Leandro | @obibliofilo_ 30/07/2016
Resenha originalmente postada no blog "Palavras ao Vento..."
Eu realmente adoraria iniciar esta resenha aos gritos. Sim, gritando para todo mundo o seguinte: “Leiam este livro!!!” Eu não sei ao certo como organizar meus pensamentos, opiniões e comentários sobre a história de “Apenas um Garoto”, mas preciso fazer isso, inevitavelmente. Eu iniciei a leitura crendo que iria gostar, somente. Porém, tudo foi muito além. Há livros que realmente são escritos com o intuito de promover reflexão e expor uma realidade, até então, “invisível”, e conseguem isso com êxito, sem soarem incoerentes ou desnecessários. O trajeto do protagonista é, na verdade, a busca para a aceitação da sua identidade e também a ânsia em quebrar rótulos que nos estigmatizam dia após dia.
Rafe é assumidamente gay (Yaaas) desde os treze anos de idade. Nunca sofreu preconceito ou algum tipo de pressão dos seus familiares, parentes e amigos. Seus pais, inclusive, demonstram total apoio e afeto no dia a dia. Porém, o que ele não suporta mais é ser apenas reconhecido como o-garoto-assumidamente-gay. Então, devido a isso, decide estudar na Natick (uma escola onde só garotos estudam) e omitir sua orientação sexual, sendo assim, uma “nova pessoa”.
O que Rafe não imaginava é que, a partir do momento em que assumisse, de certo modo, uma nova personalidade, mudanças também aconteceriam e consequências viriam. Ele entra para o time de futebol, faz novas amizades e o pior de tudo: apaixona-se por um amigo heterossexual.
"[...] Eu gostava de ser parte do time de futebol, mas preciso admitir que preferia mil coisas a essa parte, quando falávamos de mulheres como se fossem apenas objetos. Tentei imaginar como seria se ser homossexual fosse a regra e todos fôssemos gays. Será que também trataríamos homens como objetos?"
Pág.: 122
Creio que o principal intuito deste livro é promover uma reflexão sobre determinados comportamentos sociais que, a meu ver, soam muito mais como um câncer na sociedade. Não sei se você é heterossexual, gay, lésbica, bissexual, transgênero etc. E tampouco me importa. Agora imagine você (caso não seja) sendo gay e só ser reconhecido como gay. Exemplo: “Fulaninho que é amigo de sicrano e é gay blá blá blá...” É chato! Eu falo com propriedade porque vivo tal realidade e a critica não é porque acho frustrante ser homossexual; na verdade, a melhor coisa que me ocorreu foi ter nascido gay. Eu me reconheço como tal e percebo que faz parte da minha identidade, mas tal característica não deve ser A Determinante da minha figura como sujeito social, entende?
Rafe é um protagonista incrível. O autor construiu um personagem que pode, fácil e automaticamente, ser confundido com qualquer pessoa do seu, do meu, do nosso dia a dia. Incrível, né? Pois bem, é assim que ele se apresenta ao leitor e é possível viver toda a montanha-russa de emoções que o acomete com as mudanças que buscou para si. É notável como o fato de só ser reconhecido como gay e bem menos como o Rafe, incomoda-o. Por vezes é sufocante e ele demonstra isso. Ele não é perfeito e nem pretende ser, só quer que as pessoas o vejam como realmente é, o verdadeiro Rafe. Creio que muitas pessoas da comunidade LGBT buscam o mesmo, e isso me inclui também. É como se o seu eu fosse anulado e substituído por sua característica sexual (se é que posso chamar assim), tornando-a determinante em tudo.
O romance é um dos aspectos mais interessantes da história. Não é o foco, mas é o que determina o rumo de muitas coisas. Não vou revelar a pessoa por quem o protagonista se encanta e se apaixona (confesso que vivi o mesmo juntamente com o Rafe) porque seria cruel da minha parte, mas a forma como a interação entre eles acontece é muito sincera, palpável e nem tão clichê assim. Em muitos momentos, peguei-me preocupado e indagando sobre qual seria o rumo daquele envolvimento e se realmente daria certo ou não. De antemão, mesmo considerando muito bonitinha toda a parte amorosa da história, adianto-lhe que não se iluda e espere algo mais “pés no chão”.
Temas como o real significado de tolerância e preconceito são comentados, criticados e até debatidos durante todo o livro, eu diria; em alguns momentos, de forma indireta, em outros, de forma bem crua, não tendo como intuito velar nada. O que mais me surpreendeu foi a forma inteligente e sincera como o autor abordou tudo o que pretendia mesmo se tratando de um enredo juvenil. A história em si é muito honesta. Eu amo romances gays cheios de clichês e que me deixam todo encantado ao concluir a leitura, mas creio que precisamos de histórias mais palpáveis sobre o universo LGBT de modo geral. A realidade é bem difícil, dura mesmo. Eu tive uma boa aceitação por parte dos meus familiares e amigos assim como o Rafe (acredito que a identificação principal tenha surgido disso), mas nem toda pessoa que pertence a tal grupo social tem ou teve a mesma realidade.
Cada personagem possui um papel relevante na construção da história; alguns mais que outros, confesso. É interessante perceber que até os secundários têm destaque no enredo e não passam a sensação de estarem perdidos. Todo o amor e carinho do mundo pelo Toby e Albie (só quem for ler ou leu vai me entender). A narrativa é outra característica favorável: dinâmica, simples e instigante. Interromper a leitura é bem difícil, se é que me compreende.
Há uma crítica muito pertinente na história sobre o termo “opção sexual”. Eu tive a sensação de que o autor, a todo o momento, buscava esclarecer que o correto é “sexualidade” mesmo. Não sei, pode até ser ilusão da minha cabeça, mas tive essa impressão. E fico feliz! Sim, é preciso que as pessoas entendam de uma vez por todas que ninguém escolhe ser heterossexual, gay, lésbica etc. Não. Simplesmente são. Creio que se sexualidade fosse tópico de escolha, muitas pessoas não iriam querer pertencer a um grupo que, além de marginalizado, sofre violência a cada instante.
Eu sei que eu poderia falar muito mais sobre “Apenas Um Garoto”, mas spoilers viriam como bônus. Então não, não vou me prolongar mais. Eu só espero, do fundo meu coraçãozinho, que você busque fazer a leitura deste livro e desconstrua muita coisa da sua cabeça, de verdade. Que a história lhe proporcione tudo o que descrevi anteriormente e muito mais. E acima de tudo, que tenha um novo olhar sobre o diferente, sobre ser diferente, sobre ser você mesmo sem rotulações, discriminações. O Rafe tem muito a mostrar e ainda lhe fará refletir, sem dúvida.
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