Beatriz Gosmin 30/11/2014Resenha do livro “Lutar com Palavras: coesão e coerência” de Irandé AntunesAssim como existem vários tipos de nós e cada qual com sua maneira de se entrelaçar, moldar e por fim, estabelecer-se como um bom e forte nó, do mesmo modo é um texto: as palavras e frases vão se completando e se amarrando para que juntas concebam um texto coeso.
Provavelmente foi esta metáfora que Irandé Antunes – doutora em linguística pela Universidade de Lisboa e autora de diversos livros e artigos – quis criar ao estampar na capa de seu livro “Lutar com palavras – coesão e coerência” quatro tipos diferentes de nós, a fim de já entrelaçar o leitor com a temática e objetivo de sua ilustre obra: apontar os diferentes meios pelo qual um texto torna-se coeso, definir o que é a coesão, como esta dialoga com a coerência e de que forma estes contribuem para a melhora da competência linguística do leitor.
O livro é constituído por onze capítulos e inclui uma apresentação especial escrita por Luiz Antônio Marcuschi – renomado autor e pesquisador da área de linguagem –, que cria no leitor logo de início, uma positiva ansiedade em relação à obra que se inicia.
Antunes inicia sua obra colocando uma importante reflexão sobre o ensino de língua portuguesa nas escolas ao aludir ao fato de que há hoje uma grande discussão sobre o porquê de tantos alunos terminarem o ensino médio com grandes dificuldades em redigirem bons e relevantes textos, apontando que, apesar disso, nada é efetivamente proposto como solução para a mudança deste quadro. Assim, a autora coloca que a escola deve trabalhar com e a partir do texto e de seus gêneros textuais, pois só desta forma é que se pode melhor a capacidade linguística do aluno: possibilitando a escrita de diversos gêneros de textos socialmente relevantes e não apenas analisando frases soltas ou redigindo textos sem uma função social – com finalidade puramente escolar.
Adiante a autora define a coesão como uma propriedade textual responsável por criar ligações no texto que resultam em uma unidade de sentido ou unidade temática, ou seja, sua função é ligar as partes constituintes de um texto: palavras, frases, parágrafos, etc., a fim de que unidos, promovam a continuidade do texto implicando em um sentido.
Antunes deixa claro, porém, que esta continuidade textual promovida pela coesão não se trata de uma questão apresentada apenas na superfície do texto, sendo ela também resultado das relações semânticas que vão se apresentando devido ao encadeamento dos seguimentos do texto. Diante isso e utilizando de uma facilitadora tabela ilustrativa, apresenta ao leitor as relações textuais pelas quais as unidades de sentido se expressam: reiteração (retomada, repetição de seguimentos anteriores), associação (palavras pertencentes há um mesmo campo semântico) e conexão (relações semânticas entre orações e outros seguimentos do texto).
Dando prosseguimento, a autora se preocupa em esmiuçar cada relação textual, definindo-as e apontando a função de cada uma no estabelecimento da coesão: a reiteração é responsável por assegurar a continuidade do texto, a associação por manter a unidade temática por meio de ligações semânticas entre as palavras e a conexão é responsável por estabelecer e manter relação semântica entre os seguimentos do texto (orações, períodos, parágrafos), além de indicar a direção argumentativa do texto.
É importante ressaltar que em cada relação apresentada a autora faz uso de inúmeros elucidativos exemplos, além de, em cada capítulo, fazer uma pertinente proposta de ensino de língua portuguesa através da analise da coesão textual. Ou seja, a autora além de explicar como construir um texto coeso, em “lutar com palavras” também desconstrói a maneira como, atualmente, a escola ensina língua materna: através de frases soltas, análises gramaticais e produção de textos sem uma função social.
Por fim, estabelece um elo entre a coesão e coerência ao afirmar que estas são interdependentes na medida em que a coerência depende dos encadeamentos e “nós” realizados por elementos coesivos: continuidade, unidade e sentido, porém deixa claro que nem todo texto não-coeso é incoerente, ilustrando com um poema que a principio, aparentava ser incoerente.
De forma bastante didática e com uma linguagem leve, Antunes conseguiu criar uma importante obra que não só atende aos interesses de estudiosos da linguagem, professores de Português e alunos, como também do público leigo que também “luta com palavras” diariamente por terem a linguagem como constituinte de seu ser.