Vozes & recortes

Vozes & recortes Tere Tavares




Resenhas - Vozes & recortes


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Krishnamurti 18/06/2016

VOZES & RECORTES um livro de Tere Tavares
VOZES & RECORTES um livro de Tere Tavares
A palavra constitui o grande veículo de expressão do conhecimento que o homem tem das coisas. E a imaginação a condição primeira de todo o conhecimento. Verdade consensual no mundo do homo sapiens. Muito bem. De que forma a literatura contribui para a difusão deste conhecimento? Contribui na medida em que lança mão da imaginação criadora transfigurando o real e transformando a realidade palpável, organizando-a dentro de novas sínteses e novos sistemas, que estão atrelados ao universo interior de seus produtores. E é assim que esta experiência colhida no contato com a imaginação criadora do escritor nos enriquece, pois nos insinua novos caminhos a seguir. Verdade também consensual, todavia muito pouco conhecida.
Avancemos mais. Grosso modo, há um modo de ser e ver a realidade tipicamente poético e outro tipicamente prosaico. No primeiro o “eu”, matriz das artes, assume-se como espetáculo e espectador ao mesmo tempo; já na prosa, há um movimento do “eu” para fora de si. Em síntese: duas cosmovisões diferenciadas, embora complementares.
Essas breves considerações nos vêm à mente ao iniciar a leitura de ‘Vozes & recortes’ de Tere Tavares, Editora Penalux – Guaratinguetá – São Paulo, 2015 – 112p. Este livro se nos afigura como obra singular no atual panorama da literatura brasileira contemporânea. Poesia e prosa andam juntas nesta obra e ambas se nutrem do mesmo lastro subjetivista e transfigurador da realidade. Os 28 textos ali reunidos não se prestam à formas engessadas, à “belezas” formais predeterminadas. Com a sabedoria instintiva dos criadores, a autora sabe que a arte é uma consequência da criação, não o cumprimento de uma meta estética preestabelecida. Assim é que prosa e poesia se atraem e se fortalecem em confluências e novos trançados. Dessa recíproca atração advém o fato de que certos trechos constituem verdadeiras clareiras poéticas como o exemplo abaixo extraído do belíssimo texto: “Nada diz mais do que uma folha em branco”:
“Então se recolhe: ‘A criação é notadamente silenciosa, solitária, até mesmo angustiante – mas traz entranhada consigo o prazer de criar’. E isso é tudo o que lhe importa. Toda a virtuosidade que alcança se alastra através da leitura que faz do mundo ausente das bibliotecas. Então sonha: ‘Com as palavras nas faces quero atravessar o silêncio e suprir a falta das asas, a mística leveza de um retorno a um originário berço de estrelas, e obter, enfim, a alforria do efêmero, de mim.”
Introspectiva, intuitiva, capaz de descer fundo para abeirar-se do indizível, a autora surpreende-nos com uma linguagem de expressão trabalhada, aflita e profundamente criativa: “O que posso dar ao mundo significa o nascer contínuo, a invenção de um amor original, um gesto genuíno, essencialmente, uma inocência”. Em outros trechos, verdades estonteantes onde o pensamento escapa do óbvio, se esgueira pelos meandros da ambiguidade e revelam frases luminosas que estremecem de súbito a superfície do relato:
“Porque a palavra carrega a pungência de tudo o que vive, como num trabalhoso ócio, transmutando-se em seiva de linguagem inata do que me integra, ainda que não conheça. Porque fora do tempo existe o espaço, a não existência ou um só retalho metafísico, outras solidões, também sós, a palha que virou chapéu”.
Tere Tavares roça verdades existenciais com as asas de luminosos trechos esvoaçantes a revelar-nos a estranheza dessa contingência a que chamamos vida: “Não somos antigos nem moços, somos as lacerações ardilosas do tempo, a raça humana, um bando de necessitados. Josef é a incredulidade a dizer que ainda é possível acreditar num coração com orquestras. E há nele um céu acesso e um sopro musical.”
Prosa poética, poesia em prosa, ou que nome se queira dar à literatura de Tere Tavares, já não importa. O fato inconteste, a merecer aplausos, é que a liberdade estética adotada pela autora, dentre muitas coisas, também nos dá conta de que vivemos em um tempo, no qual nossas almas estão sufocadas, esmagadas em favor de valores para os quais o homem é objeto desimportante. Não seria esta a mais nobre função da literatura? Com efeito.
Tere Tavares 25/08/2021minha estante
Obrigada, Krishnamurti Góes dos Anjos, pela leitura e resenha. Tem muito valor para mim!


