underlou 02/03/2022
Nos últimos capítulos, Tarkvosky afirma que sempre se considerou mais poeta do que cineasta. Acredito que o autor basicamente quis transmitir isso ao longo do livro - desenvolvido durante anos e só lançado pouco antes de sua morte.
De antemão, aqui não há nenhuma instrução ou truque - longe de ser uma manual - para se fazer cinema. Para os amantes de cinema, no entanto, que procuram por entendimentos acerca da obra primorosa do diretor russo, essa leitura é muito agregadora. Interessante notar que, conforme a doença que culminou na sua morte aparentemente começa a afetá-lo, Tarkvosky passa a fazer uso de um tom mais "crente" na raça humana, por assim dizer, e no sacrifício pelo amor. Nas páginas finais, inclusive, chega a divagar de forma contudente sobre materialismo dentro de um determinado processo sóciohistórico, pautando-se pelo contraste entre a condição material e a elevação espiritual.
Importa dizer ainda que nos capítulos inicias há um quê de ideais juvenis que justificariam uma conduta mais ferrenha por parte do diretor frente à arte cinematográfica divergente do seu modo de "esculpir o tempo" - inclusive com repetição exaustiva de algumas soluções técnicas. Entretanto, de forma geral, quem conhece um pouco da profundidade de sua obra, sabe que o diretor era um grande entusiasta do cinema de arte. No seu livro, ele traça paralelos entre este e o cinema comercial, revela segredo de bastidores, declara filmes de que não gosta, argumenta a favor da responsabilidade do artista, e, claro, sempre traz a poesia como recurso primeiro. Na dúvida sobre o que é arte, ao final, ele lamenta:
"[...] Seria talvez uma promessa de comunhão, uma imagem da harmonia social? Seria esta a sua função? Como uma declaração de amor: a consciência da nossa mútua dependência. Uma confissão. Um ato inconsciente que, não obstante, reflete o verdadeiro sentido da vida - amor e sacrifício." (p. 286)