Sombras da água

Sombras da água Mia Couto




Resenhas - Sombras da Água


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Luiz Ribeiro 16/12/2016

Mia Couto e o exercício do passado
A escrita de Mia Couto perde um pouco de potência ao tentar se aproximar das questões históricas de seu país. Embora seja um bom livro, afinal o talento de Couto é incomparável, é impossível deixar de notar as diferenças com suas melhores obras como Terra Sonâmbula, O Fio das Missangas, A Varanda do Frangipani, entre outras.
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Mama 22/09/2021

Maravilhoso!!!!!!!
Eu amo a escrita de Mia Couto, ele tem uma sensibilidade ímpar que dá vida às palavras. Acompanhar a história de Imane e Germano é como mergulhar na época na qual a África era feita de brinquedo para países colonizadores. Muito triste e emocionante. Agora é ir para o terceiro e último livro, porque já estou me mordendo de curiosidade!
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Lucio 17/07/2023

Romance histórico sensacional
Eu sou muito suspeito para falar do Mia Couto, sou muito fã. Neste segundo volume de " As areias do imperador", temos a narrativa poética de Mia Couto com seu neologismo ímpar. Nesta parte da história, Imani e sua família são obrigados a migrar de região, enquanto Germano que sofreu um atentado continua sua troca de cartas com militares do exército português. O ponto forte dessa trilogia é conhecer um pouco mais da história de Moçambique. Uma das partes que mais me marcaram é quando Gungunhane é capturado e a Imani diz que ali, quem perdeu não foi Gungunhane, foi toda a África, sendo mais uma vez humilhada por Portugal.
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Manuel Gimo 25/04/2018

Amor em tempos de guerra!
AUTOR: Mia Couto
TÍTULO: Sombras da Água
TÍTULO ORIGINAL: A Espada e a Azagaia
SÉRIE: As Areias do Imperador
VOLUME: 2/3
LOCAL DA PUBLICAÇÃO: São Paulo
EDITORA: Companhia das Letras
ANO DA PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 283
FORMATO DO LIVRO: eBook (ePub)
NOTA: Recomenda-se ler a resenha do primeiro volume da trilogia, "Mulheres de Cinzas" (clique aqui ), para melhor entendimento da obra.

SINOPSE:

“Sombras da água” retoma a história de Mulheres de cinzas, romance histórico encenado à época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza, em fins do século XIX. Ferido, o sargento português Germano de Melo é levado ao único hospital de Gaza, sob os cuidados de Imani, sua amada e responsável pelo tiro que lhe esfacelou as mãos, do pai e do irmão da garota africana e de uma amiga italiana. Nesta jornada, eles encontrarão outros percalços e personagens memoráveis — característicos das obras de Mia Couto. Alternando as vozes de Imani e Germano, o escritor apresenta duas visões de mundo diferentes, porém inevitavelmente envolvidas nesta trama.

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«Tudo começa sempre com um adeus.» (p. 11)

Segundo volume da trilogia “As Areias do Imperador”, de Mia Couto.
“Sombras da Água”, título brasileiro para o original “A Espada e a Azagaia”, começa exactamente onde “Mulheres de Cinza” parou. A mudança de título deve-se ao facto de muitos leitores brasileiros desconhecerem a azagaia do título, título este que simboliza o conflito entre Portugal (A Espada) e o Estado de Gaza (A Azagaia). No entanto, o título brasileiro não foge da realidade do livro, pois reflecte as “sombras” do Rio Inharrime, local onde se passa a maior parte da narrativa.

«Quantas guerras há dentro de uma guerra? Quantos ódios se escondem quando uma nação manda os seus filhos para a morte?» (p. 64 - 65)

A trama começa onde parou no livro anterior, um Sargento Germano ferido ao lado de Imani Nsambe, o irmão e o pai desta, Mwanatu Nsambe e Katini Nsambe respectivamente, e a italiana Bianca Vanzini, amiga do sargento, num barco rumo ao único posto médico do Reino de Gaza, em Mandhlakazi (ou Manjacaze), sob comando do suíço Georges Liengme. Mas o destino reserva caminhos diferentes para os apaixonados, Germano e Imani. Da sua parada em Sana Benene até ao hospital do suíço, os eventos mostrarão-se ser imprevisíveis.
Para além da narração alternada entre Imani e Germano, aqui uma outra voz ganha espaço: a do Tenente Ayres de Ornelas, o que se passava por Conselheiro José d'Almeida no primeiro livro, trazendo uma dinâmica muito mais interessante não só do ponto de vista narrativo mas também histórica. Temos o ponto de vista de Ornelas, seus sentimentos e como ele vê a tudo aquilo, a guerra, a África e o amor de Germano pela Imani.

«Katini Nsambe tinha-se cansado de ser um homem bom num mundo que apenas dá razão aos malvados.» (p. 172)

E falando em Imani, ela continua sendo uma menina de personalidade forte mas ela é só una mulher no meio de tudo aquilo. O destino traçado pelo pai e o próprio final do livro partiu o meu coração que nutria alguma esperança de vê-la ao lado de Germano. Isso causou-me uma grande tristeza. Que crueldade, hein, Mia!

Outras personagens enchem o livro de vida. A enigmática Bibliana, o intrigante Padre Rudolfo Fernandes e o simpático e sorridente Georges Liengme. Isto tudo traz à este livro um ar mais superior em relação à seu antecessor.

«A música é a língua materna de Deus.» (p. 39)

Em “Sombras da Água”, em contraste com “Mulheres de Cinza”, há uma abundância de personagens históricos, de padre Rudolfo Fernandes à Capitão Santiago da Mata. E aqui, Ngungunyane ganha mais destaque, ao dar as caras pela primeira vez.
Foi uma sensação muito boa pois ao mesmo tempo que me emociono com a trama também fui eu aprendendo e conhecendo mais a história do Umundungazi e seu reinado. As suas rixas com a coroa portuguesa e sua brutalidade para criar medo em torno da sua pessoa. Cada vez mais me fascino pela história do Estado de Gaza, e de Moçambique em geral. É uma história que nem mesmo somos ensinados nas nossas escolas. E percebo que pouco sei da nossa história.
Devo dizer que já deduzo qual será o rumo que o terceiro livro tomará, espero que eu esteja certo.

«Ninguém é uma pessoa se não for toda a humanidade.» (p. 50)

Não há muito que eu possa falar sobre Mia Couto. Quanto mais o leio, mais o admiro.
Sinto a falta das suas “brincriações” com as palavras aqui mas a poesia em prosa e metafórica compensa essa falta. Compensa também a boa construção narrativa em cima dos eventos históricos e da humanidade das personagens. Durante a leitura é-nos difícil distinguir se lermos uma história de amor ou uma história de colonização portuguesa em Moçambique. É de uma maestria incrível.
Já estou ansioso para o último volume da impressionante trilogia.

«Histórias têm sempre um fim.» (p. 112)

OUTRAS CITAÇÕES:

«Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte.» (p. 37 - 38)

«O pior sofrimento não é ser derrotado. É não poder lutar.» (p. 76)

«[...] na guerra, quem tem pressa morre depressa.» (p. 91)

«Aprendi com Bianca que o amor é como o fogo: quando é bom sai-se chamuscado.» (p. 115)

«A loucura é, por vezes, o único meio de vencer o medo.» (p. 206)

«Ter inimigos é ficar escravo deles. A paz não nasce por se vencer um adversário. A verdadeira paz consiste em nunca chegar a ter inimigos.» (p. 209)

AVALIAÇÃO: 9.8/10

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Review by: Manuel Gimo

site: www.fb.com/manueltchatche.rmt
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Desireé (@UpLiterario) 28/09/2018

