spoiler visualizarAdriano 12/06/2016
Livro: Escrava... ou Rainha? (Biblioteca das Moças - Volume 26)
Lisa de Subrans é uma jovem fascinante: linda, meiga e inteligente. É filha de um visconde, porém órfã, e, portanto, vive com a madrasta, Catarina, uma fidalga russa, e seus dois meios-irmãos mais novos. Embora leve uma vida um tanto reclusa, Lisa tem uma família afetuosa, e se considera muito satisfeita. Entretanto, por insistência da madrasta, após uma reunião aristocrática, a fim de introduzir a enteada na vida em sociedade, Lisa chama a atenção de Sérgio Ormanoff, um príncipe russo, parente de Catarina. Sérgio é viúvo há alguns anos e, ao ver Lisa, encanta-se pela sua beleza, semelhante à de sua falecida esposa, Olga. Sérgio decide que quer casar-se com Lisa de qualquer maneira e, apesar da relutância de Catarina, ele a chantageia com um terrível segredo que ela esconde da enteada, de forma que ela se vê obrigada a conceder a mão da jovem ao primo.
A partir do momento em que é avisada desse noivado indesejado, Lisa passa a viver o inferno na terra. Ela não deseja se casar, e não compreende por que sua querida madrasta a obriga a isso. Sérgio é um homem frio e não faz questão de esconder que despreza as opiniões femininas; deseja uma esposa unicamente como um adorno de seu palácio. Após o casamento, Lisa se vê privada do contato com seus familiares, num castelo em país estrangeiro, onde não conhece nada e nem ninguém, e não possui liberdade nem mesmo para exercer sua preciosa religião católica, uma vez que Sérgio é ortodoxo não praticante. Daí pra frente, acompanhamos o seu sofrimento, num casamento que mais parece um cárcere, e conquistando inimizades inconscientemente, ao mesmo tempo em que sua personalidade doce começa a transformar a realidade à sua volta.
A partir deste breve resumo da história, já deve ser possível imaginar o quanto um leitor do século XXI pode se incomodar ao longo da leitura. A simples ideia de uma menina de 16 anos sendo obrigada a se casar com um homem de 28 é inconcebível pra nós, nos dias de hoje. É realmente muito difícil se despir dos conceitos que temos hoje e encarar de forma tranquila o machismo gritante presente no livro, na figura de Sérgio, que supostamente é o “príncipe encantado” deste romance. Sérgio é um homem absurdamente machista, tirano e opressor, que profere várias opiniões grotescas com relação às mulheres. Felizmente, sendo este um romance água com açúcar, não existe nenhuma alusão a relações sexuais, coisa que certamente apareceria num livro mais atual, e de forma bem perturbadora, devo dizer. Lisa é tratada como um objeto decorativo, e, portanto, passa a maior parte do seu tempo isolada no palácio. Ela e Sérgio nem mesmo ocupam o mesmo quarto.
As atitudes e a personalidade de Sérgio são sim mostradas de um ponto de vista reprovador; o narrador não o defende, e os próprios personagens abominam a sua conduta com relação a Lisa, e a Olga, sua primeira esposa. Na verdade, a principal intenção do livro é mostrar como Lisa, aos poucos, consegue penetrar na fortaleza de Sérgio, e transformar seu modo de pensar e agir, fazendo assim com que ele se apaixone verdadeiramente por ela. Entretanto, tendo em visto a época em que este livro foi escrito, ainda é possível encontrar alguns pontos “ultrapassados”, por assim dizer. Destaco, em especial, o confronto de Sérgio com a vilã, sua prima Várvara, ao descobrir que ela, em segredo, é redatora de uma revista revolucionária. Ele diz: “(...) enquanto eu aqui for o senhor, Kultow jamais dará guarida a revolucionários – e, principalmente, a revolucionários de anáguas, os piores que existem”. Nota-se um discurso implícito de que ser “revolucionário” é uma característica vilanesca, especialmente em mulheres.
A propósito, a própria Várvara, a princípio foi, pra mim, uma personagem bastante interessante, sempre descrita com seus modos silenciosos, discretos e misteriosos. No entanto, infelizmente acabou caindo no lugar comum de todas as vilãs de histórias românticas, apaixonadas pelos protagonistas.
Todos esses pontos que levantei não têm absolutamente nenhuma intenção de desestimular a leitura de Escrava... ou Rainha?, mas sim, unicamente, de alertar para possíveis incômodos e lembrar que esta é uma obra que deve ser contextualizada. É uma leitura rápida e, ao contrário do que possa parecer, bastante leve e agradável, ainda que com seus momentos tensos, e traz personagens interessantes. Mais uma vez, destaco que a mensagem principal é a transformação causada pelo amor, surgido da forma mais inesperada, no velho estilo A Bela e a Fera. Cabe a nós, como leitores, usar a nossa imaginação para sublimar os pontos desagradáveis, e aproveitarmos o lado romântico da história.
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