Luiz Pereira Júnior 14/05/2022
O início da coisa toda...
“O país do Carnaval”
Um jovem riquíssimo, filho de latifundiário do cacau, volta ao Brasil depois de uma longa temporada na Europa, onde esteve mais farreando que estudando (algo que parece típico nos romances de Jorge Amado). Faz novos amigos (bastante rasos, superficiais, se compararmos aos que o autor construirá em suas obras posteriores), que passam o tempo a discutir o que é Felicidade e onde ou de que modo encontrá-la. Parecem ser aquelas pessoas que reclamam da vida, mas que nada fazem para mudá-la; intelectuais de bar que desejam reformar a sociedade mas apenas no palavrório.
Não me passou em nada a sensação de best-seller que tive ao ler “São Jorge dos Ilhéus”, em que ficava surpreso com o retrato cruel de uma sociedade profundamente injusta sem panfletarismo e sempre com vontade de ler mais umas páginas e mais umas páginas.
Desilusões amorosas, debates ideológicos, tentativa de montar um jornal por idealismo ou pela busca do enriquecimento, a busca (ou a rejeição) pelo dinheiro, a boemia baiana, o indisfarçado elogio ao comunismo (que chega a operar um milagre em um dos personagens), uma visão um tanto surpreendentemente preconceituosa da mestiçagem... enfim, essa é uma das obras mais datadas que li dele.
Um exemplo. Ao dar uma esmola para uma pedinte com um filho pequenino em seus braços, Paulo Rigger (o protagonista) estabelece o seguinte diálogo com ela:
“_ Deus lhe faça muito feliz... lhe pague em Felicidade.
_ Impossível, minha irmã! A infelicidade nasceu comigo e só a morte me livrará dela.
_ Quem não tem fome, não conhece a infelicidade, meu senhor.
O anúncio de um remédio aproveitava a frase de Cristo:
_ “Nem só de pão vive o homem. Tomai Forçol!” Paulo Rigger repetiu:
_ Nem só de pão vive o homem... Mas onde encontrar Felicidade para tomar?”
Sim, sei que foi a primeira obra do autor baiano, escrita quando ele tinha dezoito anos, mas é estranho que uma das melhores frases da obra venha de um personagem que mal aparece em quatro linhas. E o pior, para mim, é a resposta de Paulo Rigger. Quem passa fome, não pensa em pão espiritual. E esse raciocínio vindo de Jorge Amado se torna ainda mais cruel...
“Cacau”
Ao contrário da obra que inicia o volume (“O país do Carnaval), em “Cacau” o leitor encontra o típico universo de Jorge Amado nessa fase do cacau: conflitos de classe, personagens um tanto estereotipados (para falar a verdade, acho que isso pode muito bem ser dito dos personagens criados por Jorge Amado), a violência na disputa e na conservação do poder, a busca do enriquecimento e a orientação claramente comunista são alguns dos aspectos que mais saltam aos olhos do leitor que se aventura nesse romance curtinho e bastante agradável de ler.
Vale a pena? Com certeza! Você verá que, se excluirmos o aspecto pitoresco/bairrista/panfletário/ folclórico, todos temos em comum com esse romance que, por incrível que pareça, em breve se tornará centenário. Como cantava um certo cantor (sim, eu sei do pleonasmo) de minha juventude: “Ô ô ô ô nada mudou...”
"Suor"
Primeiro, uma constatação: impossível ler “Suor” e não se lembrar da obra-prima do Naturalismo brasileiro, “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo.
A vida de vários personagens miseráveis (no sentido real do termo) vivendo em um prédio caindo aos pedaços no centro de Salvador e com um cortiço no fundo (praticamente igual ao criado pelo autor maranhense – até as lavadeiras marcam presença, a única diferença é que elas são baianas...) e morrendo pelas mãos dessa mesma penúria (tuberculose, suicídio, assassinato, infecções).
E permanece o mesmo irritante maniqueísmo do autor em sua fase panfletária: os ricos são os culpados de tudo. Basta ter dinheiro para ser ruim. E o comunismo virá para salvar o mundo de todos os males. Amém...
Enfim, um retrato bastante apurado da miséria humana, mas irritante em seu maniqueísmo e em seu panfletarismo por vezes até mesmo ingênuo, com personagens e situações que parecem ter saído diretamente das páginas do Naturalismo azevediano.
Vale a pena a leitura? Vale, sim, mas dê um desconto, leve em consideração que estamos lendo uma obra menor de um autor maior...