mpettrus 07/03/2022
A atemporalidade da Loucura de Machado de Assis
Quando descobrir Machado de Assis nas minhas andanças literárias, eu senti uma dificuldade enorme de acompanhar a sua narrativa. Eu tinha acabado de completar 15 anos e já cursava a 1ª série do Ensino Médio. O primeiro romance que li dele foi “Memorial de Aires”, que por ironia do destino, foi o seu último romance.
E lembro com muita nostalgia toda a paciência e vontade de ensinar que profº Barros, de Língua Portuguesa e Literatura, tinha para comigo em me fazer compreender o que as obras machadianas tanto queriam me dizer. Levou-se um bocado de tempo até eu finalmente me apaixonar pela literatura machadiana e hoje em dia, Machado de Assis é o meu número um dos meus escritores favoritos da literatura.
Li a sua novela “O Alienista” pela primeira vez dia 11 de maio de 2006, da edição da Martin Claret (inclusive está classificado aqui na minha conta no Skoob), por conta do vestibular da Federal, que tinha essa obra como leitura obrigatória no seu conteúdo programático de Literatura Brasileira. Hoje, 16 anos após de ter lido essa história, resolvi reler e a magia permanece intacta, e não só: descobrir novos pontos de vista sobre essa novela assim que finalizei a leitura da última página dessa loucura de história, que compartilharei a seguir com vocês.
A obra machadiana “O Alienista” numa primeira leitura trata do tema “loucura”. É o ponto de partida para a crítica irônica de Machado de Assis aos ideais cientificistas que orientaram o século XIX. A crítica a crença desmedida nos preceitos da ciência é feita através da personagem central da novela machadiana, que é o médico e cientista Simão Bacamarte, talvez o único louco de toda Itaguaí.
Dentro dessa crítica a ciência, discute-se também sobre o poder, nas diversas instâncias em que é referido na obra: o poder da ciência; o poder da medicina, que tomou para si a problemática da loucura; o poder político; o poder de uma retórica exagerada e, sobretudo, vazia.
Todas essas são facetas que Machado, magistral e ironicamente, relaciona à loucura, sendo esta tomada como uma espécie de ditadura de ideias fixas. O autor entende que a loucura faz parte da natureza humana, justamente pelo fato de estar relacionado à obsessão e ao exagero. Inclusive, essa visão que Machado tem acerca do tema “loucura”, me lembra a visão de Erasmo de Roterdã acerca do mesmo tema. Para ambos autores, a loucura é tratada não como desvio, mas como parte integrante da natureza humana.
Outro ponto que merecer ser comentado por mim, admirador confesso das obras machadianas, é a força com que a literatura de Assis chega até nossos dias com um caráter de atualidade por poucas obras alcançado. Machado introduz na literatura brasileira a problematização da vida por meio de análise psicológica de suas personagens, dando destaque ao mundo interior das mesmas em detrimento do fato ou acontecimento narrado. Ele trouxe atemporalidade à sua obra, construindo uma forma não-datada, permitindo sua permanente atualização.
O Dr. Bacamarte é uma pessoa inteiramente consagrado aos livros, rodeado de autores célebres, acatando as prescrições da ciência como leis confundindo todo esse conhecimento na sua própria noção de ciência. É a sua leitura dos preceitos rigorosos da ciência que o faz um exemplo vivo do objeto dos seus estudos: a loucura. A loucura manifestada aqui é a loucura do gênio, a loucura da inteligência, é a sua atitude extremamente racional. E é o extremo racionalismo e não devaneio, que leva o médico ao desatino, pela qual a loucura é apenas um distúrbio da razão, dentro dela mesma.
Por fim, essa obra de Machado de Assis é de uma riqueza fantástica incrível e atemporal, que trata do assunto da loucura e de todo o desdobramento por conta desse tema, me fazendo debater meu próprio sentido de existência, me perguntando até que ponto eu sou obsessivo na luta pelos meus ideais.
Feito esse questionamento, admito que me apavorou ter o mesmo fim de Simão Bacamarte, que trancou-se ele próprio, no retiro que construiu, a Casa Verde, vítima de uma concepção errada de loucura que formulou, baseado em sua crença cega no domínio da ciência sobre todas as coisas.