Guerra, soldados e uma nação sem pátria. (@upliterario)
[Contém fatos do vol. 1]
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Em busca de cuidados médicos para o Sargento Germano, Imani, seu pai e seu irmão, encontram o padre que cuidou da educação da garota, em uma pequena vila ao longo do rio. Lá, a curandeira faz o possível e o impossível para salvar as mãos feridas do soldado, enquanto suas estadias se estendem por mais dias do que o planejado. Enquanto isso, a guerra iminente se aproxima a cada novo nascer do Sol, trazendo medos e anseios nas almas africanas e estrangeiras dos que vivem ali.
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Um andamento fabuloso no romance histórico de Mia Couto, contrabalanceando os fatos reais com os desamores de Imani e Germano, embalados pela cultura e lendas locais.
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”- Não estou em África porque se esqueceram de mim - disse Germano. - Estou aqui porque me esqueci deles. [...] Estou aqui por tua causa.”
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Com trechos bastante intimistas e profundos sobre o preconceito racial, os horrores da guerra e a corrupção e arrogância dos vencedores, conhecemos mais de perto Ngungunyane, o inimigo da Coroa Portuguesa e da tribo de Imani, em sua forma mais humana.
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“Quantas guerras há dentro de uma guerra? Quantos ódios se escondem quando uma nação manda os seus filhos para a morte?”
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E com um final daquele, Mia Couto desbanca qualquer coração fraco. Já peguei o terceiro volume e furei a lista de leituras, porque realmente, os personagens deste livro ficam com vocês, agarrados em sua mente, por dias e dias depois da leitura. Preciso de um desfecho, de um encerramento, de um adeus, afinal “Tudo começa sempre com um adeus”.
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Leitura mais do que recomendada, é obrigatória! Todo mundo tem que ler!

site: www.instagram.com/upliterario
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Ricardo.Borges 16/10/2023

Sombras da água: o império contra-ataca
Na minha opinião, de maneira geral, as partes do meio não costumam ser as melhores, por isso, continuando a trilogia, achei esse livro menos empolgante do que ?Mulheres de cinza?, talvez por ter sentido falta do surpreendente protagonismo de Imani ? que sempre mostrava uma cultura africana mística ? ou por ter notado um excesso de burocracia nas cartas que direcionam e complementam a história do Sargento Germano. Percebi, no entanto, uma maior aproximação com a história real de Moçambique, com relatos de algumas estratégias bélicas que talvez tenham enfatizado as questões existências na eminência da guerra:
?Eis a receita que vos dou. Ide aos jovens acabados de sair da infância. Roubai-lhes os nomes, retirai-os das terras e das famílias, secai-lhes a alma: os vossos soldados conquistarão impérios.?
Há pouca movimentação, principalmente no início, e senti que os diálogos profundos acabam repetindo as mesmas sensações angustiantes de formas diferentes, mesmo com novos personagens interessantes que surgem na história, como Bibliana e o padre, suas ações são baseadas no medo, na ausência, na perda e no sofrimento.
É a guerra?
Guardo, então, a esperança de que o último volume finalize a trilogia de uma maneira satisfatória, em todos os sentidos.
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Rafael 23/06/2023

Raízes africanas
Se no primeiro volume da trilogia somos arrebatados pelo lirismo de Mia Couto, no segundo volume percebemos que não é só a poesia que nos comove. Essa espécie de releitura da época colonial revela, pela arguta sensibilidade de Mia Couto, que, se os colonizadores fossem minimamente humanos, eles sequer se denominariam como tais. Isto é, Mia Couto nos mostra, com propriedade, a riqueza e a diversidade do povo africano que, subjugado, foi indevidamente apartado da condição humana que lhe é inerente. Os colonizadores, como bem observa o autor, viam os negros como objetos, portanto desprovidos de alma, essa essência humana. Contudo, se eles assim não considerassem, poderiam, sem dúvida, enxergar nos negros a pujança de uma civilização bem estruturada e com uma vasta cultura. Lado outro, os negros, embora vejam os colonizadores como figuras exóticas, não lhes retiram por isso a sua pessoalidade. Pessoas que, por sua cultura completamente distinta da dos negros, são como "alienígenas", mas que merecem respeito (senão pela força) pela semelhança que guardam por terem, a seu modo, uma alma. Os negros viam os brancos como humanos, ainda que suas práticas sociais fossem completamente distintas. É uma perspectiva muito interessante, explorada com afinco na personagem Imani, uma negra que, para os negros é branca, e para os brancos é preta. Essa dualidade, que na verdade resulta no mínimo comum humanidade, é magistralmente delineada por Mia Couto. Logo, não só a prosa poética nos atrai na obra, mas, igualmente, esse entendimento sobre as coisas, essa obrigação de não deixar de ver no outro um semelhante, ainda que a divergência de comportamentos sociais exista.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 09/11/2016

Mia Couto - Sombras da Água
Editora Companhia das Letras - 392 Páginas - Lançamento no Brasil: 23/09/2016.

Este romance dá continuidade à trilogia histórica que tem como base a ofensiva militar portuguesa, no final do século XIX, contra o último imperador do Estado de Gaza, Ngungunyane, no território que hoje é conhecido como Moçambique. Na verdade, a guerra colonial não era um conflito somente entre dois lados, mas sim uma complexa divisão entre tribos com línguas e culturas diferentes em oposição aos interesses de exploração colonial das metrópoles europeias."Quantas guerras há dentro de uma guerra? Quantos ódios se escondem quando uma nação manda os seus filhos para a morte?" (Pág. 86).

No final do primeiro volume, o sargento português Germano de Melo é gravemente ferido justamente por Imani, a jovem adolescente africana por quem ele havia se apaixonado. Ela dispara contra ele para defender o irmão em um levante popular que marchava em direção ao posto militar da aldeia de Nkokolani e acaba atingindo as mãos de Germano. Este segundo volume tem início então com uma jornada desesperada, em uma canoa no rio Inharrime, em direção ao único hospital da região. O estranho grupo, que tenta salvar a vida do português, é formado pela própria Imani, seu pai Katini, o irmão Mwanatu e uma amiga italiana do sargento, Bianca Vanzini.

"Tudo começa sempre com um adeus. Esta história principia por um desfecho: o da minha adolescência. Aos quinze anos, numa pequena canoa, eu deixava para trás a minha aldeia e o meu passado. Algo, porém, me dizia que, mais à frente, iria reencontrar antigas amarguras. A canoa afastava-me de Nkokolani, mas trazia para mais perto os meus mortos. (...) Sem pausa, os remos golpeavam o rio. E tinha que ser assim: conduzíamos Germano de Melo ao único hospital em toda a região de Gaza. O sargento vira as mãos despedaçadas num acidente de que eu fora responsável. Disparara sobre ele para salvar Mwanatu que caminhava à frente de uma multidão prestes a assaltar o quartel defendido pelo solitário Germano. (...) O nosso barco progredia com o vagaroso silêncio de um indolente crocodilo. As águas do Inharrime estavam tão imóveis que, por um momento, pareceu-me que não era a canoa, mas o próprio rio que flutuava." - Narrativa de Imani (Págs. 14 e 15)

A situação é muito arriscada porque toda a região está em guerra e o improvável grupo pode ser um alvo fácil, tanto por parte da violência do exército português quanto das forças locais de Ngungunyane, como reflete Imani: "Essa era a triste ironia do nosso tempo: enquanto em desespero procurávamos salvar um soldado branco, a poucos quilômetros dali se instalara um matadouro para milhares de seres humanos." (Pág. 19). Antes de chegarem ao hospital, fazem uma parada no povoado onde fica a igreja missionária do padre Rudolfo Fernandes que ensinou a língua portuguesa a Imani. Uma nova e importante personagem, a curandeira Bibliana, aplicará um estranho método para curar o sargento Germano. Neste cenário de destruição e falta de esperança, Mia Couto representa com este núcleo de personagens toda a complexidade étnica e religiosa da África.

"Envergando uma túnica vermelha com panos brancos atados à cintura, Bibliana ajoelhou-se no centro daquela imensa moldura de gente. Fez-se absoluto silêncio enquanto ela evocava os antepassados. Enumerou-os um por um, numa infindável lista, como se os estivesse recebendo à porta de casa. Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte. (...) Após a demorada evocação dos antepassados, Bibliana colocou à cabeça uma Virgem feita de gesso, envolta em fitas de uma impecável alvura. A multidão calou-se e todos se prostraram no solo. A adivinha desceu a ladeira e abraçou-se à estátua para juntas mergulharem no rio." - Narrativa de Imani (Pág. 52)

A técnica de composição do romance, assim como no primeiro volume, se divide entre os capítulos nos quais Imani é a narradora em primeira pessoa, intercalados com outros constituídos pela troca de correspondência entre o sargento Germano de Melo e seu superior direto, o tenente Ayres de Ornelas. Este contraste entre as vozes narrativas origina uma dinâmica que permite ao autor explorar as visões de mundo dos colonizadores portugueses e das tribos africanas. A estratégia possibilita assim uma análise mais abrangente em oposição à versão histórica oficial, normalmente tendenciosa.

"Há dois meses que estou encalhado neste lugar que, como diz o padre, não é lugar nenhum. Bianca anunciou que não aguenta mais, que vai embora na primeira ocasião. Também eu estou farto, cansado. Todavia, não me apetece sair de Sana Benene. Prende-me a este lugar a doce companhia de Imani. Não posso dizer que desisti inteiramente de sonhar com o regresso a Portugal, essa prenda que Vossa Excelência tão generosamente me prometeu. Estou dividido. E estas cartas são a ponte entre os meus desencontrados desejos. Talvez seja por isso que agora me sucede algo novo e estranho. Quando me sento em frente aos papéis dou por mim a benzer-me antes de começar a escrever. Como se a escrita fosse um templo onde me resguardasse dos meus infernos interiores. Não fique pois, Excelência, preocupado em me responder. Escrever é um verbo intransitivo, o meu modo de rezar. E quem reza sabe que não há resposta." - Carta do sargento Germano (Págs. 160 e 161)

A dicotomia formada pelas posições conflitantes entre metrópole e colônia não acarreta necessariamente a formação de estereótipos no projeto dos personagens. Mia Couto soube criar os seus dois protagonistas, Germano e Imani, à partir da diluição de suas formações originais, seja pela educação europeia de Imani ou pelo período de imersão do sargento Germano na sociedade africana, ambos apresentam riqueza de perfil psicológico com dilemas existenciais e morais.

"Vossa Excelência não deixa de ter razão. Não faço ideia do que poderia ser uma vida conjugal com uma preta. Mesmo assim deixo crescer esse sonho. Ontem, aflorando esse assunto com Imani, ela disse algo que me parece irrefutável: que os nossos dois mundos não eram, afinal, tão diversos. E ela está certa. Em África ou na minha pequena aldeia de Portugal, as mulheres partilham as mesmas magras expectativas do que pode ser um casamento. De um marido nada se espera. Por isso ele não pode nunca desiludir. De uma mulher exige-se que seja mãe. Não dos filhos que escolha ter. Mas dos que por ordem de Deus e da Natureza nascerem desse homem de quem nada se espera. (...) Que filhos teríamos, perguntará Vossa Excelência. Como os apresentaria aos familiares portugueses? Quem me respondeu não foi Imani. Foi Bibliana que proclamou com a certeza das profecias: 'Que importa a cor da pele dos que nascerem? Gungunhana terá netos brancos portugueses e os portugueses terão netos africanos! Contrariar essa inclinação é travar o vento com uma peneira. O Tempo, meu filho, o Tempo é um grande misturador de sementes.'" - Carta do Sargento Germano (Pág. 144)

O avanço das forças militares portuguesas e o consequente aumento da violência na região acabam provocando o afastamento do casal, mas a situação se complica ainda mais quando o pai de Imani decide oferecê-la como esposa para o imperador Ngungunyane. Por sinal, à medida que os portugueses vencem batalhas importantes e se aproximam de uma vergonhosa vitória às custas de metralhadoras, passamos a conhecer em detalhes a corte e a intimidade do "Leão de Gaza" como era chamado Ngungunyane. Mia Couto surpreende ao controlar com muita facilidade o estilo do romance histórico, sem perder o seu dom da imaginação e poesia. Um livro fundamental para entender o processo de "colonização" da África.
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DIRCE 23/11/2016

