Che 20/06/2017
O livro de Fernando Morais é algo mais ou menos na linha de um relato de viagem, só que obviamente com muito mais detalhes, inclusive técnicos e estatísticos, sobre os diferentes aspectos da ilha (cotidiano, saúde, educação, esportes, etc). Morais visitou não apenas Havana e ficou em solo cubano um mês inteiro, em 1975, exatamente quarenta anos antes deste humilde escriba passar seis dias no país. Ou seja, já tem logo de cara esse fator de interesse: narra como Cuba era num momento ainda longe da Guerra Fria terminar e bem mais fechado a turistas do que atualmente.
Morais descreve tudo num tom de 'diário de viagem', de escrita saborosa e acessível, sem dúvidas ciente da curiosidade que o brasileiro médio devia ter sobre tudo quanto é aspecto da ilha na época (meados dos anos setenta, com a ditadura militar tupiniquim começando a afrouxar), mas evidentemente sem se furtar de algum rigor jornalístico e dos dados necessários sobre investimentos em reforma agrária, medicina, etc. Claro que ele nem tenta esconder a admiração que tem pela revolução cubana, mas até que fez isso com mais discrição do que eu esperava, o que vai fazer desse livro um meio razoável pra convencer aqueles coxinhas lights que ainda tem salvação acerca das vitórias da revolução Cubana, sem cair em propagandismo óbvio.
Melhor ainda, terminadas as 100 páginas da edição original, nessas edições posteriores tipo a que eu comprei há outras 100 com material extra, incluindo uma entrevista de 1977 com o próprio Fidel (na qual ele elogia, com várias ressalvas, o então presidente estadunidense Jimmy Carter), um texto baseado em diálogo de Fidel sobre a decisão e a estratégia de Cuba de entrar na guerra civil angolana e, por fim, um ótimo, tenso e detalhado relato de um dos médicos da guerrilha de Sierra Maestra acerca de como foram as batalhas as montanhas, desde o momento em que ele ingressou na guerrilha até a vitória com a entrada de 'el comandante' em La Habana, depois do abominável Fulgêncio Batista arregar e nunca mais voltar pra Cuba.
Pra quem não conhece Cuba, é uma ótima visão de como o país era em 75 - há edições mais recentes, que eu não li, com um capítulo extra narrando outra visita de Morais, já no 'período especial' pós queda da URSS. E pra quem, como eu, for ler este livro já depois de ter conhecido Havana, é interessante para comparar as eventuais diferenças acerca de como a ilha era antes e agora (pra minha surpresa, não mudou tanta coisa assim), além de relembrar sensações parecidas com as que o próprio Morais teve, como a emoção do desembarque no aeroporto José Martí e os cidadãos cubanos perguntando algumas coisas sobre 'artistas globais' brasileiros que ficaram famosos por lá.