Izabella.BaldoAno 26/04/2023
"e, como todos os amores de Orlando haviam sido mulheres, agora, devido à condenável demora da condição humana em se adaptar às convenções, conquanto ela própria fosse mulher, foi uma mulher que ela amou; e, se a consciência de ser do mesmo sexo teve algum efeito, foi o de estimular e aprofundar aqueles sentimentos que tivera quando homem, pois mil sugestões e mistérios, antes incompreensíveis, agora se aclaravam. a penumbra que aparta os sexos e permite a proliferação de incontáveis impurezas havia sido removida. e, se faz sentido o que o poeta diz sobre a verdade e a beleza, aquela afeição ganhou em beleza o que perdeu em falsidade."
e até difícil escolher o que falar de Orlando, esse livro que é uma contravenção em tantos níveis.
imagina você, sendo uma mulher escritora na Inglaterra do início do século XX, filha de um biógrafo, escrever uma biografia que não só é fictícia, mas é uma grande sátira às biografias dos "grandes homens" europeus. não só isso, mas questionar as convenções sociais do seu país ao longo dos séculos, fazendo do "espírito da época" um personagem incômodo e inconveniente. ironizar a organização da passagem do tempo ao escrever uma protagonista que vive ao longo de séculos sem passar dos quarenta anos. fazer essa protagonista nascer biologicamente macho, com todas as características socialmente atribuídas a um homem, e um belo dia acordar biologicamente fêmea e ter que se adaptar ao que é ser uma mulher no contexto social de todos aqueles séculos pelos quais sua vida passa.
a gente segue aqui essa complexidade que é o fluxo dos pensamentos de Orlando (inicialmente o Orlando, posteriormente a Orlando) ao longo do tempo. Orlando, apaixonada pela natureza, pelas pessoas e pela escrita. Orlando, que passa séculos escrevendo seu único poema, cujo manuscrito carrega consigo ao longo desses séculos, incrementando, refazendo e repensando de acordo com suas experiências e vivências. Orlando, que passa a pensar no que foi ser homem após descobrir o que é ser mulher.
não consigo fazer uma resenha linear ou bem delineada de Orlando. esse livro liga pontos tão não linearmente organizados na minha cabeça que se torna impossível - pelo menos agora - transpor tudo isso pra escrita. Orlando me faz transcender a palavra.