Tere Tavares 25/08/2021minha estante
FLUIDEZ E SENSIBILIDADE EM TERE TAVARES

por Luiz Otávio Oliani*
"O tempo não se rende aos acontecimentos - não existe o tempo certo, senão a incerteza de tudo.?
Tere Tavares, p.35
No prefácio ao livro ?Vozes & Recortes?, de Tere Tavares, Guarantiguetá, São Paulo, Penalux, 2015, o poeta e jornalista José Maria Alves Nunes, elenca a prosa da autora como "escrita refinada e instigante". Então, conclui que a contista usa um olhar muito particular, uma janela própria, através da qual escreve sobre o mundo, de forma íntima.
Trata-se de obra sem obviedades e sem verdades absolutas. Segundo o prefaciador, esta última característica é recorrente às obras dos grandes clássicos da literatura mundial.
Os contos de Tere Tavares são imagéticos, metáforas puras. Na abertura do livro, no texto inicial que é "Alma de papel e tinta", a poesia desponta quando "(...) tenho o direito de sonhar. (...) A realidade parece inacreditável", p.15.
Oderp sabia que "A sensatez é o arranhão mais espesso e menos distante da profundidade que a tudo ondeia e unge, "p.17, e que os "livros são como pássaros que (...) sonham vagar indefinidamente pelo céu, esquecidos de se curvarem",p.17.
Assim, a contista imprime poesia pura em seus textos.
Como escrever assim? Como levar metáforas, hipérboles prosopopeias, antíteses, metonímias à prosa, sem que se torne algo inadequado? Se escrever é um dom, Tere Tavares o possui, pois realiza tal tarefa magistralmente.
Geralmente, os contos de Tere Tavares não têm personagens explícitos, como se vê nas narrativas tradicionais. Vez ou outra, um substantivo próprio, uma menção, pois nessa narrativa as elucubrações ou são em primeira pessoa, ou ocorrem por conta de situações, fatos, pensamentos e reflexões.
Aproximada a um estilo de Clarice Lispector e Virgínia Woolf,
Em ?Apenas", p.23, a voz que salta da prosa é de um pássaro a viver liberto, sem grades. Em prosa delicada e metafórica, diz que "(...) o tempo é como uma cálida rosa",p.24, e "(...) é preciso saber do solo antes de alcançar a amplitude absoluta do céu", p.24, são exemplos da verve metafórica da autora.
Ao lembrar um fragmento do poema Motivo, de Cecília Meireles, "Não sei se fico / ou passo", canta Tere:"Não diviso se sigo ou me divido. Sou um sol que nasceu no ocaso, na ebriedade de sentir-me leve como as pedras. Queria ser mel ou vinho para não perecer", na abertura do conto "Lentamente", página 49.
A contista humaniza uma personagem, transformando-a em metáforas puras, na página 53: "Maria é a leitura amorfa e diluída entre os muros, os murmúrios, os amores (...) Maria é a razão que não retrocede dos silêncios repercutidos consigo", entre outras passagens.
Desta forma, "Criar e se des-pertencer, sair da zona de conforto, ou de confronto, a formosura tola das coisas",p.83,no conto "Porque é bom ser alado", e é bom ler Tere Tavares.

*LUIZ OTÁVIO OLIANI cursou Letras e Direto. É professor e escritor. Em 2017, a convite de Mariza Sorriso, representou o Brasil no IV EPLP em Lisboa. Participa de mais de 200 livros coletivos. Consta em mais de 600 jornais, revistas e alternativos. Recebeu mais de 100 prêmios. Teve textos traduzidos para inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, holandês e chinês. Publicou 14 livros: 10 de poemas, 3 peças de teatro e o livro de contos ?A vida sem disfarces?, Prêmio Nelson Rodrigues, UBE/RJ, 2019. Recebeu o título de ?Melhor Autor Apperjiano 2019? pelo conjunto da obra. Em 2020, teve poema publicado nos Estados Unidos da América, na Carolina do Norte, em Chapel Hill, na coletânea internacional ?VII Heron Clan?, a convite de Todd Irwin Marshall.




1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR