Renata CCS 13/07/2016A vida continua e a realidade é inesgotável.
"Ninguém melhor do que Tchékhov compreendeu a tragédia contida nas pequenas coisas da vida." (Máximo Gorki)
Nada melhor do que a máxima de Gorki para explicar Anton Pavlovitch Tchékhov: um dos escritores que melhor traduz os infortúnios do cotidiano.Em A DAMA DO CACHORRINHO E OUTRAS HISTÓRIAS, Tchékhov relata o que poderia ser a vida de qualquer pessoa, conseguindo imprimir poesia e humanidade em seus textos, com palavras certeiras, de quem consegue se colocar no lugar do outro, e transporta ao leitor esse efeito.
São doze contos que falam sobre encontros e desencontros da vida, de sentimentos falidos, amor, adultério, culpabilidade, pudor, desonra, tudo com realismo, clareza, humor e leveza. Ler Tchékhov é deparar-se com uma escrita engenhosa e penetrante, companheira e sarcástica.
O escritor russo interessava-se em expor o estado psicológico dos personagens, seus sentimentos e angústias, mergulhando na existência humana, cheia de pequenos fatos, para captar através deles o fundamental e o eterno da vida. Ele estava sempre à procura dos detalhes do cotidiano, mas contados com originalidade e revestidos de calor humano.
A verdade é que o autor sabe perfeitamente conduzir o tempo interno da narrativa, mas nunca sugere soluções para os problemas narrados. Aliás, muitos leitores ficam perplexos com o desfecho de seus contos: são um “não-desfecho”, na verdade. Há qualquer coisa de anticlímax. Para mim, são um balde de água fria: fico sem saber para onde ir, sem saber, ao certo, se gostei ou não. Isso porque ele nos leva às alturas em suas considerações sobre a natureza humana, que ficamos a imaginar um final igualmente transcendental. Não é isso que acontece. Ele nos afronta. É um verdadeiro desacato à nossa tendência de fingir para nós mesmos e para todos. Suas obras não tem desfecho, pois terminam com reticências, como o fluxo natural da vida.
Tchekhov consegue nos tocar porque nos faz lembrar, através de uma literatura sem rodeios e de estrutura simples, de sentimentos e momentos que nós, seres humanos, muito bem podemos reconhecer e nos identificar.
“(...) decorreu mais de um mês, chegaram os rigores do inverno, mas tudo permanecia nítido na memória, como se a separação com Ana Sierguéievna tivesse sido na véspera. E as recordações tornavam-se cada vez mais intensas. Quer lhe chegassem ao escritório, em meio à quietude do anoitecer, as vozes das crianças, que preparavam a lição, quer ouvisse um órgão ou uma canção no restaurante, quer ainda uivasse o vento na lareira, tudo ressuscitava, de repente, em sua memória: o que sucedera no quebra-mar, o amanhecer com aquela névoa sobre as montanhas, o navio chegando de Feodóssia, os beijos. Passava muito tempo caminhando pelo quarto e recordando, sorria e, depois, as lembranças transformavam-se em sonhos e o passado misturava-se, em sua imaginação, ao que viria ainda. Não sonhava mais com Ana Sierguéievna, ela o acompanhava por toda parte, como uma sombra, e vigiava-o. (...) Ao anoitecer, ela o espreitava de dentro do armário de livros, da lareira, do canto da sala, ele ouvia sua respiração, o frufru carinhoso de suas roupas. Na rua, acompanhava mulheres com o olhar, procurando alguma que a ela se assemelhasse...” (A Dama do Cachorrinho)