Carous 19/01/2019GATILHO: depressão, suicídio, abuso, estupro, violência doméstica, ansiedade
Eu sei que muita gente não sabe a função desse aviso ou não compreende, mas são importantes para as pessoas sensíveis a algum desses temas.
Eu gostaria que alguém tivesse me avisado para ver além da capa fofinha e da sinopse que indicava apenas um romance dramático narrando os infortúnios de Johanna Dorne até encontrar a felicidade.
Pois a sinopse indica que Johanna é uma mulher sozinha porque infelizmente toda sua família e amigos e namorados morreram. Mas a verdade é que ela hoje é essa mulher sozinha, depressiva e reclusa porque alguém planejou a morte de cada pessoa querida da vida da senhorita Dorne até que não sobrasse ninguém.
Eu tenho pontos a criticar no livro, mas a recomendação fica a cargo de cada pessoa. Com certeza nenhum amigo meu ME recomendaria esta leitura.
Veja, há duas razões para que eu seja leitora assídua de blogs feministas como Quebrando o Tabu, Elas por elas - gostaria de me lembrar de mais. Eu já li mais textos sobre relacionamento tóxico, machismo, violência doméstica, gaslighting, manplaining do que posso contar. Tudo porque eu quero me desconstruir dos ensinamentos que absorvi da sociedade heteronormativa, gordofóbica, racista e machista. E segundo porque eu simplesmente tenho PAVOR de ler histórias de ficção que tratam dessas pautas. Por isso prefiro a leitura de textos elucidativos sobre como identificar um homem abusivo, 10 frases gordofóbicas para tirar do vocabulário e assim por diante.
Nada contra quem lê livros na linha da Colleen Hoover - ou deste - para abrir os olhos sobre relacionamentos, amor e controle. Mas eu leio para me divertir. Eu leio para me distrair justamente dessas situações que são mais corriqueiras que queremos admitir.
Mas segui em frente com a leitura, dando pausas de dias quando o bagulho ficava mais puxado.
Apesar da temática não ser do meu interesse de maneira alguma, acredito que Soraya tenha escrito corretamente como desenrola uma relação de abuso, por que a vítima não percebe de cara e os sentimentos conflitantes que ela sente.
Mas acho que ela optou pelo caminho mais fácil e queria ter lido uma nota dela ao final do livro alertando que não apenas pessoas sem família, depressivas e reclusas são vítimas de relações tóxicas. Há muitas mulheres - e homens também - com famílias gigantescas, muitos tios e primos, uma lista infinita de amigos,que não perde uma balada, interage com seus colegas de trabalho e tem a saúde mental perfeita que apanha do namorado/marido. É violentada, presa na própria casa. Afastada dos amigos e da família e ninguém percebe logo. Nem ela.
Oras, há pessoas que passam por isso e o abusador é o próprio parente!!!
Oras, há mulheres feministas que vão à passeatas, antenadas no assunto que se deparam no meio de uma relação tóxica!
Então Soraya não precisava dramatizar tanto a vida da sua protagonista para justificar ela confiar em quem não devia. Homens abusam. E não sabemos a razão. Mas a culpa não é do abusado independente das circunstâncias.
Aliás, outra coisa que Soraya fez foi retratar Johanna como uma pessoa imprudente. Estranhos com quem ela nunca ou mal tinha falado descobriam seu número de telefone, seu endereços e mais dados pessoais e ela não pensava em mudar. Ao contrário, quando um ou outro ligava para a casa dela ou aparecia na sua porta convidando para um lanche, ela aceitava como se fosse não fosse nada demais. Isso é irreal demais!!!
Claro que essa imprudência cobrou seu preço depois e tenho a impressão de que foi tudo pré-planejado para, mais uma vez, justificar a cegueira da personagem diante de um personagem claramente manipulador e obsessivo.
Achei a narrativa irregular. Alguns trechos foram muito bem escritos e outros pecaram. Se ao menos Soraya tivesse reescrito para tornar mais poético... E muito repetitivo. Sim, Soraya, eu me lembro que no parágrafo anterior Johanna se descrevia como uma pessoa sozinha,reclusa, sem amigos e família. Sequer conversava com o pessoal do trabalho. Não tinha vida. Não precisava repetir a mesma informação à exaustão.
Essas são as partes que não gostei do livro.
Apesar de Johanna se descrever como fraca, eu a achei com muita garra.
E o epílogo foi simplesmente fantástico.
Bom, não pretendia transformar essa resenha no textão problematizador que virou. Perdão.