomens no Brasil.

Em meio aos eventos que levam ao momento de rebeldia da dupla, também entram em cena Daren, um jovem imigrante negro que se apaixona por Hermínia e Karina, uma delegada especializada em crimes ambientais. No entanto, por trás dos holofotes, a presença da terrível Coisa, uma criatura sobrenatural terrível que habita outro mundo, usada pela matriarca e pelas lobas signatárias para por ordem na matilha e punir os infratores, parece estar se comportando de forma estranha. Fato que acontece em má hora enquanto Desdêmona, uma importante anciã, busca tomar o cargo de Eugênia, a Matriarca da Matilha desde sua criação.
O livro é contado como uma história dentro de uma história. Em uma fazenda em algum interior do Brasil, Roma, uma garota alta e de beleza estranha, conta para suas amigas a história principal do livro, sobre Hermínia e Lupina. Existem um pouco de graça neste contar de história ao redor de fogueira, mas este segmento do livro acaba não sendo tão interessante quanto a trama principal, embora tenha o seu lugar. No entanto, as interrupções que as amigas de Roma fazem ao meio da história funcionam muito bem para compor os cortes de cena da dupla de “lobismulheres”. Há uma crítica nesta divisão, contudo. O autor pouco se esforça para fazer parecer que as partes narradas por Roma poderiam ser algo que uma pessoa realmente está contando ao redor da fogueira. A trama principal segue um estilo em terceira pessoa que acompanha os personagens, ocasionalmente vacilando e se valendo de algum recurso que parece um tanto inapropriado para o momento.

No entanto, independente deste “inconveniente” que de certa forma diminui um pouco a obra, a narrativa de Lobas funciona para os propósitos do livro e R.C Rocha consegue manter um ritmo dinâmico mesmo usando várias passagens sem muitos diálogos. Em alguns momentos o autor tropeça um pouco nas descrições de locais e das ações, mas como os personagens tem um foco muito grande na obra, em maior quantidade estão os momentos de introspecção, que são bem escritos e bem fundamentados.

Os protagonistas que Lobas apresenta são bem construídos e suas ações são todas justificadas pela sua história e por sua personalidade. Talvez exista um pouco de “exagero” demais neles. Todos acabam sendo muito competentes e muito “especiais”. No entanto, para uma história em que o dinamismo e a ação são prezados, isto é algo perdoável. O que não acaba sendo tão perdoável é o romance de Daren e Hermínia. Aparentemente, de tanto se esforçar pra fazer algo diferente do comum, o autor apresenta mais do mesmo. Daren acaba não escapando da ideia de Príncipe Encantado, embora seja bastante diferente do clichê. A questão, é que para o ponto de vista da loba, Daren é o sujeito que trata ela “como ninguém nunca fez antes” ao se portar de forma normal com ela e, mais tarde, conseguir acertar um jab em sua testa. Do ponto de vista de Hermínia, ele é o diferente que encanta.

A primeira metade do livro segue muito bem. Rocha consegue ir introduzindo os conceitos da obra, apresentando a cultura dos lobisomens do universo que criou, definir os protagonistas, suas relações, suas personalidades e colocar em andamento a história que quer contar. Contudo, quando a trama vai se aproximando do final, o autor acaba perdendo um pouco a mão, e os conflitos e situações que foram muito bem preparados na primeira parte de Lobas acabam sendo resolvidos de forma muito apressada ou não tendo o impacto que deveriam ter. É quase como se o autor subitamente tivesse percebido que não possuía mais tempo ou espaço suficiente para o que pretendia, e acabou tendo que fazer uma mudança de planos e diminuir boa parte do que deveria estar na história. Mesmo não sendo satisfatório, o desfecho para Hermínia e Lupina ao pareceram ter um desenvolvimento completo, já o no que toca Desdêmona e a Coisa, a sensação que fica é que faltou algo para que tudo pudesse, de fato, ser entendido.

Apesar dessas falhas bastante perceptíveis, o livro é agradável e tem seus méritos. A sociedade matriarcal de lobisomens que o autor compôs traz ideias interessantes para o gênero, que, unidas à realidade brasileira, constantemente presente na obra, seja por referências à figuras políticas, acontecimentos recentes ou partes boas e ruins da nossa cultura, fazem com que Lobas seja algo verdadeiramente nacional. Apesar dessa onda de seres sobrenaturais ter um estilo bastante “estrangeiro”, isso não acontece de forma nenhuma em Lobas, e tanto a história quanto o clima quanto os personagens parecem algo verdadeiramente brasileiro. Um grande mérito da obra.

Este lado “lupino” não é isento de críticas, contudo. Apesar de no Brasil existirem lendas sobre lobisomens, elas foram trazidas de Portugal. Não existem lobos no Brasil, o lobo-guará, apesar de seu nome, não é um lobo de verdade. Portanto, se torna um tanto quanto estranho que exista uma raça aparentada ou relacionada com lobos que tenha surgido no solo brasileiro. Isto poderia receber alguma explicação razoável, qualquer uma bastaria, mas o autor deixa a questão sem tratamento durante o livro. Talvez o assunto seja abordado melhor em suas continuações. Outra questão que levanta estranheza é que por algum motivo todas as lobisomens fêmeas parecem impressionantes e belíssimas e, em geral, gostosas para os humanos de uma forma bastante exagerada. E o único motivo dado para isso é justamente a sua própria aparência, sendo sempre altas, um tanto musculosas e bem torneadas. Mas é um pouco estranha reduzir o gosto de toda humanidade a estas características ao ponto das lobas praticamente pararem o trânsito de forma literal. Algo baseado num magnetismo sobrenatural ou uma atração com um quê de selvagem ou coisa parecida bastaria para tornar este ponto mais factível. Não é o que acontece, contudo.

Lobas está longe de ser um livro perfeito, e alguns de seus problemas são bem notáveis. Contudo, dentro do que a obra busca apresentar, uma história divertida de entretenimento, eles podem ser deixados de lado frente a algumas de suas qualidades. Talvez o livro não agrade a todos. Mas Lobas é uma obra divertida para os leitores brasileiros que estejam buscando histórias diferentes sobre lobisomens e outras criaturas sobrenaturais, e o cenário bem ambientado no território nacional é um atrativo a mais. Muito distante de Crepúsculo, a obra de R.C Rocha está mais próxima dos livros de André Vianco e pode agradar aos fãs desse autor.

site: http://ovicio.com.br
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