filipetv 31/07/2021
Com a mesma qualidade que lhe transformou no grande contador de histórias que foi, Gabriel García Márquez narrou seus primeiros 28 anos de vida nesta autobiografia chamada Viver para Contar. Ao longo dos oito capítulos que compõem o livro, ele descreve acontecimentos, pessoas e lugares que, entre outras coisas, o inspiraram a escrever algumas de suas principais obras, como O Amor nos Tempos do Cólera, Crônica de uma Morte Anunciada, Ninguém Escreve ao Coronel e, claro, Cem Anos de Solidão.
Para quem está habituado ao estilo do autor, é muito familiar o ritmo dos acontecimentos e os muitas vezes insólitos personagens que passam pela sua vida e chegamos à conclusão de que era inevitável o caráter fantástico que deu à sua produção literária, que considero fruto inevitável do que estava ocorrendo ao seu redor. Ao mesmo tempo, é impressionante seu perfeccionismo, que se revela em passagens como a que confessa fazer de tudo para não usar advérbios terminados em "mente" ou sua preocupação com rimas entre palavras próximas.
Outro aspecto interessante da autobiografia são as constantes referências à situação política colombiana. Tendo presenciado in loco o Bogotazo, a convulsão social que tomou conta da capital do país após o assassinato do líder político Jorge Eliécer Gaitán, García Márquez aproveita para delinear tanto os antecedentes quanto as consequências desse fato e de outros tantos que ocorreram na atribulada primeira metade do século vinte do país.
Durante as quase 500 páginas, conhecemos não só os personagens que passaram por sua vida, entre amigos, familiares, colegas de trabalho, etc., mas também o modo como ele se relacionava com cada um. E o destaque para mim é a relação com sua mãe, uma mulher tão forte e presente em sua vida que a reconhecemos em várias das personagens dos seus romances e contos, especialmente em Úrsula Iguarán, de Cem Anos de Solidão.
Diz-se muito que Gabriel García Márquez é um grande inventor de histórias sobre si mesmo. São muitas as contradições entre o que ele conta e o que os outros contam sobre ele, mas fico pensando: "não é assim com todos nós? A vida real não é repleta de momentos inacreditáveis e deliciosas coincidências absurdas?"