Matheus 18/02/2020
O Supermacho
''O Supermacho'', de Alfred Jarry, desenha-se em torno de uma grandiosa questão: o que é o Homem? Fundidas em duas, suas respostas desdobram-se, inicialmente, em busca dos limites e das marcações de suas bordas orgânicas: homem de leite farto, como dizemos nas terras de cá, André Marcueil, personagem polimórfico e organizador da teatralidade jarryana, é uma máquina experimental de carne e osso: de estatura média e corpo pálido, com cabelos levemente compridos e ondulados a ferro, olhos negros abrigados por trás das lentes fumês de um pincenê de ouro, uma garganta devassa e um caminhar lento, A. M. é também um Outro de si-mesmo, o avesso de seu avesso: o ‘’Indiano celebrado por Teofrasto’’, uma espécime de uma outra raça, um organismo de forma escarlate, pele cor de cobre, musculoso e de proporções incomparáveis.
A.M./Indiano, como diria D. Haraway, é uma imagem híbrida de organismo e máquina, uma criatura de realidade material e também uma criatura de ficção. O ‘’supermacho’’ jarryano, transformando-se, simultaneamente, em animal e máquina, goza, joga e defeca diante das ficções frágeis que permeiam a subjetividade humana. Na companhia de Ellen, amante de desejos insaciáveis, o amor transforma-se em visgo e suor, lascívia, subidas e recordes. Assim, para romper com o que quer que haja de grandioso no interior da ideologia amorosa, Jarry, confundindo inícios e fins, reverenciará, além dos calendários industriais franceses, a patota do imensurável, aquela na qual seus sujeitos teimam em propôr confusões, posições repletas de parcialidades e, acima de tudo, contradições.
As provocações presentes na escrita jarryana, ao recusarem encerramentos abruptos, abrem-se e se tornam obscenas: negando segundo planos, transformam sua matéria, expõe-a e a força dizer-se de outro modo. Cenários e personagens: tudo expõe-se, tudo salta de modo tão escancarado que se torna hilariante e escandaloso. Químico, amante, engenheiro, general, senador, baronesa, cardeal, atriz, médico e prostitutas: a tudo e a todos é dado devorar-se, fazer-se outro com a descoberta escondida entre os lençóis.
Não há mapas para se entrar no ''O Supermacho''. Portanto, seguindo o conselho de seu tradutor: virem-se.