Wellington 12/02/2021
Ifigênia: 4,0
Escrito por uma autora que se tornaria expoente feminista na Venezuela do séc XX, Ifigênia promete ser uma obra que denuncia a injustiça do patriarcalismo dominante naquele contexto - promessa mais ou menos cumprida.
Os méritos incluem o retrato de uma Caracas em conflito com sua origem, presa entre duas épocas dissonantes, e a habilidade da autora em fazer o leitor sentir emoções parecidas com sua protagonista-narradora - Maria Eugenia; é fácil se alegrar ou se entristecer junto com ela. Os capítulos de reminiscência de sua infância são psicologicamente ricos. A profundidade afetiva e abstrata da escrita é enorme.
Infelizmente, para mim os pontos positivos se encerram aqui.
Se é fácil se compadecer pelo destino da protagonista e compreender o seu lugar de fala, não me foi nada fácil deixar de julgá-la como frívola e propagadora de injustiças tão ruins ou piores do que aquelas que sofria. A minha personagem favorita é, de longe, a velha criada negra que age como ponte entre uma sabedoria de vida e uma moral de castelo; ela vê a protagonista como uma filha. Como é tratada? Como se fosse uma tola. A amiga da velha infância de Maria Eugenia, também negra, é posta de lado a obra inteira (só liga para a outra amiga de olhos azuis). Ela é bem racista. A garota chega a ver a tia como "alguém que vegeta na vida" por não ser casada. Enfim, se por um lado a protagonista é vítima, também é algoz - o que é bem coerente, pois é uma excelente algoz de si mesma.
Ao chegar de Paris na Venezuela, regozija-se para os familiares pelo fato de ter torrado o dinheiro do pai em roupas francesas; parece acreditar que isso é prova de seu espírito independente. Ridiculariza o afeto da avó e da tia, as vendo como relíquias do passado. Sensibiliza-se conforme o tempo passa, reconhecendo que é mais querida do que imagina; ao mesmo tempo, está certa em considerar esse amor como procustiano, já que as referidas figuras querem vê-la seguindo um caminho da moral e dos bons costumes. Há, sim, uma denúncia justa contra o patriarcalismo; só que está no meio de outras coisas. A própria autora reconheceria, depois, que seu manifesto visto como feminista é "moderado" (sic).
Pessoalmente, a obra me mostrou um dilema: quão maior é o amor do que a moral ou princípios? Parece-me que qualquer um dos extremos se torna tirano e insensível. E é justamente pela insensibilidade de Maria Eugenia com as outras figuras que fui incapaz de admirá-la.
O livro me lembrou Madame Bovary; a escrita é prolixa, cheia de detalhes entediantes, repleta de divagações. Num dado momento, a protagonista-narradora admite isso: "tendo a divagar muito, e tentarei ser sucinta". Falhou miseravelmente. Tal estilo de escrita é riquíssimo para quem gosta, e consigo ver as possíveis consequências positivas desse método. Quem gosta de Madame Bovary, irá se apaixonar por Ifigênia.
Já para mim, a falta de admiração por Maria Eugenia e a vaidade prolixa da escrita são fatais.
Quanto ao projeto gráfico, quase rasguei o botão achando que era de abrir, mas a cordinha é para girar. Hehe. Achei bonitinho isso. Não há um desnecessário prefácio, e o posfácio é curto e preciso. Não achei nenhum erro de ortografia ou concordância, mesmo sendo uma obra de linguagem refinada. Sinto que a tradutora fez um excelente trabalho.
No fim, coloco Ifigênia e Madame Bovary lado a lado.