Sim: Tudo começa com um Adeus
Existem frases que iniciam um determinado livro que se tornaram tão ou até mais famosas do que as obras que as contêm. Quem leu Anna Karenina, com certeza, não se esqueceu da famosa “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira” ( pag. 11 -, Volume I - Abril Cultural 1982) . E o que dizer da impactante “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem” ( O Estrangeiro/ Albert Camus, pag. 7 – Record -1999) . Mas por quê me lembrei dessas frases? O que elas têm a ver com o romance do Mia Couto Sombras da água? Foi porque Mia Couto inicia o romance com uma frase que muito me intrigou: “ Tudo começa sempre com um adeus”. Pois não é que dias antes de me aventurar no romance eu assistira ao filme “Palavras e Imagens”, e o professor – um dos protagonistas –, um apaixonado pelas palavras, faz uma referência a palavra ADEUS e explica que ela é uma abreviação da expressão “ A Deus vos recomendo” ( A- Deus) . Fiquei impressionada com a coincidência e pelo peso que Mia deu a essa frase: Imani se despedira do seu passado, da sua adolescência sem, contudo, deixar de profetizar que no seu futuro iria se deparar com antigas amarguras e , sendo eu sabedora, por meio da leitura de “ Mulheres de Cinza” ( I livro da trilogia), do romance existente entre a jovem nativa e o sargento português Germano Melo, não foi difícil deduzir que seria ele uma das causas das amarguras que assolariam a jovem. E é retratando o romance de Imani e Germano Melo, pelo entrelaçamento dos acontecimentos vivenciados pela jovem com as cartas do Germano Melo (cartas sentidas, doloridas) , que vamos conhecendo o sucedido nos últimos dias do antigo Estado de Gaza que tinha como imperador Gungunhana, não somente pela visão dos vencedores, mas também pela visão dos vencidos – se é que se pode dizer que em uma guerra há vencedores e vencidos.
Apesar de,neste II volume prevalecer o romance, senti uma escassez da poesia inerente à prosa do Mia ( escassez e não isenção) escassez que é compensada pela humanidade a que fui acometida. “Ninguém é uma pessoa se não for toda humanidade” – citação contida às pags.67 -( um Dito de Nkokolani , local onde discorre parte da ação) , e essa foi a minha grande lição: A Humanidade , de forma que, o lado histórico do romance não passou de mero coadjuvante. Seria esse o propósito do Mia, além de recriar uma fato histórico: provocar uma reflexão sobre o modo que nos relacionamos com pessoas de diferentes etnias? A leitura que fiz indica que sim.
Apesar de Mia Couto nos presentear, mais uma vez, com uma leitura arrebatadora ( me agradou muito mais que Mulheres de Cinza- o I volume da trilogia) , demorei muito para concluir a leitura, pois assim como Imani eu fui assolada pela amargura. Como ela, perdi um ente querido. Meu pai – o “ velho” Tino - às vésperas de completar 92 anos, nos deixou , e, quando me depararei com a última frase do romance, não pude deixar de dedicar a leitura que fiz deste livro a ele: A- DEUS, “velho” Tino . A Ele vos recomendo. Como uma palavra pode nos atingir de forma tão avassaladora... Sim, Mia Couto tem razão: Tudo começa com um Adeus, até o eterno silêncio.

DIRCE 23/11/2016minha estante
Credo!O Skoob "come" todas as aspas algumas pontuações.


Kaonny 24/11/2016minha estante
Como sempre um belo olhar, uma bela resenha. Louco pra ler o meu aqui. Obg pela resenha.Bjs.


DIRCE 24/11/2016minha estante
Obrigada, Kaonny. Boa leitura.




Marcos Pinto 10/02/2017

História moçambicana e o amor entrelaçados
“Tudo começa sempre com um adeus”, afirma Imani, na presente obra. É exatamente isso que encontramos em Sombras da Água: adeus atrás de adeus e recomeços. Imani e Germano, após os acontecimentos do livro anterior, tentam se reconectar, recomeçar, após um adeus à terra da protagonista. Porém, o caminho para esse contato mais profundo ainda é árduo.

No coração de Imani, ainda arde a angústia de amar um colonizador, um branco, para alguns, até mesmo um inimigo. Para Germano, homem apaixonado até o último fio de cabelo, também restas dúvidas: será Imani realmente apaixonada na mesma proporção que ele? Será ele apenas um passaporte para fora daquela terra?

As angústias e dúvidas unem e minam o casal; a vida real também. A guerra entre Portugal e o Império de Gaza torna-se cada vez mais brutal. Moçambicanos são mortos aos montes; os portugueses também, ainda que em menor proporção. A terra jorra sangue e grita socorro, as mulheres já não sonham em parir crianças, mas armas poderosas para aniquilação do inimigo. Em meio à guerra; a vida clama por um olhar de amor. Passamos, até, “a sentir saudade do tirano anterior”. Mas a vida segue...

“Essa era a triste ironia do nosso tempo: enquanto em desespero procurávamos salvar um soldado branco, a poucos quilômetros dali se instalara um matadouro de milhares de seres humanos” (p. 19).

Um novo adeus é desenhado e redesenhado; novos começos, alguns nublados, outros terríveis, são traçados. “Tudo sempre começa com um adeus”, mas isso não significa que seja bom. Muitas vezes, a vontade é permanecer no passado, no imutável, no estranho que era simples, que o diga Imani e Germano. A vida, porém, é um rio que corre; mesmo com barreiras, segue em frente.

Por essas linhas, Mia Couto aprofunda o viés romântico de sua obra, mudando de lado a faceta mais poética de sua trilogia. Se no livro anterior a poesia estava no encontro com a cultura moçambicana, aqui está no amor que emana e míngua, que morre e renasce. Apesar das características diferentes, a qualidade é mantida; a genialidade também.

Em Sombras da Água, Couto flerta muito mais com o romance histórico do que no primeiro exemplar; o Reino de Gaza, as lutas, os embates históricos e os personagens icônicos da história moçambicana e portuguesa aqui estão presentes. Com algumas licenças poéticas, o autor traça um retrato bem fiel dos acontecimentos daquela região, dando ao livro um ar de aula de história misturada com encantamento. Aliás, ensina muito mais sobre a história africana do que nossas escolas, ainda tão falhas nesse dever acadêmico.

“Não são apenas terra que os rios atravessam. Este rio por onde viajávamos cruzava territórios de fogo, lavrados pela fome e pelo sangue. Mas havia uma outra distância que a nossa canoa ia vencendo: navegando por entre as espessas florestas a guerra parecia-nos alheia e longínqua” (p. 32).

A narrativa, por sua vez, é feita de forma intercalada, por Germano e Imani. Ele conversa com seu superior através de cartas, dando um aspecto mais documental ao livro. Contudo, em boa parte das vezes, as cartas oficiais também ganham um ar mais confessionário, sentimental, onde Germano esparrama seu amor. Imani, através da narrativa em primeira pessoa, nos dá uma visão única sobre a guerra, cultura e religião. Seus capítulos são os mais interessantes, principalmente por se sentir uma “negra que não é negra”. A abordagem desse lado psicológico dá espaço para muitos questionamentos, inclusive sobre a colonização e aculturação.

Para completar o trabalho maravilhoso, o livro conta com uma excelente parte física. A capa é belíssima e dialoga perfeitamente com o conteúdo do livro; a diagramação, por sua vez, é simples, mas altamente confortável, mantendo o padrão da obra anterior. A revisão está perfeita, assim como o trabalho editorial. Ou seja, temos mais um trabalho com o alto padrão de qualidade da Companhia das Letras.

Diante de tantos aspectos, resta-me apenas indicar essa obra. Mergulhe na série e na história moçambicana; vocês vão se apaixonar por cada detalhe dessa trilogia.

“A música é a língua materna de Deus” (p. 53).


site: http://www.desbravadordemundos.com.br/2017/02/resenha-sombras-da-agua.html
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Nélio 13/10/2017

“Mulheres de Cinzas” e “Sombras da Água”, de Mia Couto
Os dois livros são os já lançados da trilogia “As Areias do Imperador”, que aborda a guerra no final do século XIX ao sul de Moçambique. Espetaculares romances!
Desde quando comecei a ler os livros de Mia Couto um mix de sensações veio me assolando. Ao final dos livros acima, uma dessas sensações que volta é quanto à sua forma particular de trabalhar a linguagem. Dois outros autores provocaram em mim estranhamentos tais que voltaram-me à mente ao pensar sobre a obra de Mia. Não estou a comparar obras nem autores, só citarei sensações em mim causadas.
O primeiro autor cuja forma de uso da língua gerou um bruto estranhamento, um bloqueio até, foi Saramago. Que coisa complicada! Que coisa! E não foi por falta de tentativas, pois tenho quatro livros dele e li dois na marra. Aquilo não flui, não rende! Sensação negativa, ele me causou. Não sei se lerei mais dele...
Clarice Lispector foi outra a causar-me. Até certo ponto, positivamente. Li e leio suas obras. Seu uso da linguagem escrita gera desconforto, uma crueza ao narrar/contar que choca um leitor desavisado. Há livros terríveis de se ler, mas as dificuldades são superáveis! Muitos de seus contos e um romance em especial (O livro dos prazeres) são, para mim, obras primorosas! A sensação é positiva porque ela desfez em mim o preconceito que criei com Saramago ao pensar que não se deve “inventar” com a utilização da língua.
Assim, chego a Mio Couto. Que prazer encontrei em ler seus escritos! Sensações inenarráveis! Sabe aquele prazer em ir grifando, destacando, copiando frases e fragmentos que, para nós, valem ouro? Pois é, com seus livros não consigo mais. Há tanta coisa linda, tantas metáforas e comparações belas, tanto destaque que fico querendo fazer, que não faço mais! Chegava a me atrapalhar no meu deleite com a leitura do texto... Marco pouco, pois não vou perder a beleza das escolhas de palavras entremeadas com os termos que ele nos apresenta de um português que não é nosso, mas que é riquíssimo, inclusive em poeticidade.
O fundo histórico nestes livros é maior que em outros, entretanto a qualidade do texto continua sendo alta. Que sensibilidade ao criar e descrever suas personagens! São vidas sofridas, mas que não abandonam crenças, tradições e valores culturais. E isso me encanta! É claro que as subversões culturais e sociais acontecem, e até elas são reafirmações culturais.
Os livros deixaram-me muito curioso quanto à hidrografia de Moçambique. O autor traz uma forma tão mágica de entrelaçar, criar uma trama mesmo, entre a história narrada/criada e as águas locais que fiquei imaginando o valor social e cultural de seus rios para a população. Na sua obra como um todo, há uma presença muito forte do mar e dos rios. Essa presença também é sentida na forma como as personagens vivem suas histórias e culturas...
Deixo aqui uma pulguinha de curiosidade para quem não leu nada dele: uma citação de uma fala no livro 2.
“__ A pergunta, meus irmãos, é como ela aprendeu tudo isso? E como podemos confiar numa mulher que sabe tanta coisa?”
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Biblioteca Álvaro Guerra 24/09/2019

No segundo livro da trilogia As Areias do Imperador, Mia Couto dá continuidade à história de amor da jovem africana e do sargento português durante a guerra em Moçambique. Sombras da água retoma a história de Mulheres de cinzas, romance histórico encenado à época em que o sul de Moçambique era governado por Ngungunyane, o último grande líder do Estado de Gaza, em fins do século XIX. Ferido, o sargento português Germano de Melo é levado ao único hospital de Gaza, sob os cuidados de Imani, sua amada e responsável pelo tiro que lhe esfacelou as mãos, do pai e do irmão da garota africana e de uma amiga italiana. Nesta jornada, eles encontrarão outros percalços e personagens memoráveis - característicos das obras de Mia Couto. Alternando as vozes de Imani e Germano, o escritor apresenta duas visões de mundo diferentes, porém inevitavelmente envolvidas nesta trama.



site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9788535928044
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Juno 07/11/2020

Muito bom o livro, recomendo. Ansiosa para ler o último da série.
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Junia 07/12/2020

Do vazio, um sentido.
Este é um dos meus autores preferidos. Toda a sua narrativa é poética, imagética, mágica. Nela vejo a expressão de vidas comuns com a naturalidade da sua ancestralidade e envolvidas em sentimentos contraditórios, muitas vezes apenas em busca da sobrevivência digna em meio à guerra que este livro conta. A história é contada em duas narrativas de primeira pessoa: Imani e Germano. Uma estranha história de amor, recheada de impossibilidades, entre dois continentes, entre pessoas cujas vidas parecem sem futuro. Este é o segundo da trilogia As Areias do Imperador. Vidas esfaceladas tentando encontrar, na sobrevivência de cada dia, o merecimento do amor e a salvação de suas almas. Livro pra ler e reler.
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